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OPINIÃO
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A melhor maneira de compreender o pensamento conservador é partir de seus ideólogos. Para tal, creio que um dos maiores intelectuais orgânicos da burguesia do século XX, o sociólogo Peter L. Berger, apresenta questões importantes que vamos usar (não sei se o autor gostaria disso) para entender o pensamento reacionário bolsonarista.
Por meio de sua Sociologia do Conhecimento podemos entender como uma minoria cognitiva persiste em um meio onde seu pensamento está em ruínas. No caso brasileiro, essa minoria cognitiva de pensamento retrógrado se aproveitou do antipetismo para adquirir adeptos. O sociólogo austro-americano é especialista na compreensão do sobrenatural na sociedade moderna, sociedade esta que tem como característica o desencantamento do mundo.
Quando um pensamento tradicional entra em crise, ou ele se recolhe em comunidades formando uma minoria cognitiva ou se adapta à modernidade. Nesta última opção ocorre um abandono dos elementos que caracterizavam tal pensamento. O catolicismo de hoje é completamente diferente daquele do período medieval, por exemplo.
Para Berger a sociologia é vista pelos conservadores “como uma das mais nefastas criações diabólicas do intelecto moderno” (1). Não é à toa que o governo Bolsonaro odeia tal ciência. É porque ela foi uma das últimas ciências modernas (depois das ciências naturais e da ciência biológica de Darwin) a propor desafios aos teólogos que estes não são capazes de resolver.
Em meio a um mundo progressista, em uma “segunda modernidade” (termo que uso no sentido adotado por Ulrich Beck) que critica os elementos liberados pela sociedade industrial e outros pré-modernos que ainda não foram superados, os conservadores se tornaram minoria. Principalmente porque a economia capitalista se pauta na diversidade, onde todo ser sensitivo pode ser um consumidor em potencial, independentemente de sua cor, crença ou opção sexual.
Mas ainda assim existem pessoas que resistem às pautas progressistas. Negligenciam o fato de que a economia é base de toda a estrutura em uma sociedade capitalista. Portanto, como elas conseguem permanecer firmes em suas posições mesmo quando tudo ao seu entorno aponta para uma direção adversa, mesmo quando suas ideias se encontram ultrapassadas e inconsistentes com o mundo?
Berger entende que “a plausibilidade, no sentido daquilo que as pessoas realmente acham digno de fé, das ideias sobre a realidade depende do suporte social que estas ideias recebem” (2). A estrutura social dá suporte à plausibilidade da realidade. Contudo, nada tem que ver com a realidade sensitiva; a plausibilidade pode ser incapaz de “ter apoio em nossa própria experiência dos sentidos”.
Assim, o indivíduo faz parte de um círculo social onde encontra o apoio para construir a plausibilidade. Recorre-se a “elementos constituintes”. Cria-se uma “rede conversacional pela qual estes ‘habitantes’ mantêm a realidade em questão funcionando”, “práticas e rituais terapêuticos” e “as legitimações que os acompanham” (3).
Berger usa um católico como exemplo, mas eu vou usar um bolsonarista. A “manutenção da fé” no governo “na consciência do indivíduo exige que ele mantenha relações com a estrutura de plausibilidade do” bolsonarismo. “Isto é, uma comunidade de” bolsonaristas, “sobretudo em seu ambiente social, que continuamente dê suporte a esta fé” (4). Temos como prova disso as redes sociais, o mundo virtual onde os bolsonaristas se afogam em memes e fake news, inventando lógicas que sustentam suas crenças. O presidente e seus filhos fabricam diariamente, através de seus posts, o alimento, os versículos que compõem a bíblia bolsonarista.
“Dentro desta comunidade de apoio haverá, então, uma conversa contínua que explícita e implicitamente mantém o mundo” bolsonarista “em andamento”. “Explicitamente, há a afirmação, confirmação, reiteração das noções” bolsonaristas “sobre a realidade”. “Nosso indivíduo, pois, opera dentro do que poderíamos chamar de aparelho conversacional especificamente” bolsonarista, “que, de inúmeras maneiras, confirma a cada dia o mundo” bolsonarista “que ele habita em companhia de seus ‘outros significantes’. Se todos esses mecanismos sociais funcionarem devidamente, o” bolsonarismo “ser-lhe-á tão ‘natural' com a cor de seus cabelos ou sua fé na lei da gravidade” (5).
A família de Bolsonaro e o escritor Olavo de Carvalho são os que providenciam as práticas, rituais e legitimações para que tudo funcione como se fosse um culto, servindo de sustentação para o meio social bolsonarista.
Pode-se tirar investimentos em educação e saúde, aumentar o desemprego, tirar remédios dos idosos, acabar com institutos para deficientes, destruir o meio ambiente, contaminar a comida que nada irá mudar a construção social da realidade que esse indivíduo tem. A não ser que as bases sociais de sustentação de sua visão de mundo fossem extintas, o que é improvável.
Contudo, depois que a Reforma da Previdência for aprovada (e o governo de Bolsonaro está fazendo de tudo para mostrar aos capitalistas que é capaz de fazer isso para, assim, salvar o seu mandato), os investidores capitalistas poderão jogar fora o que não precisam mais. Ou Bolsonaro terá que mudar e se adaptar ao discurso da segunda modernidade como fizeram diversos teólogos, ou o capitalismo que precisa, no seu estágio atual, da diversidade, o cuspirá como um catarro que incomoda a garganta e os conservadores voltarão ao espaço fechado de onde vieram.
(1) BERGER, P. Rumor de anjo: a sociedade moderna e a redescoberta do sobrenatural. Trad: Waldemar Boff e Jaime Clasen. 2 ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2018. P. 37.
(2) Id. P. 64.
(3) Id. P. 67.
(4) Id.
(5) Id.