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OPINIÃO
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O ator Juliano Cazarré postou um vídeo no último sábado, em seu perfil no Instagram, onde aparece um Gorila protegendo os seus filhotes na travessia de uma estrada. Até aí, tudo bem. Mas, o problema vem na legenda: “A masculinidade é uma construção social... Só que não! Prover e proteger: a masculinidade faz do mundo um lugar mais seguro. PS1: Quem tem um pai legal sabe. PS2: Esse gorila é mais cavaleiro do que muito homem por aí... Dorme com esse barulho”, escreveu o ator.
Ao colocar que “a masculinidade é uma construção social... só que não”, o ator joga por terra anos de estudos sobre a construção da masculinidade que leva em conta fatores biológicos e o quanto essa ideologia é nociva à sociedade como um todo, mas para algumas vidas em particular, neste caso, as mulheres, LGBT e homens heterossexuais que não seguem os padrões de masculinidade tido como “naturais”.
Essa tal masculinidade que o ator afirma tornar “o mundo mais seguro” é a responsável direta pela morte de mulheres pelas mãos de seus companheiros, responsável direto pelo assassinato de travestis e transexuais, pela morte de homens gays, principalmente os afeminados, pois, na cabeça do macho provedor e protetor, “pode até ser gay, mas afeminado não”, daí vai lá espanca e mata.
É também a mentalidade do macho provedor e protetor que alardeia a ideia de que, se a mulher estava com roupas curtas e sozinha tarde da noite, facilitou o estupro e qualquer outro tipo de violência de gênero. É este mesmo macho provedor e protetor que espanca o seu filho gay e o expulsa de casa, pois, para ele a homossexualidade é uma doença, um desvio de caminho que envergonha a família.
Essa masculinidade provedora e protetora e que, segundo o ator, faz do mundo um lugar mais seguro (onde?), é irmã do machismo e da misoginia que faz o Brasil figurar entre os países que mais mata mulheres e LGBT no mundo.
O “durma com esse barulho” o qual alude o ator, é o barulho constante de que mulheres e LGBT sentem cotidianamente ao sair de casa. Estes dois grupos sociais convivem com o medo diário de serem vítimas da violência perpetrada pelos machos provedores e protetores. Ao colocarmos os pés na rua nunca temos certeza se voltamos para casa. Esse é o barulho que nós dormimos e acordamos diariamente, caro Juliano Cazarré.
Aliás, foi esta mesma ideologia de que a “masculinidade faz do mundo um lugar mais seguro” que serviu de pilar para a eleição do atual presidente da República do Brasil. Um discurso repleto de ódio contra as LGBT e de que nas entrelinhas ou na boca de sua ministra da Família e dos Direitos Humanos o mundo ideal seria com as mulheres em casa cuidando do lar.
Se este texto chegar até o ator, vou deixar aqui uma dica de livro que uso em todas as minhas aulas sobre a construção histórica e social da masculinidade enquanto dispositivo de violência contra as diferenças. Trata-se de “Couro imperial: Raça, Gênero e Sexualidade no embate colonial”, da Anne McClintock. De maneira objetiva, a pesquisadora nos mostra como, desde a invasão da América, foi se constituindo esse ideal de macho provedor e protetor: a conquista, a violência como forma de dominação somada aos alicerces do status de normalidade referente aos homens, ou seja, a construção do macho provedor e protetor tem a sua historicidade construída em guerras, genocídios, estupros, assassinatos de LGBT e o racismo.
Se tem uma coisa que a masculinidade defendida por Cazarré não é, é justamente o prover e proteger, muito pelo contrário, e o Brasil será um lugar melhor às mulheres e às LGBT quando conseguirmos nos livrarmos dessa ideologia que mata e humilha constantemente os corpos que passam longe do “prover e proteger”.