13 de maio, a abolição inconclusa e a consolidação do Estado capitalista racista

Dennis de Oliveira, no Blog Quilombo, diz: “Ao ver as práticas políticas do governo Bolsonaro percebe-se de forma aberta este DNA racista do Estado brasileiro”

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
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A Lei Áurea não foi uma concessão da Princesa Isabel. O Brasil era uma monarquia parlamentar. A lei foi aprovada no parlamento. A Princesa Isabel apenas sancionou a lei aprovada. E quando ela foi aprovada, o Brasil era, naquela época, o único país da América que ainda mantinha o sistema de trabalho escravo. Enquanto na Europa o movimento socialista impulsionado pelas ideias de Marx e Engels já questionava a exploração do trabalho assalariado, no Brasil ainda vigia o trabalho escravo. A Lei Áurea foi promulgada 40 anos depois do manifesto comunista! A Lei Áurea coroou um processo de abolição gradual e controlada que começou em 1850, com a promulgação da Lei Eusébio de Queiroz, que proibia o tráfico. No mesmo ano, foi promulgada a Lei de Terras que transformava a terra – que era uma propriedade estatal concedida para exploração aos latifundiários – em propriedade privada. Os então concessionários das terras públicas passaram a ser proprietários da terra. Com isso, ao lado da abolição gradual, já se vetava o acesso à terra dos escravizados à medida que fossem sendo libertos, uma vez que eles não teriam recursos para poder comprar terras. E, ao mesmo tempo, com a disseminação de ideias das pretensas teorias científicas racistas – como a eugenia – as elites brasileiras consideravam que era necessário branquear a população brasileira. À medida que os postos de trabalho foram sendo abertos com o fim da escravização de negros, imigrantes europeus eram contratados para ocupar essas vagas. Paralelamente a isso, o ser negro foi criminalizado – as suas práticas culturais e religiosas eram tipificadas como crimes. O simples fato de andar pelas ruas, por estar sem emprego, era criminalizado pela chamada lei da vadiagem. Este foi o projeto de abolição das elites brasileiras. A de transferir a condição de negras e negros de “bons escravos” para “maus cidadãos”. Por isso, 13 de maio não é uma data para comemorar e, sim, para refletir o significado da abolição inconclusa. Tudo isso foi feito não apenas por um espírito maligno das elites (embora isso também ocorra). Mas porque foi um projeto de edificar um capitalismo dependente. Um capitalismo baseado na superexploração da mão de obra. Pagar valores aviltantes para a força de trabalho. Para que isso aconteça é necessário que se tenha um grande exército de reserva de mão de obra, aumentando a disputa por vagas no mercado de trabalho e consequentemente rebaixando o valor. Este é o fundamento do racismo estrutural brasileiro – ser um elemento que estrutura uma relação de classe de superexploração e que sinalizou para um tipo de Estado que tem a lógica da concentração de renda e patrimônio, de restrição da cidadania e da violência como prática política sistêmica. Ao ver as práticas políticas do governo Bolsonaro percebe-se de forma aberta este DNA racista do Estado brasileiro: defende que dono de latifúndio pode matar impunemente alegando “defesa da propriedade”, ainda que ela não cumpra os requisitos constitucionais da função social; que corta verbas da educação pública e quer acabar com a previdência pública e, ao mesmo tempo, defende a violência policial como forma de dirimir conflitos. Isso ocorre porque os fundamentos do racismo estrutural não foram enfrentados plenamente. Por isso que há, sim, uma coerência entre os discursos racistas mais abertos de membros do governo e as suas propostas de reforma trabalhista, da previdência, entre outros. Não são coisas distintas, mas que fazem parte desse fundamento racista do capitalismo brasileiro consolidado no final do século XIX. Racismo no futebol E, na véspera do dia 13 de maio, um goleiro negro, o Sidão, do Vasco da Gama, recebeu um prêmio irônico da Globo no jogo Santos e Vasco. Interessante pelos seguintes motivos: 1º) assisti ao jogo e não foi por causa de uma falha do goleiro Sidão, ao contrário do que sugere manchete do portal da Band, que o Vasco perdeu – afinal foi 3 a 0 e não 1 a 0; 2º) outros goleiros – brancos – que também já cometeram falhas semelhantes à de Sidão não sofreram esse constrangimento (como, por exemplo, Rogério Ceni, que costumava jogar com os pés, e já cometeu um erro parecido, mas nunca foi ironizado; 3º) Este episódio mostrou que temos ainda um longo caminho a percorrer para superar o racismo que estrutura o pensamento e o olhar da maior parte dos brasileiros.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.