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OPINIÃO
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A barbaridade do assassinato da menina Agatha, de 8 anos, no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, fez com que as vísceras da política atual no Brasil se tornassem visíveis. Não só a política de segurança pública do governador Wilson Witzel, mas da concepção de sociedade que as forças de extrema-direita querem impor ao Brasil. E isto ocorre não por um problema de caráter ético, mas como desdobramento do capitalismo na sua atual forma de organização.
Quando um dos filhos do presidente da República afirma que é demorado fazer as transformações que o “país necessita” em um regime democrático – argumentando que em regimes ditatoriais, o processo seria mais “eficaz” – não está mentindo. O silêncio do presidente Bolsonaro e a demora de até 72 horas para o governador do Rio de Janeiro dar uma declaração ante a esta tragédia significa muito. Tratar as periferias como zonas de guerra em que se estabelece um “estado de sítio” permanente não é uma anomalia neste sistema, e sim uma lógica.
O saudoso Milton Santos afirmava que os territórios são constituídos a partir dos movimentos do capital que, por conta disto, estabelece circuitos superiores e inferiores, classificados a partir das disponibilidades de recursos e hierarquias nas etapas da produção. É isso que explica, por exemplo, um item de altíssima tecnologia, como o celular, ser produto tanto de centros altamente sofisticados de desenvolvimento científico e tecnológico como também de escravização de crianças para extrair o minério Coltan, matéria-prima para a produção das telas de cristal líquido.
Os territórios periféricos disponibilizam mão de obra para os trabalhos menos qualificados necessários em maior quantidade quando o capitalismo está em crescimento. Nestes momentos, migalhas dos recursos da reprodução do capital circulam na periferia e melhoram pontualmente as condições de sobrevivência. Por isto, nos tempos de “bonança”, os moradores da periferia tiveram acesso à compra de motocicletas, eletrodomésticos, celulares, entre outros bens e serviços. Em tempos de contração e de concentração da reprodução do capital no campo especulativo, esta mão de obra não qualificada perde espaço e os territórios periféricos passam a ser “problema”.
Por isto, ao lado da política econômica de privilégio ao capital especulativo e destruição da economia nacional há a necessidade de radicalizar a política repressiva. Witzel, Moro, Guedes, Bolsonaro e todos os defensores deste modelo são responsáveis diretos ou indiretos pelo assassinato de Agatha, assim como de todo o genocídio da população negra nas periferias. No capitalismo dependente, a periferia é senzala e precisa ser contida e até exterminada em determinadas situações. O que diferencia são capatazes com ou sem luvas de pelica. Mas todos têm o sangue de Agatha e outros inocentes nas mãos, assim como os que apoiam isto.