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OPINIÃO
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...a morte desse ditador me conforta...
Renato Russo sobre a morte de Emílio Médici
O rock que predomina na mídia atual não é tão crítico quanto o que havia nos anos 80. A cultura de massa, de um modo geral, passa por uma espécie de carência em relação a letras potentes. As produções independentes são o principal reduto dessas letras que esperam uma oportunidade para sair do porão e vir à tona, agindo pedagogicamente.
São dois cenários opostos. No Rock in Rio de 1985, o Brasil vivia o processo de redemocratização. Era um tempo de esperança, de confiança em um país melhor. Talvez por isso, os protestos políticos foram tímidos, resumidos a um discurso de Cazuza “que o dia nasça lindo pra todo mundo amanhã. Um Brasil novo, uma rapaziada esperta. Valeu!”.
Hoje vivemos uma situação inversa, na qual o presidente é um defensor da ditadura militar e foi eleito proferindo um discurso pró-tortura e saldando Brilhante Ustra, famoso torturador do período dos quartéis.
Embora o Brasil passe por um período adverso à democracia há três anos, as letras dos grupos de rock consagrados ainda não refletem o momento, como as letras de Cazuza e Renato Russo, as quais permitem compreender a década de 1980 com enorme precisão crítica.
Contudo, em 2017, a edição do Rock in Rio foi marcada pelo “Fora Temer", um grito que em si reproduzia a necessidade de se tirar um governante. Uma indignação calibrada e relativamente consciente, pois concentrava em si uma proposta, a queda do presidente.
Hoje ouvimos: “Ei, Bolsonaro, vai tomar no c*”. A frase mostra uma involução crítica, talvez espelhada pela própria involução das letras do rock. Letras incapazes de descrever com precisão crítica a realidade pela qual passamos. Embora o “Fora Temer” fosse mais interessante, a música de protesto era “Que país é esse”. Neste ano, Dinho Ouro Preto cantou apenas uma parte dala, e disse: “o Brasil é um país de moderados”. E não dedicou a música ao presidente como fizera em 2017.
Tudo parece ser parte de um projeto de poder manipulador. Bolsonaro produz um discurso agressivo de ódio para que a crítica a ele assuma o mesmo tom. Ou um discurso supostamente crítico clamando por moderação, ou falas sobre amor, como fez Tico Santa Cruz. No fim, todo o modelo de crítica é superficial, conveniente ao presidente.
É a indignação manipulada. Deste modo, não atingimos o cerne da questão: a destituição de seu governo. Tanto o “Ei, Bolsonaro...” quanto o discurso por moderação e por mais amor, são improdutivos e interessantes para o sistema. Apenas respondemos com ódio (ou em aversão a ele) as bobagens ditas propositalmente pelo presidente para nos desviar de seu projeto econômico avassalador. Respondemos às polêmicas idiotas com palavrões, uma maneira leviana de descarregar a insatisfação, ou com um discurso do “paz e amor”, inútil politicamente. É, ainda, crítica, mas feita de forma ludibriada, direcionada para um alvo equivocado.