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OPINIÃO
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A série original da Amazon Prime, estrelada por Orlando Bloom, ficou um pouco apagada por ter estreado em um período em que a crítica só tinha palavras para o filme do Coringa. Contudo, “Carnival Row” precisa ser lembrada e entendida como uma crítica severa à extrema direita que emerge na Europa e na América Latina.
Em uma cidade inspirada na Londres vitoriana, fadas, faunos, centauros e outras criaturas lendárias vivem sob o olhar preconceituoso dos burguenses (a capital de “Carnival Row” se chama Burgos), contrários à imigração. Uma alusão direta à crise migratória que assola a Europa atual.
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A história central é a de um detetive que investiga as mortes brutais de um “serial killer”, que deixa corpos desventrados pela cidade. Ele é apaixonado por uma fada, relação da qual surge um romance clichê semelhante ao da maioria das produções hollywoodianas, com traições, desejo de conquista etc. Mas é a trama política que chama a atenção.
O Parlamento que rege as leis da cidade está dividido entre os membros do governo, que defendem uma certa tolerância em relação aos imigrantes não humanos, e os da oposição, que querem a opressão, ou até mesmo a expulsão destes estrangeiros indesejados de “Carnival Row”.
Depois de um sequestro forjado pela esposa do chanceler Absolom Breakspear, o líder da oposição é acusado e, em seguida, envenenado na prisão. Sua filha, Sophie Longerbane, assume o cargo e se apresenta como uma jovem política de aspirações mais radicais que as de seu pai.
Ela usa de estratégias similares às que vimos em “Game of Thrones” para seduzir o filho do chanceler, Jonah Breakspear, e, assim, impor uma política severa contra as minorias. Forja uma carta que desvenda o passado de Absolom Breakspear, que poderia comprometê-lo e desestruturar a política por completo.
Entrevado em uma cama por ter sido vítima de um atentado a facadas por um fauno militante de uma seita secreta, Breakspear é assassinado pela própria esposa, que quer encontrar a qualquer custo o paradeiro do filho bastardo do chanceler, informação que descobriu pela carta forjada por Sophie Longerbane. O caos foi instalado.
O filho do político assassinado descobriu toda a trama bolada pela jovem, que buscava ascensão política. Em um encontro decisivo, Jonah a pergunta por que havia feito tudo aquilo. A jovem responde: “Porque o caos cria oportunidades”. O jovem Breakspear assume o cargo do pai e declara o início de uma era austera e de opressão contra as minorias.
As semelhanças com o mundo atual são impressionantes. À imigração na Europa, que levou à ascensão da extrema direita. Ao caos implantado no Brasil com a Operação Lava Jato, que afundou a Petrobras. Até as facadas no líder político de Burgos lembram o caso brasileiro. Mas nos remete também à situação da Bolívia, onde o caos expulsou o presidente eleito, desencadeando a ascensão de uma extrema direita adversa aos indígenas, fundamentalista e aliada aos militares.
Na Inglaterra, vemos, depois da crise gerada pelo Brexit, que tirou dois primeiros-ministros do cargo, a eleição do conservador Boris Johnson, que chamou homossexuais de “bumboys” e declarou ainda “que muçulmanas usando o véu que deixa só os olhos à vista se assemelhavam a ‘caixas de correio’” (1).
O caos criou oportunidades para a ascensão da extrema direita. E podemos assemelhar com o que diz Naomi Klein sobre a “doutrina do choque”. Por dificilmente prosperar em um ambiente democrático normal, as medidas neoliberais impopulares exigem “um choque inicial, uma suspensão da normalidade política – desastres ambientais, guerras e conflitos, ataques terroristas, golpes de Estado, entre outros -, para haver o ambiente adequado e propício ao avanço de tal agenda (2)”, explica Ramon Blanco, professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana.
É lógico que por ser uma empresa capitalista, a Amazon pouco se importou com a questão econômica do caos. Assim como a Folha de S.Paulo pouco critica as medidas econômicas propostas por Guedes. Por isso, é importante a crítica da crítica. Mas, ainda assim, vale a pena conferir a série para se vislumbrar com a representação artística e fabulosa da ascensão do fascismo no mundo atual.
(1)https://www.google.com/amp/s/www.bbc.com/portuguese/amp/internacional-49066508
(2)BLANCO, R. A doutrina de choque temerária. Le monde diplomatique Brasil, ano 10, n. 16, mas. 2017, P. 11.