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OPINIÃO
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Os torturadores da época da ditadura “só arrancaram umas unhazinhas”, disse o cantor Lobão, num evento literário e musical em São Francisco Xavier (SP), em 2011. Nada demais, né? Que mal faz um sujeito te dependurar num pau-de-arara e arrancar “umas unhazinhas”?
Ele não está sozinho. Aliás, tem a concordância de uma porrada de “cidadãos de bem”, que acham que tem que ser assim mesmo.
A verborragia presidencial rotineiramente inclui louvação à ditadura e à tortura de presos políticos. E também vivas aos torturadores, como o coronel Ustra. Bolsonaro não perde uma oportunidade de louvar o coronel torturador. Esta semana mesmo fez mais uma declaração de amor ao coronel (como é chegado a declarar amor a certos homens, esse presidente, não? O Trump que o diga). Resolvi então contar, para quem não sabe, os métodos de tortura praticados durante a ditadura.
A tortura não foi uma coisa ocasional ou feita à revelia dos chefes militares. Era um meio que eles consideravam normal de destruir psicologicamente seus inimigos — os suspeitos, muitas vezes não mais que suspeitos — para lhe arrancar informações. Tanto que nas listas de torturadores feitas pelos presos constavam, por exemplo, dois brigadeiros — João Paulo Burnier e Carlos Afonso Dellamora — e muitos outros militares graduados.
E praticava-se a tortura em muitos lugares, como as sedes do DOI-Codi, vários locais do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), que no estado de São Paulo, depois, passou a chamar-se Deops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social), do Cenimar (Centro de Informações da Marinha) e do CISA (Centro de Informação e Segurança da Aeronáutica), em delegacias, em vários quartéis, em alguns batalhões da Polícia do Exército (especialmente o 1o BPE, do Rio) e em casas ou sítios alugados especialmente para isso.
E mesmo tendo à mão listas de torturadores (a última, entre as feitas por presos do Rio e publicada pelo jornal Em Tempo, tinha mais de 400 nomes), o governo jamais fez nada contra eles. Ao contrário, preferia atribuir as denúncias a uma campanha antibrasileira. E nos casos mais específicos, como o do delegado Fleury, em vez de punição ele ganhava promoção a cada denúncia.
As torturas utilizadas eram muitas. Algumas se estendiam por todo o Brasil e para quase todos os presos, como o pau-de-arara, originada no tempo da escravidão. Depois do fim da ditadura, continuou sendo usada contra presos comuns, em muitas delegacias. Consiste em amarrar os punhos e os pés do torturado, geralmente nu, forçando-o a envolver os joelhos dobrados com os braços, deixando um "buraco" por onde passa um cano com que o penduram de cabeça para baixo entre dois cavaletes. O pau-de-arara era (ou é) complementado por espancamentos (especialmente nos rins, estômago e diafragma), afogamento (enfiam uma mangueira ou canudo no nariz ou na boca do torturado, por onde derramam água) e choques elétricos (no pênis, no ânus, na língua...).
Outros tipos de tortura foram usados exclusivamente em um ou outro preso, como no caso de Stuart Angel, no pátio interno do CISA, no Galeão, Rio de Janeiro. Depois das torturas tradicionais, ele foi amarrado com a boca no cano de escape de um jipe e arrastado, tendo morrido com queimaduras internas e sufocamento por gases tóxicos.
Entre esses tipos mais comuns e os específicos há vários outros, que foram bastante utilizados, como os citados a seguir.
Hidráulica: o preso era amarrado e afundado várias vezes em rios ou no mar. Em alguns lugares o afogavam por algum tempo num barril cheio d'água.
Geladeira: o preso era colocado despido num cômodo frigorífico pequeno, a baixa temperatura. Para completar, havia dentro da geladeira sons estridentes altíssimos. A pessoa chegava a perder a noção do tempo, dentro da geladeira. Saía de lá meio enlouquecida, sem saber se é dia ou noite, se havia ficado horas ou dias trancado nela.
Churrasquinho: colocava-se um cone de papel no ânus do preso (ou na vagina das presas) e ateava-se fogo. Às vezes derramavam álcool em alguma parte do seu corpo e punham fogo. Uma variante do churrasquinho é o maçarico, que também usavam para queimar o torturado.
Capacete ou coroa de cristo: uma fita de aço envolve o crâneo do torturado. Há um parafuso que faz apertar a “coroa” progressivamente.
Cadeira do dragão: o preso era amarrado numa cadeira revestida com folhas de zinco, para dar choques elétricos.
Escova de aço: com ela se esfregava o peito, as costas ou outras partes do corpo do preso, deixando-o esfolado e sangrando.
Uso de animais: colocação de ratos, cobras ou outros animais nas celas. Houve presas que tiveram baratas introduzidas na vagina ou no ânus.
Corredor polonês: era uma espécie de “recepção” a presos novos, obrigados a passar no meio de filas paralelas de torturadores, sendo espancados por todos.
Fora esses, houve vários outros. Sem contar a tortura de familiares (até bebês) dos presos na sua frente, ou as aulas de tortura em que os presos ficavam expostos à exibição de especialistas, num auditório, e em seguida ao treinamento dos aprendizes. Foram trazidos torturadores estrangeiros para dar aulas de tortura no Brasil, usando presos políticos como cobaias.
Há pessoas que tentam “justificar” a tortura culpando o torturado: “Alguma coisa ele fez”. Julgam (isso mesmo, colocam-se no papel de juízes) que se ele foi parar ali é porque fez por merecer. Está escondendo algum malfeito. É pelo menos “suspeito”. A tortura seria o único meio de fazer que confesse. Para esses casos, lembro que se você odiasse alguém e quisesse que ele se ferrasse, uma denúncia falsa resolvia.
Há muitos casos disso. Amigos presos me contaram, por exemplo, da chegada de um sujeito à cela deles que aparentemente não tinha ligação política nenhuma. Ficaram até meio desconfiados de que ele fosse um policial disfarçado, para ouvir a conversa dos presos.
Mas ele foi levado à tortura algumas vezes e voltava todo estropiado, sendo então tratado pelos presos políticos. Um dia, depois de voltar mais uma vez arrebentado, pediu, enquanto curavam seus ferimentos:
“Por favor... Me digam nomes de alguns comunistas... Eles ficam me dando choque, batendo, querendo que eu entregue alguém, mas eu não sei nem o nome de nenhum...”.
Era um comerciante apolítico, e um desafeto dele o denunciou como “terrorista”.