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OPINIÃO
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Uma pesquisa recente publicada na Folha de São Paulo aponta que os eleitores com maior escolaridade preferem Jair Bolsonaro a Lula para o cargo de presidente. O deputado tem 27% e o petista o segue com 25%. Se tirarmos o ex-presidente do páreo, o candidato do PSL dispara com 27% seguido de Marina com 12%.
Quando observados apenas os eleitores com o Ensino Médio, Bolsonaro vence Lula confortavelmente com 34% das intenções de voto, contra 24% do ex-presidente.1
Que conclusão podemos tirar disso? Como um candidato à presidência da República que não tem nenhuma proposta clara de governo pode ser o preferido daqueles que possuem maior escolaridade?
A corrupção e o discurso construído ao redor dela, não só tirou do povo investimentos, mas o alienou, fazendo com que resuma política ao suborno, desvirtuação, aliciamento etc.. E a classe média, por seu turno, não tem a mínima ideia do que o governo faria caso os impostos que paga não fosse surrupiado. Sim, porque ela não defende proposta alguma, apenas o fim da corrupção.
Outro ponto que explica a sedução de Bolsonaro sobre a classe média é que de fato (e infelizmente) a educação proposta por Paulo Freire nunca foi implementada no país. A escola aqui sempre foi sem partido, incapaz de despertar o senso crítico, voltando-se apenas para a formação de indivíduos aptos para o trabalho e, sobretudo, acríticos à ideologia que fomenta todo esse processo.
É o maior cientista do século XX que nos dá suporte para pensarmos essa questão. Segundo Albert Einstein: “Essa deformação dos indivíduos, eu a considero o pior dos males do capitalismo. Nosso sistema educacional inteiro sofre desse mal. Uma atitude competitiva exagerada é inculcada no estudante, que, como preparação para sua futura carreira, é treinado para idolatrar um sucesso aquisitivo”.2
Há um grande interesse das classes dominantes em manter a educação em seu modelo tradicional desde a consolidação do capitalismo. Um tipo de educação que tem como objetivo transformar pessoas em capital humano, de modo que “será mais fácil, para conseguir seus objetivos, ver o homem como uma ‘lata’ vazia que vão enchendo com seus ‘depósitos’ técnicos”.3
A meta final é “converter o conhecimento e a formação humana em ‘capital humano’”. Segundo Istvan Mezaros, não poderia ser de outra forma porque “vivemos sob condições de uma desumanizante alienação e de uma subversão fetichista do real estado de coisas dentro da consciência (muitas vezes também caracterizada como ‘reificação’) porque o capital não pode exercer suas funções sociais metabólicas de ampla reprodução de nenhum outro modo”.4 O capitalismo precisa de um sistema alienante de dimensões sofisticadas, por não ser capaz de cumprir aquilo que propõe. A educação, portanto, acaba por se tornar uma ferramenta útil.
A promessa da educação utilitarista
Com esse tipo de educação interessada em formar “homens latas” incapazes de criticar as ideologias que o circundam, as ideias simples e universalizantes têm encontrado um terreno fértil. Não se pensa em uma alternativa, mas na consolidação da ideologia do consumo (que legitima a violência), da família tradicional etc..
Esses homens latas protestam pela realização da promessa que deram a ele de que quando tivesse os estudos concluídos, teria tudo que quisesse, carro, casa, bugigangas tecnológicas de última geração, produtos que os mantém jovens etc.. E duas soluções parecem, para esse ser acrítico, demonstrar o caminho mais fácil para alcançar essa promessa: o fim da corrupção, pois se o político não roubasse o nosso dinheiro o Brasil não teria tanta dívida; e o extermínio de bandidos, pois estes impedem a liberdade de consumir. Tudo tem a ver com dinheiro, exatamente como o sistema quer, exatamente como esse homem lata foi adestrado a pensar.
Quem não lembra dos torcedores brasileiros que fizeram aquele vexame na Rússia durante a Copa do Mundo? Aqueles homens machistas eram todos formados, engenheiros, ex-secretários, enfim, símbolos da educação utilitarista irracional ensinada em nossas escolas. Reproduzem de forma acrítica o conteúdo que recebem, porque não possuem capacidade interpretativa para ir além da forma rasa de como as coisas lhes aparecem.
A alienação que impulsiona a revolta, o voto de protesto, em prol da realização dessa promessa da educação utilitarista, é tão poderosa que faz um assistente social defender um discurso que menospreza as populações carentes, uma mulher votar em um político que nada fará pela igualdade de gênero, um professor escolher um candidato que afirmar exonerar os profissionais da educação em nome da educação a distância.
Esse sintoma revela que precisamos de uma educação para além das promessas utilitaristas. Eliminar o discurso predominante que afirma que estudar serve apenas para arrumar um bom emprego, menosprezando, levianamente, a função humana e progressista do ensino.
Caso o candidato do PSL venha a ocupar o cargo de presidente, as escolas transformar-se-ão em antros formadores de bolsominions de forma mais clara. Diretores militares de escolas vazias - já que o deputado defende a implementação do ensino a distância - irão promover a coloração amarelada da pele de todos, pondo fim, assim, às desigualdades raciais. Os discentes sairão dessas escolas falando uma língua confusa, bruta, que somente o chefe será capaz de entender. Saberão fabricar máquinas e armas em uma linha de produção sem desobedecer. E as mulheres estarão lá, em casa, pelejando para reforçar a imagem materna e ajudando o marido quando esse precisar (quem viu o Meu Malvado Favorito 3 pôde perceber que a mulher de Gru, Lucy, foi retratada dessa maneira).5
Será uma produção em massa desses seres obedientes apenas ao chefe, fazendo sem pensar tudo que ele mandar. É triste imaginar que em pleno século XXI, um tema tão explorado na ficção científica pode vir a ser real.
1 https://www1.folha.uol.com.br/amp/poder/2018/08/bolsonaro-e-lula-estao-tecnicamente-empatados-entre-os-mais-escolarizados.shtml
2 EINSTEIN, Albert. Por que socialismo? https://www.marxists.org/portugues/einstein/1949/05/socialismo.html
3 Paulo Freire. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p.23.
4 MÉSZÁROS, István (org.). A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2008. p. 59.
5 https://revistaforum.com.br/visoes-conservadoras-progressistas-das-animacoes-hollywoodianas/