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OPINIÃO
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Há um ano Bruno Covas assumiu a Prefeitura de São Paulo, sucedâneo do agora governador do estado João Doria. Com perfil discreto e sereno, o mais jovem prefeito da capital paulista destacou-se nesse período mais por sua apatia do que por seus projetos e realizações. A sensação da população é de que a cidade está abandonada. Inoperância administrativa somada à aproximação das eleições municipais no ano que vem podem ter resultados drásticos não só para Covas, mas também para setores que disputam seu partido (PSDB). Passados 12 meses no comando da gestão municipal, aconselha-se avaliar com cautela seu desempenho até aqui, e pensar bem no caminho entre o hoje e o futuro pleito municipal. Do contrário, seu legado para a cidade poderá ser nenhum.
Bruno Covas teve uma atuação sóbria nas eleições de 2016. No papel de candidato a vice-prefeito sua função era mais simbólica do que programática. O intuito era o de trazer o “histórico” do avô, Mario Covas, e a reminiscência de uma gestão tucana ética, sólida e confiável para a campanha à Prefeitura de São Paulo, oportunamente recheando de tradição e parentela o discurso outsider de João Doria. Combinando, assim, legado, tradição familiar e novidade política à chapa Doria-Covas.
Vitoriosos nas urnas, porém, a campanha eleitoral não se encerrou no dia 2 de outubro de 2016. Hoje vemos com bastante nitidez que a população paulistana elegeu um prefeito e ganhou em troca um candidato. João Doria optou por uma estratégia arriscada, mas já testada por correligionários, como José Serra. O plano, desde o início, era o de abandonar a cidade e alçar voos mais altos.
As trapalhadas de Doria para fazer-se candidato à presidência da república em 2018 custaram caro à administração municipal. Seus discursos midiáticos sem sustentação na realidade, numerosas viagens a outros estados para receber prêmios e honrarias, somada à baixíssima capacidade de entrega de serviços e políticas públicas concretas, fez sua aprovação cair de 29% para 18%, ao passo que o percentual de paulistanos que avaliavam sua gestão como ruim ou péssima subiu de 39% para 47% entre novembro de 2017 e abril de 2018, segundo o Datafolha.
Obstruído por seu arrependido padrinho político, Geraldo Alckmin, Doria contentou-se com o lugar de postulante ao Palácio dos Bandeirantes, ao invés do Palácio do Planalto. Assim, deixou a Prefeitura de São Paulo para ser candidato a governador no pior momento de sua popularidade. Ele, no entanto, levantava-se da cadeira de prefeito para ir em direção a uma campanha eleitoral estadual, o que lhe possibilitava a criação de novas narrativas, novas alianças, novas estratégias de redes sociais, e um eleitorado de cerca de 20 milhões de paulistas que o conheceriam melhor a partir daquele momento. Doria sabia o que estava fazendo, e era igualmente de seu conhecimento que sua rejeição municipal não seria automaticamente expandida para o resto do estado. Resultado: foi eleito governador!
Bruno Covas, no entanto, tinha uma situação completamente diferente. Assumiu a cidade e, de quebra, a impopularidade do ex-prefeito e uma máquina municipal em frangalhos. E para piorar, Covas era completamente desconhecido da população. Segundo o Datafolha, dez dias depois de assumir a Prefeitura, em 18 de abril, apenas 3 em cada 10 paulistanos sabiam quem ele era. Isto é, 70% da população dissera não saber informar quem comandava a cidade.
Assim, o novo prefeito se viu enredado pela armadilha de seu antecessor. Seja por ter menosprezado a estratégia de Doria, ou por compactuar com ela, o fato é que o contexto pós-arapuca era dramático. Covas, desprevenido, não tinha em suas mãos uma Prefeitura com capacidade técnica de gestão, nem projetos e entregas na ponta da agulha para criar uma agenda positiva, e muito menos uma estratégia de governo que pudesse tornar o corpo de secretariado mais unido e coeso, disposto a enfrentar os desafios da cidade. Acrescente-se a esse cenário uma base governista bastante descontente na Câmara de Vereadores, e também grupos, organizações da sociedade civil e movimentos sociais irados pelos desmandos da Prefeitura. E, ainda, um orçamento enxuto, processos judiciais em diversas pastas e, na prática, nenhuma grande ideia para São Paulo. Tudo isso, coroado pela complexidade inerente de administrar a maior metrópole do país.
Nessas circunstâncias, Covas tinha, grosso modo, dois caminhos a seguir. Por um lado, poderia pegar carona na conjuntura conservadora para ampliar sua popularidade à direita e chancelar uma espécie de mandato ‘Bolso-covas’, apontando para uma disciplinada continuidade do projeto de Doria. Por outro, teria a possibilidade de fazer o contrário e consolidar uma agenda socialdemocrata para a cidade, abrindo canais de diálogo com a sociedade, descentralizando a gestão municipal, e desfazendo-se dos projetos ultraliberais de seu antecessor, criando assim uma nova marca para a Prefeitura, no sentido de buscar maior alinhamento entre o sobrenome ‘Covas’ e sua gestão. Por esse caminho empreender-se-ia algum grau de ruptura com João Doria.
Sua opção, porém, foi a de jogar parado. Não se sabe se por dúvida, inépcia ou estratégia. Mas Bruno Covas chama à atenção por sua movimentação política titubeante, o tom sempre ameno e sem exaltação, e os discursos pusilânimes ao explicar à população suas ideias e soluções para a cidade. No caminho nem tão João Doria, nem tão Mario Covas, o prefeito tem dificuldade em emplacar sua cara à gestão, opta por adiar a decisão do rumo de seu governo, e transforma imparcialidade em anulação. Assim, abdicou-se, na prática, de conduzir a cidade.
Sem a liderança e o papel de mediador do Prefeito, o que decorre é a proliferação da grupocracia. Isto é, o fortalecimento de pequenos e poderosos grupos de interesse históricos na cidade que se apropriam ainda mais das principais políticas públicas municipais reduzindo-as a meros esquemas lucrativos e privados.
Durante a gestão Bruno Covas, o cartel das empresas de limpeza do município conduziu a licitação da varrição, o cartel das empresas de ônibus orquestrou a licitação dos ônibus, o lobby das empresas de capitalização aprovou a reforma da previdência municipal, consórcios de interesses escusos conduzem os projetos de privatização e concessão de ativos públicos, e a articulação do setor imobiliário já aparelha a revisão da Lei de Zoneamento da cidade. E assim segue o baile...
Fora isso, o primeiro ano do ex-vice-prefeito foi também marcado por tristes acontecimentos, como a morte de sete moradores na queda do Edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, e a morte de mais de uma dezena de pessoas em São Paulo e na região metropolitana por conta das fortes chuvas de verão no início desse ano.
No mais, outros desafios são impostos pela crise econômica, mas algumas medidas do prefeito denotam que ele não tem sabido lidar com ela. Com a maior taxa de desemprego dos últimos anos em São Paulo, na casa de 15%, qual a lógica de aumentar a tarifa dos ônibus num patamar duas vezes acima da inflação do último ano, sabendo que essa mudança atinge diretamente o orçamento das famílias mais pobres? E não só isso. Para quem está trabalhando, qual o fundamento para a proposta de aminguamento do Bilhete Único e do Vale Transporte, sabendo que a maioria dos trabalhadores pior remunerados mora longe do seu local de trabalho? E ainda, com o aumento do desemprego e da informalidade, como entender os cortes de verbas nas áreas da assistência social, direitos humanos e da saúde, justamente no momento em que a demanda mais cresce nesses serviços?
Embora o Parque Minhocão, o Parque Augusta, a privatização do Anhembi e o Triângulo SP possam vir à tona como uma artificial agenda positiva e moderna desse primeiro ano de governo, não existe razoabilidade humana que consiga equiparar estes projetos, que estão ainda no papel, às dificuldades enfrentadas pela cidade. E no mesmo molde a forjar resultados a frio está também a ampliação de gastos com zeladoria, a pavimentação de vias e a mudança no sistema de remuneração dos servidores públicos – o bônus por desempenho e cumprimento de metas. Igualmente, nada que represente melhorias satisfatórias para o futuro da cidade.
É preciso que a Prefeitura, e em especial a figura do prefeito, tome a liderança e busque soluções rápidas e efetivas para os problemas reais que afetam a população paulistana, em especial nas periferias da cidade. Caso contrário, a conta virá e ela será alta. Se continuarmos a ver a Prefeitura trabalhando dessa maneira, sem viço e sem vontade, sem projeto para a cidade, o resultado poderá ser o de termos um governo que terminará sem nunca ter começado. Essa será a consequência de entregar São Paulo a sua própria sorte.