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OPINIÃO
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Bolsonaro não cansa de afirmar que “nós estamos em uma situação em que é preciso dizer a verdade: é quase impossível ser patrão no Brasil”. Para justificar a redução da multa do FGTS, declarou que “o pessoal não emprega mais por causa da multa”. Como, se o Brasil encerrou 2014 com a menor taxa de desemprego da história? A verdade para o presidente é uma grande mentira.
Para o nosso chefe do executivo e sua equipe econômica, as dificuldades que o país enfrenta tem um culpado: os trabalhadores. A política econômica não deve ser voltada para eles, mas para facilitar “a vida do empresário”. Será que ele está falando do pequeno empreendedor? Por que o governo não reduz os impostos deste grupo?
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A estratégia é simples: dar cabo dos direitos trabalhistas. Dessa forma, o pequeno empreendedor, iludido, passa a defender propostas que visam beneficiar os grandes empresários, que sofrem muito menos com os impostos. No fim das contas, quem sai perdendo são os trabalhadores. E se a relação entre patrões e empregados deve se parecer a de um casamento, como diz o presidente, o trabalhador seria a mulher, já que no modelo cristão bíblico, a parte feminina do casal é quem deve baixar a cabeça.
Existe a desculpa, dada por alguns, de que o trabalhador brasileiro é um dos mais caros do mundo por conta dos direitos trabalhistas. Contudo, com a retirada desses direitos, os salários aumentarão? O salário médio de um trabalhador chinês é maior que o do brasileiro. Isso sem falar dos países europeus, cito por exemplo, a empobrecida Grécia e, na América Latina, temos o Chile onde o salário médio é maior que o brasileiro (1).
É fácil dizer que nos EUA os trabalhadores não têm direito a férias remuneradas etc., mas se esquecem que o salário mínimo lá é imensamente maior que o brasileiro, e o custo de vida, proporcionalmente, é mais barato (2). Essa desculpa só teria sentido se o salário mínimo aumentasse para cerca de quatro mil reais.
Bolsonaro mente para poder convencer os trabalhadores a defenderem o enriquecimento dos patrões. O fato de os governos petistas terem gerado mais empregos na história deste país, atormenta o poder que se estabeleceu. E como explica Hannah Arendt, “fatos indesejáveis possuem a enfurecedora pertinácia de nada poder demovê-los a não ser mentiras cabais” (3).
Bolsonaro diz que o trabalhador custa caro para o patrão. Não para as grandes empresas que se instalaram no Brasil durante o governo PT. Bolsonaro, mais do que os outros governos, constrói a ideia de união entre patrões e empregados para o crescimento da empresa em uma perspectiva totalmente parcial, na qual o prejuízo do assalariado é enorme. Mas através de mentiras consegue convencer que sofrer é bom.
O último filme do Homem-Aranha (“Longe de casa”), termina com uma frase intrigante pronunciada pelo vilão. Algo do tipo, “as pessoas precisam acreditar e, hoje em dia, elas acreditam em tudo”. Nunca foi tão fácil mentir, até porque, nunca houve um tempo em que as pessoas foram tão ávidas por acreditar. (Uma consequência da dessacralização da sociedade ocidental). Mentir e acreditar compõem os dois lados da mesma moeda.
Por isso precisamos dizer a verdade. Esta, por sua vez, se torna um agir político. “Onde todos mentem acerca de tudo que é importante, aquele que conta a verdade começou a agir” (4).
As mentiras ditas por Bolsonaro não buscam dissimular a verdade, buscam destrui-la, como o que Moro quer fazer com as provas de sua atitude parcial como juiz. Arendt destaca que “a diferença entre a mentira tradicional e a moderna equivale, no mais das vezes, à diferença entre esconder e destruir”. Para tal, inventam-se verdades, mentiras organizadas, como “o PT destruiu o Brasil”, “Menos direitos e mais empregos” etc. Esta última, é a pior das mentiras, pois busca unificar o grande empresário e o pequeno empreendedor (o dono do bar, da padaria do bairro, da oficina etc.) em uma empreitada contra o trabalhador.
À medida que se tira os direitos do trabalhador, o governo afirma que está facilitando a vida do empreendedor. Incentiva, portanto, uma luta contra os trabalhadores, na qual os próprios trabalhadores são convencidos a se voltarem contra si próprios, porque, (aqui parafraseio Malatesta), acreditam que seu senhor é aquele que lhe dá o pão, e perguntam ingenuamente como viveriam se não tivessem um patrão (5).
O presidente, durante sua campanha, recitava a passagem bíblica: “a verdade vos libertará”. Sacralizava o ato de dizer a verdade para poder mentir. Agora, sua maior tática é dizer que todos mentem e somente ele fala a verdade. Por exemplo, “falar que passa fome no Brasil é uma grande mentira”. Diz-se a mentira afirmando que os outros mentem. É a evolução da arte de mentir.
Como explica Jacques Derrida, a mentira “sempre prejudica a outrem”. É, portanto, um ato legal (já que não é ilegal mentir), autorizado, que pode fazer mal aos outros. Entre os diversos atos prejudiciais realizados por este governo, a mentira política que sustenta o projeto econômico de ampliar a exploração sobre a classe operária, talvez seja o mais perverso.
(1)https://m.folha.uol.com.br/mercado/2017/02/1862186-trabalhador-brasileiro-ja-ganha-menos-do-que-um-chines-aponta-estudo.shtml
(2)http://www.justificando.com/2017/11/13/trabalhador-americano-custa-bem-mais-que-o-brasileiro-e-tem-direitos-sociais/
(3)ARENDT, Hannah. “Entre o passado e o futuro”. Trad. Mauro W. Barbosa. São Paulo: Perspectiva, 2013, p. 299.
(4)Id. P. 311.
(5)MALATESTA, E. “Definição de anarquista”. In: WOODCOCK, G. “Os grandes escritos anarquistas”. Porto Alegre: L&PM, 1998. p. 59.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.