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OPINIÃO
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O sociólogo Richard Sennet destaca que a crença na personalidade faz com que uma pessoa esqueça seus interesses e siga o líder. É “o poder do culto da personalidade sobre os interesses de classes” (1). Essa personalidade é construída por meio da exibição da intimidade.
Assim como o conservador italiano, Matteo Salvini, Bolsonaro explora as redes sociais para expor sua intimidade. Trajando um terno sofisticado, portando um celular de última geração e rodeado por peças caras que compõem o seu escritório, um pacote de macarrão instantâneo é destaque na fotografia. É um cenário íntimo. Em alguns casos ele se encontra com roupas de casa etc. Todos esses elementos são forjados para criar uma identificação com o público.
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O ápice dessa maquiagem foi o almoço do presidente com o embaixador de Israel, Yossi Shelley, neste domingo (7), em Brasília, antes da final da Copa América entre Brasil e Peru. O cardápio de alta classe (lagosta) foi escondido na foto oficial por meio de uma tarja preta. A ideia seria - embora não tenha havido nenhuma explicação oficial - que se revelado o prato do presidente, sua identificação com o povo seria prejudicada.
Trata-se do simulacro da maneira pela qual o filósofo francês Jean Baudrillard o descreve. Não se quer apenas esconder o real propriamente dito, mas instaurar uma nova realidade, uma “hiper-realidade”. Desta maneira, muitos pobres trabalhadores são conduzidos a defender a reforma da Previdência, pois são seduzidos pela hiper-realidade do governo Bolsonaro. Mesmo a reforma cortando alguns benefícios do INSS, e fazer com que os trabalhadores dediquem mais tempo de sua vida ao enriquecer dos patrões, muitos a defendem. Enquanto isso, o presidente esconde a lagosta que come, o ministro do Meio Ambiente diz que não há desmatamento no país e Moro afirma que não tem nada de ilegal nas mensagens trocadas com o procurador Dallagnol!
A mídia, por seu turno, apresenta o discurso pseudocientífico. Economistas e jornalistas de aluguel são convidados a dar entrevistas e apresentar números para atribuir um sentido lógico à reforma. Embora esboce diatribes ao presidente, no fundo, nos bastidores, todos agem juntos, cada um a sua maneira, para a aprovação da reforma da Previdência.
E dessa maneira os pobres se colocam uns contra os outros. Esse procedimento manipulador é importante para se manter as relações sociais de produção, porque é mais que óbvio que da exploração do trabalho nasce, naturalmente, a solidariedade entre os explorados, nas palavras de Karl Marx: “A solidariedade dos homens não é uma frase vazia, mas uma realidade, e a nobreza da humanidade irradia sobre nós a partir das figuras maltratadas pelo trabalho” (2).
As classes dominantes sempre criaram maneiras de fomentar o ódio entre as classes subalternas. Na Idade Média, as pessoas eram instigadas a denunciar os vizinhos que apresentassem um comportamento adverso da religião dominante, sob a acusação de bruxaria ou de judaísmo. No Brasil dos finais do Império e do início da República, falava-se das classes perigosas, descendentes de escravos, em sua maioria, que desafiavam a política de controle social. Nos EUA do início do século XX, o negro era visto como o grande inimigo, causador do desemprego e dos problemas sociais que se desenrolaram após a abolição da escravidão e da extensão dos direitos civis. Na Europa de hoje, o imigrante voltou a ser hostilizado, sendo acusado de roubar o emprego dos nacionais fazendo renascer os partidos de extrema direita no continente.
Hoje é forjada e incentivada uma luta entre o cidadão de bem e a criminalidade. A dialética deixa de se encontrar no binômio capital/trabalho e passa a ser entendida entre trabalho/preguiça ou trabalho/criminalidade. As notícias dos jornais salientam que o aumento da violência enfraquece o comércio, gerando desemprego. Assim, os trabalhadores canalizam toda a sua ira para o combate à criminalidade. Mas, por outro lado, a burguesia sempre usa de meios paliativos para combatê-la, porque sabe que a violência urbana é um instrumento útil para conter as revoltas sociais antissistêmicas.
A massa trabalhadora junta-se, assim, à classe dominante para eliminar um suposto mal comum, fazendo com que a solidariedade entre os trabalhadores se volte para o ódio aos excluídos do processo conduzido pela própria burguesia. A violência que o cidadão comum sofre na escuridão das noites cariocas, ou em plena luz do dia, é política. Trata-se de uma forma fortuita de administrar a solidariedade entre os trabalhadores através de uma frase vazia: “Bandido bom é bandido morto”.
Há também as oposições entre esquerda e direita, petralhas e bolsominions etc, termos resgatados e inventados para fomentar ainda mais as desavenças, abrindo espaço para as classes dominantes agirem nas sombras.
As vaias a Bolsonaro na final da Copa América revelam claramente que sua popularidade caiu, como o apontado pelas pesquisas. Será que ele irá recorrer, com maior vigor, às redes sociais para recuperar a estima popular? As pessoas cairão mais uma vez em suas baboseiras? Ele precisa resgatar suas frases polêmicas fabricadas, que a esquerda acredita revelarem sua idiotice, mas que, na verdade, é uma estratégia hábil de popularidade. Mas será que isso ainda funciona? Se não, uma das formas (simulacros) de colocar os pobres contra os pobres chegou ao fim?
(1)SENNET, Richard. “O declínio do homem público”. Trad: Lygia Araujo Watanabe. Rio de Janeiro: Record, 2014. p. 335.
(2)MARX, Karl. “Manuscritos econômicos-filosóficos”. São Paulo: Martin Claret, 2005. p. 156.