Os influenciadores são as novas marcas nos mercados de informação. Casos de sucesso e fracasso repentinos estão associados àqueles que conseguem de alguma forma exercer influência sobre públicos através das novas plataformas digitais. Dessa forma vê-se até o surgimento de novas atividades profissionais como youtubers e instagrammers. Esses novos atores do campo da comunicação fora das mídias tradicionais, têm uma peculiaridade de serem famosos em nichos de públicos, e dentro desses nichos ocorrem disputas, colaborações e rivalidades.
O cenário de influenciadores do Youtube e Instagram de uma certa forma se repete no Twitter e como não poderia deixar de ser, aparece com nuances próprias nos debates sobre política. É nesse campo de disputa que esse artigo adentra. Mostramos quais são os influenciadores dos debates da #VazaJato no twitter, como esses influenciadores atuam sobre dois diferentes grupos e o que se revela dessa atuação para o campo mais amplo das disputas comunicacionais da política.
Foram selecionadas duas hashtags aparentemente de lados opostos que estavam ativas no dia 17/06 #EuToComMoro e #MoroCriminoso. Nossa abordagem para identificar os influenciadores consistiu em analisar quais os usuários de Twitter mais seguidos pelos usuários que comentavam sobre cada uma das hashtags. Como o volume de dados é muito grande (ambas as hashtags foram citadas por mais de 4000 usuários) fizemos isso por amostragem. Do total de 4000 usuários selecionamos aleatoriamente em torno de 350 usuários de cada grupo e em seguida baixamos dados dos 100 últimos tuítes de cada usuário, tendo como referência coletas realizadas entre os dias 10/07/2019 e 14/07/2019. Desses tuítes foram identificados os que faziam menções a outros usuários de twitter e destes usuários mencionados selecionamos os vinte mais citados no total da amostra. A Figura 1 mostra o resultado dessa primeira análise.
[caption id="attachment_180187" align="alignnone" width="621"] Figura 1: Os vinte maiores considerado as duas hastags[/caption] A Figura 1 traz uma imagem um tanto desafiadora ao senso comum quando se pensa numa disputa tão acirrada. No eixo horizontal estão os 20 influenciadores que mais aparecem no total de tuítes, independentemente dos grupos. As barras em cor azul representam o volume de menções a esses influenciadores em comentários com a hashtag “#MoroCriminoso” e as barras em vermelho com a hashtag “#EuToComMoro”. Curiosamente, observa-se que os vinte influenciadores mais citados estão presentes nos dois grupos, sendo que os quatro principais influenciadores jairbolsonaro, SF_Moro, greenwald e deltanmd estão nas mesmas posições e com aproximadamente os mesmos números de menções em ambos os grupos. Se analisarmos os vinte principais influenciadores para cada grupo separadamente, perceberemos que o quadro não muda muito. Vejamos as figuras 2 e 3. [caption id="attachment_180188" align="alignnone" width="639"] Figura 2: Os vinte maiores de #eutocomomoro[/caption] [caption id="attachment_180189" align="alignnone" width="673"] Figura 3: Os vinte maiores de #morocriminoso[/caption]Observa-se nas Figuras 2 e 3 que bem poucos influenciadores que não aparecem na Figura 1 são incluídos em ambas as listas. E algo bem curioso é que alguns dos mais citados do grupo #EuToComMoro são pessoas de destaque no campo da oposição ao governo federal, tais como Jean Willys, Lula, Marcelo Freixo e Jandira Feghali que teoricamente se alinham com a outra hashtag. O que então justifica essa aparente contradição?
Para buscar essa resposta, desmembramos os números de menções em três tipos distintos: citação, ou seja quando um “influenciador” é citado no twitter; resposta, quando o tuíte é uma resposta direta a um tuíte de algum influenciador; e retuíte, quando o tuíte é um retuíte de uma postagem do influenciador. Desse desmembramento, surge a figura 4.
[caption id="attachment_180190" align="alignnone" width="645"] Count[/caption] A Figura 4 dá pistas para explicação do aparente paradoxo. A partir da análise de algumas amostras da base de tuítes, assumimos que retuítes significam apoio, concordância com a ideia inicialmente tuitada, enquanto que respostas e citações têm sinais contrários de acordo com o grupo que se analisa. Dessa forma respostas e citações para SF_Moro (ex-juiz Sérgio Moro) no grupo #EuToComMoro são reforços positivos, enquanto no grupo #MoroCriminoso são reforços negativos. Dito isso, percebe-se que há bem poucos retuítes, enquanto que os números de citações e respostas são aproximados, com alguma vantagem das citações. Vendo com mais detalhe, Jair Bolsonaro (jairbolsonaro), o usuário mais mencionado, não tem retuíte em nenhum dos campos. Glenn Greenwald (ggreenwald) destaca-se nos retuítes: é o mais retuitado na amostra total, com amplo contraste entre os dois grupos. Por outro lado, o ex-presidente Lula (LulaOficial) é mais citado do lado que supostamente seria seu adversário, mas sem ocorrência de retuíte. Admitindo o retuíte como a menção que majoritariamente é mais positiva ao influenciador, vale analisar somente esse grupo. A Figura 5 traz essa análise. [caption id="attachment_180191" align="alignnone" width="712"] count[/caption]Pela Figura 5, confirma-se o que já foi dito anteriormente sobre Greenwald ser o usuário mais retuitado, seguido pelo Intercept Brasil (interceptbr), que refere-se ao site que ele dirige. Observando-se com mais precisão verifica-se agora que há coerência entre as citações de retuítes e o campo de influência do significado da hashtag. Do lado do #MoroCriminos nota-se que há protagonismo de usuários como o ator José de Abreu (zehdeabreu), o deputado federal Paulo Pimenta (deputadofederal), LulaOficial e a deputada federal Jandira Feghali(jandira_feghalli). Já do lado #EuToComMoro, os principais influenciadores são Carla Zambelli (CarlaZambelli17), Eduardo Bolsonaro (BolsonaroSP) e o site O Antagonista (o_antagonista).
A figura mostra ainda que os veículos de comunicação tradicional continuam sendo relevantes para o debate com a presença da revista VEJA e do jornal Folha de São Paulo (folha), além das citações de colunistas ligados a esses órgãos como Monica Bérgamo (monicabergamo) e Noblat (BlogdoNoblat). Vale salientar que esses veículos são retuitados principalmente pelo campo #MoroCriminoso, o que revela a aceleração do distanciamento do setor ultra-conservador com a mídia mainstream.
Observa-se, por outro lado, o fortalecimento das novas mídias que já surgiram no ambiente de internet, como Intercept Brasil (interceptbr), no lado #MoroCriminoso e O Antagonista (o_antagonista), no lado #EuToComMoro. Revela-se ainda a presença de um representante dos novos atores influenciadores no campo da política. São os cidadãos fora do campo da comunicação e da política que com os debates na internet acabam por ganhar protagonismo. No gráfico esse representante é o zehdeabreu.
Por fim, parece que o campo da política tradicional do lado da esquerda partidária ainda não conseguiu maiores penetrações no Twitter, principalmente se levarmos em consideração a figura 1. Os atores do cenário político stricto-sensu mais citados, independentemente do sentimento associado, estão ligados ao campo da direita. Mesmo os da esquerda que aparecem não são exatamente os mais cotados nas grandes disputas federais. Não há por exemplo predominância do Haddad, Ciro Gomes, Marina Silva ou mesmo Manuela ou Boulos, que estiveram nas disputas presidenciais de 2018. Esse é um aparente sinal de alerta para o campo das esquerdas nas próximas disputas nacionais.
Nota dos redatores: No dia 10/07, quando foi feita a primeira amostra, havia destaque forte para o Conversa Afiada (ConversaAfiada), site do Paulo Henrique Amorim, que faleceu exatamente no dia que fizemos essas primeiras coletas. Fica aqui a nossa homenagem a esse que foi durante décadas um dos principais influenciadores da comunicação brasileira.
Sobre os autores
Charles Novaes de Santana: Cientista da computação, mestre e doutor em mudanças climáticas, com experiência no uso de técnicas de inteligência artificial e de aprendizado estatístico para responder perguntas interdisciplinares. É co-fundador de DataSCOUT, apaixonado por fractais, redes complexas, e por identificar padrões escondidos em amontoados de dados.
Tarssio Barreto: Estudante de doutorado do Programa de Engenharia Industrial da Universidade Federal da Bahia. Dedica o seu tempo ao aprendizado de máquina com particular interesse na interpretabilidade de modelos black box e qualquer desafio que lhe tire o sono!
Fernando Barbalho — Doutor em Administração pela UnB (2014). É cientista de dados no Tesouro Nacional. Pesquisa e implementa produtos para transparência no setor público brasileiro. Usa R nos finais de semana para investigar perguntas que fogem às finanças públicas.
Tomás Barcellos — Economista formado na UFSC (2014). Trabalha no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento desde 2015, atuando hoje como Coordenador de Inovação. É mestrando do Programa de Pós-Graduação em Estudos Latino-Americanos da UnB.
Leonardo F. Nascimento — Doutor em sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos — IESP/UERJ (2013). Pesquisa temas relacionados à sociologia digital e aos métodos digitais de pesquisa. Atualmente é professor do Instituto de Ciência, Tecnologia e Inovação da UFBA.