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OPINIÃO
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“Não tinha percebido, agora é tarde demais. A campanha deles começou há 20 anos... Um lento conta-gotas de medo e ódio...”. Talvez essa linha de diálogo do filme “Brexit” (narrando os bastidores de uma campanha política que disseminou polarização com todas as armas de uma guerra híbrida) seja uma das pistas para um início de discussão em torno do massacre na escola pública de Suzano/SP. Mais uma tragédia numa sucessão tão sincrônica de eventos que demonstra o quanto a psico-esfera nacional foi envenenada. Da recorrência de simbolismos dos sonhos nos períodos que antecederam guerras, constatada por Carl Jung na Alemanha, às “coincidências significativas” que acompanham os recentes massacres, ataques e atentados no Brasil, tudo parece comprovar uma dominância no inconsciente coletivo de “pontos nodais” de energia psíquica que influenciam ações de indivíduos. Há uma conexão entre a hipótese sincromística e Guerra Híbrida? Se existir a conexão, essa guerra semiótica teria um propósito mais profundo: a formação de um verdadeiro exército de zumbis para atuar em dois fronts: tecnologia da informação e disseminação do medo na sociedade.
Era 1936. Em sonhos de seus pacientes o psicanalista Carl Gustav Jung começou a perceber um fenômeno onírico que parecia anteceder momentos de turbulência, como a guerra: conteúdos que exprimiam crueldade, brutalidade e violência. A recorrência desses temas levava a crer que não eram puramente de caráter pessoal, mas coletivo. Os delírios apareciam nos sonhos dos pacientes e nos próprios sonhos de Jung.
Desde 1917, Jung percebia que esse simbolismo onírico encontrava paralelo na mitologia, folclore e nos contos de fadas. Eram para ele “imagens primordiais” que não se explicavam unicamente pela transmissão cultural ou educação. Eram como “dominantes” de um inconsciente coletivo, pontos nodais que atrairiam energia, influenciando o funcionamento do indivíduo. Eram “arquétipos”, símbolos do inconsciente coletivo.
No momento da ascensão do nazismo, o que Jung viu nos sonhos dos seus pacientes (e nele próprio) foram forças inconscientes que personificariam o deus Wotan: “deus da tormenta e da efervescência, desencadeador das paixões e das lutas e, além disso, mago poderoso e artista das ilusões, ligado a todos os segredos da natureza oculta" (JUNG, Carl G., Aspectos do drama contemporâneo, Petrópolis, Vozes, p.5).
Wotan: o mais poderoso deus da mitologia nórdica que deixa um rastro de acontecimentos fatídicos. E também o supervilão arqui-inimigo do super-herói Senhor Destino, da DC Comics.
Hoje, o folclore, mitologias e contos de fadas foram substituídos pelos games de computador e a mídia, do jornalismo ao entretenimento. Mas não só substituídos. Foram potencializados com as novas tecnologias em tempo real, criando uma espécie de realidade aumentada: uma capa ou interface virtual, um contínuo midiático, através da qual os pontos nodais do inconsciente coletivo descritos por Jung entram em contato com mais frequência com o mundo cotidiano.
[caption id="attachment_169202" align="alignnone" width="450"] Jung e o arquétipo Wotan[/caption]
O que os brasileiros sonham?
O massacre ocorrido numa escola pública da até então pacata cidade de Suzano/SP (dois ex-estudantes da escola, um adolescente e um homem encapuzado, fizeram um ataque suicida matando sete pessoas) faz lembrar imediatamente a perplexidade de Jung ao descobrir simbolismos oníricos de brutalidade e morte nos momentos que antecederam as duas primeiras guerras mundiais.
Seria muito interessante sabermos quais seriam os símbolos recorrentes nos sonhos dos brasileiros desde que o psiquismo nacional foi envenenado pelo ódio e polarização política normatizado pela grande mídia, braço armado da guerra híbrida colocada em ação no País desde 2013.
Mas na falta de uma análise sistemática do material onírico dos brasileiros, basta observarmos o sincronismo dos eventos em série que se abatem na psico-esfera nacional: A catástrofe humana e ambiental de Brumadinho, a morte de jovens atletas no incêndio criminoso no CT do Flamengo, morte de crianças e bebês em desmoronamentos nas enchentes de São Paulo, notícias diárias de feminicídios, câmeras de rua flagrando valentões armados resolvendo a tiros pendengas no trânsito.
A tal ponto que nem a grande mídia vem suportando a depressiva pauta nacional e, pateticamente, procura (por meio de estratégias discursivas) destacar sempre o lado da “boa notícia”, mesmo nas tragédias – clique aqui.
Por mais que o jornalismo corporativo tente reduzir o massacre na escola pública de Suzano a um ato de “maldade” ou “loucura” de jovens isolados (o que, em última instância, acaba justificando o discurso da liberalização das armas – afinal, nunca se sabe quando um “doente” poderá atacar), o noticiário começa a se render à evidência de que o massacre foi planejado. E com mais de um ano de antecedência. E ainda: de que os jovens assassinos frequentavam um submundo de fóruns de ódio na Deep Web nos quais contaram com assessoria.
Brancos, heteros, sociopatas e “losers”
Certamente o planejamento da ação nesse longo período foi impactado (ou mesmo estimulado) pelo ataque de escola em Goiânia/GO (morte de dois alunos por tiros desferidos por um colega de 14 anos) e a morte de oito crianças e uma professora em uma creche em Janaúna/MG por um vigia que ateou fogo nas vítimas e em si mesmo. Ambos ataques em 2017.
Além de, nesse meio tempo, em dezembro de 2018, o fato de uma igreja em Campinas/SP ter sido invadida por um homem que atirou em fiéis e depois se suicidou, após matar cinco pessoas e deixar três feridas, poderia ter sido mais um evento de estímulo à premeditação do massacre.
Em todos esses casos trágicos, há recorrências que tornam esses eventos sinistros: (a) crimes cometidos por homens, brancos e heteros; (b) todos sociopatas e reclusos – “losers”, desempregados, morando com os pais e sem perspectiva socioeconômica ou cultural; (c) problemas psiquiátricos persecutórios, num quadro de paranoia e ressentimento; (d) a questão do bullying ou da humilhação (seja escolar, familiar ou social) resolvida pela brutalidade de uma “solução final”; (e) e a decorrência de todos esses fatores: o impulso da vingança contra a sociabilidade – ou será contra a própria civilização?
Homens frustrados e revoltados vivendo em algum tipo de realidade paralela, dominada por ditaduras de feministas, LGBTs, na qual “ser branco demais, ter nariz grande ou espinhas são o suficiente para sofrer terrorismo psicológico”, como usuários comentaram no Dogolachan (fórum da Deep Web extremista que é um celeiro de atos violentos) logo após o massacre de Suzano.
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