Jones Manoel: “A classe trabalhadora está no seu pior momento em 100 anos”

Blog Sindicato Popular entrevista Jones Manoel, historiador, professor, educador e comunicador popular; na pauta, o sindicalismo brasileiro na atual conjuntura, o governo Bolsonaro e os desafios da classe trabalhadora; confira

O historiador Jones Manoel (Reprodução)
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A frase é chocante e pela boa análise do camarada Jones (twitter @_makavelijones), tem tudo para ser real. O Jones Manoel é historiador, professor, educador e comunicador popular (desenvolve iniciativas de formação política no Youtube e na Podsfera a partir do Revolushow). Além disso, ele milita no PCB em Recife. Compartilhar a história com critério e métodos atualmente é um baita desafio. Nesse contexto, Jones tem trabalhado muito bem na formação e na troca de informações diárias que esse mundo acelerado exige. Segui-lo no Twitter é poder contar com boas análises de conjunturas e aprofundar o conhecimento sobre história e sociologia, mesmo na correria do dia a dia. Para nós, sindicalistas, por exemplo, Jones trouxe uma interessante provocação: Infelizmente, hoje, o sindicalismo não consegue cumprir sua tarefa histórica. Que tarefa é essa? O sindicalismo tem três tarefas principais: a) realizar uma guerra de guerrilha permanente contra o capital em defesa dos salários, condições de trabalho e direitos da classe; b) ser um espaço de formação política e politização dos trabalhadores; c) ser um espaço de socialização, divertimento, solidariedade, identificação de classe.  Muito bom poder refletir sobre isso, não é? No contexto da entrevista fica ainda embasada. Confira abaixo as falas do camarada. Qual a sua análise da conjuntura atual? Atualmente, vivemos um momento de transição. A Nova República é a expressão da reconstrução do sistema político de dominação burguesa depois do fim da ditadura empresarial-militar. Essa Nova República tinha como pilar um Partido-Estado (PMDB) lotado de cargos comissionados, prefeitos, vereadores e a maioria no legislativo nacional, cumprindo a função de garantir todos os difusos interesses locais dos diversos capitais e oligarquias. Aliado a esse Partido-Estado, uma espécie de razão onipresente no sistema, tínhamos dois partidos centrais, os articuladores político-ideológicos do sistema. O PSDB, formado por empresários paulistas e intelectuais, que tornou-se o grande gestor do sistema pela direita incorporando a tarefa de ser o articulador por excelência das vontades do imperialismo, capital financeiro, bancos, grupos de investimentos, monopólios de mídia e afins (e orbitando em volta do PSDB, o DEM, um ajuntamento de oligarquias regionais e filhotes da ditadura que não se juntaram ao PMDB). Aliado ao PSDB, o PT cumpriu a função de gestor pela esquerda do sistema. Um partido com maior “preocupação social”, valorização das políticas públicas, “inclusão” e democracia participativa, mas, que a partir dos anos 90, vai tendencialmente perdendo toda perspectiva de mudança estrutural, de reformismo forte – para não falar de revolução e socialismo -, tornando-se o partido do liberalismo de esquerda. Em torno do PT, orbitava uma série de partidos: PSB, PDT, PCdoB etc. Esses três partidos (PSDB, PMDB e PT) formavam a alma do sistema político que tinha como principal função operar a reprodução do desenvolvimento do subdesenvolvimento. Como assim? Desde o Plano Real, ainda no Governo Itamar, o velho desenvolvimentismo foi abandonado e passou-se a seguir os ditames do capital-imperialismo global. O Brasil passou por um processo de regressão produtiva – assim como os demais países da América Latina – e cresce a importância do latifúndio, mineração e especulação financeira na economia. Junto a essa tríade, temos o constante assalto ao Estado a partir de privatizações, isenções e desonerações fiscais, juros e serviços da dívida, concessões de bens públicos etc. Esse sistema, então, combinou pequenas melhorias para os de baixo, como regulamentos jurídicos avançados, a exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente, e melhoras materiais, como a redução da mortalidade infantil e os ganhos salariais no período petista, com um constante aprofundamento da dependência e do subdesenvolvimento do país ao lado de um Estado que nunca deixou de ser armar, matar e prender com medo da Nova República explodir nas duas contradições. E o começo da explosão foi Junho de 2013. A partir de então, o sistema político entra em uma crise que se combina com a crise econômica e até agora o velho, a Nova República, está morrendo. Na prática, as certezas de outrora não existem mais, porém, o novo, ainda não nasceu. A burguesia, dependente e associada ao imperialismo, tem a iniciativa histórica e busca recriar um novo padrão de dominação mais antinacional, antipopular e antidemocrático. A função histórica do bolsonarismo não é superar a crise política ou econômica. Mas criar as bases para destruir todas as resistências populares para, em breve, um novo projeto burguês com ares mais civilizados e tecnocráticos – ou tecnicista – recriar um novo padrão, “colocar ordem na casa”. Esse é o momento que vivemos no seu traço essencial. Um momento de transição onde a iniciativa histórica, infelizmente, tá totalmente com a classe dominante! Qual a sua visão sobre a atuação do sindicalismo brasileiro no presente?   Infelizmente, hoje, o sindicalismo não consegue cumprir sua tarefa histórica. Que tarefa é essa? O sindicalismo tem três tarefas principais: a) realizar uma guerra de guerrilha permanente contra o capital em defesa dos salários, condições de trabalho e direitos da classe; b) ser um espaço de formação política e politização dos trabalhadores; c) ser um espaço de socialização, divertimento, solidariedade, identificação de classe. No geral, o sindicalismo falhou nessas tarefas. Durante o período petista, quando o nível de emprego estava alto, ao invés dos sindicatos irem para cima, cobrar aumento de direitos e redução da jornada de trabalho, houve uma certa domesticação do sindicalismo. Lula, em entrevista à Folha de São Paulo antes de ser preso, se orgulhou de que no seu governo as ocupações de terra e greves baixaram a nível histórico; para o ex-presidente, isso seria uma prova da “paz social” do seu governo. Aliado a isso, problemas históricos da luta sindical brasileira não foram enfrentados nesses anos de domínio do “Novo Sindicalismo”: a burocratização das entidades e sua existência apenas cartorial, o histórico baixo nível de sindicalização dos trabalhadores brasileiros, a dificuldade de organizar desempregados e trabalhadores autônomos, a baixa tradição de usar o sindicato como um espaço de formação política e teórica etc. Nesse sentido, o sindicalismo brasileiro precisa se reinventar. Precisa aprender com a experiência dos argentinos na organização dos autônomos e desempregados, com a experiência dos gregos na organização dos pequenos lojistas e comerciantes, com a experiência do México e Bolívia na organização dos camponeses e assalariados agrícolas; em suma, pegar as experiências já existentes, sem cópia, sem soluções fáceis, para pensar os nossos problemas graves e urgentes. Bolsonaro alegou na campanha que os trabalhadores terão que optar por menos direitos para ter empregos. No seu ponto de vista, por mque tantos trabalhadores e trabalhadoras optaram nas urnas por um modelo que os prejudica? Repare, essa é uma questão muito complexa e ampla. Daria passar dias e dias falando. Aqui, necessariamente, terei que ser redutivo. A classe trabalhadora tem uma existência em si; ser trabalhador é uma relação objetiva, mas o ser humano não é apenas classe, ele é uma série de outras relações que o constituem e formam sua sociabilidade: é religioso, mãe, pai, homem ou mulher, sulista, pessoa que já sofreu violência etc. Na atuação política, o sujeito pode ser de uma classe, e não atuar como classe, jogar contra seus interesses objetivos. É a famosa dimensão da classe em si e classe para si de Marx. Ser uma classe para si significa se organizar, se reconhecer, atuar como classe. Quando se organiza os trabalhadores não como classe, mas como cidadão, individuo, povo, classe média (lembra do bordão “Brasil, país de classe média”?), empreendedor e afins, não é para estranhar depois que o trabalhador vá contra seus próprios interesses. Nos últimos 20 anos apenas uma pequena parcela da população trabalhadora foi organizada enquanto classe. No geral, a identidade classista foi diluída. Aí se o pastor diz que tal candidato “defende a família” e tem que votar nele, não é estranho que o indivíduo o faça. Em resumo, é o poder da ideologia como já colocou de forma precisa Marx, Lênin, Gramsci... Um autor que gosto um pouco, de um ponto de vista teórico, sintetiza bem o problema. Ele diz o seguinte: “A classe molda o comportamento dos indivíduos tão-somente se os que são operários forem organizados politicamente como tal. Se os partidos políticos não mobilizam as pessoas como operários, e sim como 'as massas', o 'povo', 'consumidores', 'contribuintes', ou simplesmente 'cidadãos', os operários tornam-se menos propensos a identificar-se como membros da classe.” (Przeworski,1989:42) De que modo a classe trabalhadora brasileira será capaz de enfrentar os ataques da agenda neoliberal do momento? Então, nesse momento de derrota estratégica da classe trabalhadora, acho que temos três tarefas fundamentais para tentar, no curto e médio prazo, mudar a correlação de forças. Primeiro, é saber que a nível institucional, não vamos ganhar. A luta de massas não pode ser subordinada à luta parlamentar. Como a resistência à PEC da morte e à contrarreforma trabalhista já mostrou, ainda durante o Governo Temer, abandonar a luta de massas pela “pressão parlamentar” é o caminho da derrota. No Congresso vamos perder tudo. Nosso foco deve ser construir maiorias sociais para pressão nas ruas, locais de trabalho, escolas, fábricas etc. Segundo, é necessário saber que a época da conciliação de classes acabou. A burguesia, os ricos, os que mandam nesse país, não querem mais saber de conciliação. Eles estão indo com tudo para acabar com todos os direitos sociais, trabalhistas, serviços públicos e empresas estatais. É necessário organizar todas as lutas tendo esse horizonte. Pautar radicalidade, independência de classe, auto-organização dos trabalhadores, ódio à burguesia; uma política totalmente não-burguesa, sem esperanças que um dia a “elite” vai ser menos egoístas, racista, antipopular etc. Terceiro e último, é necessário investir muito em formação política, em estudar a teoria marxista, o pensamento crítico latino-americano, a história do movimento operário no Brasil e no mundo, a história das experiências socialistas. Precisamos formar toda uma nova geração de militantes que dominam o marxismo, que sejam leninistas, que pensem política em termos estratégicos, de conquista do poder político. Temos um trabalho teórico-educativo gigantesco para combater essa concepção de política como uma lógica de sempre buscar acordos rebaixados e o famoso “menos pior”. De menos pior em menos pior, estamos aqui, agora, com o bolsonarismo. Qual são suas perspectivas para a conjuntura futura? Uma conjuntura muito difícil. A classe trabalhadora está no seu pior momento em 100 anos. Nunca tivemos ataques tão grandes sem uma ação de resistência capaz de oferecer uma barreira significativa. Nem na ditadura empresarial-militar a situação foi tão crítica. Mas é nas grandes derrotas que podem nascer as vitórias futuras. Se investir numa política radical, sem cretinismo parlamentar, pautada na autonomia de classe, na centralidade da luta operária, na recuperação e fortalecimento do marxismo, podemos em breve virar esse jogo. É uma situação muito difícil. Mas também uma situação cheia de oportunidades. Depende de nós, os revolucionários, se vamos aproveitar ou não essas oportunidades.