Escrito en
OPINIÃO
el
“Mandei o vídeo [do Arnaldo Antunes] para minha mãe e ela ficou tocadíssima, ela queria votar nulo e eu estava com muita dificuldade de convencê-la a comparar os projetos e votar. Se eu pudesse fazer alguma coisa agora, seria ganhar os votos dos mais próximos. Se eu não puder ganhar o voto da minha mãe, como é que vou partir para o próximo? Não queria persuadi-la, mas fazer com que ela entenda a diferença entre os projetos, porque se ela conseguir entender essas diferenças, ela vai conseguir entender melhor quem eu sou, como eu penso, o que eu desejo, tem relação com a minha relação com ela – e não só com a grande política. Passei o vídeo para ela e agora foi ‘lá dentro’, a poesia é uma via que exploramos mal e que é poderosíssima”.
Em meio às perguntas sobre o que devemos fazer, recebi esse áudio do meu amigo Diego, que relatou uma experiência parecida com a que eu tive quando enviei esse mesmo vídeo para familiares que votariam no candidato da extrema direita. De fato, parece que algumas coisas nos escaparam: a primeira é a dificuldade de combater o fluxo de notícias falsas com as ferramentas tradicionais, visto que estamos tentando jogar um jogo em que as regras foram criadas para perdermos. Mas a poesia, por exemplo, foi capaz de romper esse bloqueio.
Se a disputa eleitoral está posta no campo moral e afetivo, estamos deixando de utilizar o que há de mais poderoso no campo dos afetos: a arte. Poesia, música, fotografia, teatro, são suportes discursivos que a atual extrema direita não alcança. A extrema direita não despreza a arte, ela teme sua capacidade de atravessamento, sobretudo no campo da micropolítica dos afetos. Talvez por isso artistas sejam tão estigmatizados e perseguidos pelos extremistas.
Na ditadura miliar, foi a arte que rompeu a censura e ajudou a construir formas alternativas de resistência – talvez tenhamos nos esquecido disso. Mas Arnaldo, com a violência delicada de seu poema, nos lembrou.
Ouça aqui a poesia de Arnaldo Antunes: