Pesquisa realizada pelas universidades de São Paulo (USP), Estadual Paulista (Unesp) e Federal do Pará (UFPA), com a participação de bancários da Caixa Econômica, aponta que “sempre ou quase sempre” falta ventilação adequada em aproximadamente 80% das agências do banco onde atuam os entrevistados. O estudo mostra ainda que nas unidades da Caixa “sempre ou quase sempre” há contato próximo entre trabalhadores e clientes, com menos de dois metros de distância, segundo relatam cerca de 85% dos empregados ouvidos no levantamento. Os dados correspondem à segunda fase de resultados preliminares do Dossiê Covid no Trabalho e abrangem o período de novembro de 2020 até o último mês de agosto.
“É uma realidade muito preocupante para os empregados e também para a população que frequenta as agências do banco, ainda mais considerando que a pandemia não acabou”, alerta o presidente da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa (Fenae), Sergio Takemoto. “O Brasil está, lamentavelmente, entre os países com os piores registros de covid: são quase 600 mil mortes até o momento, com cerca de 21,3 milhões de casos da doença e uma média de mais de 500 óbitos por dia”, observa Takemoto.
A pesquisadora Maria Maeno — doutora em Saúde Pública pela USP e uma das integrantes do grupo de especialistas que atuam na pesquisa — chama a atenção para um fato que pode elevar os riscos de contaminação nas agências bancárias. Conforme ela pontua, em épocas de calor a tendência é que se aumente o uso de ar-condicionado, o que demanda o fechamento de janelas e portas, resultando em ambientes ainda mais fechados, com menor circulação de ar.
“Considerando os dois fatores de maior risco identificados nas respostas dos empregados da Caixa [falta de ventilação adequada e contato próximo entre as pessoas], é imprescindível que os gestores do banco assegurem medidas de biossegurança nas agências, incluindo a correta manutenção dos aparelhos de ar-condicionado”, afirma a pesquisadora, ao reforçar a necessidade de manutenção do uso de máscara: “Uma vez que o principal meio de contágio pelo novo coronavírus é a via aérea”.
As recomendações de Maria Maeno são reforçadas pelo engenheiro e professor da USP Alberto Hernandez, especialista em sistemas de ventilação e ar-condicionado. Segundo ele, as agências bancárias precisam garantir a permanente manutenção dos aparelhos. “A covid exacerbou a necessidade de ambientes refrigerados terem sistemas adequados de filtragem e renovação do ar”, afirma. “Quanto maior a renovação, menor é a contaminação das pessoas por covid e outros vírus”, explica o especialista.
Hernandez, que atua no "Plano Nacional de Qualidade do Ar Interior” da Associação Brasileira de Ventilação e Ar-Condicionado (Abrava), também defende a continuidade do uso de máscara pela população: “É ela que vai diminuir os riscos de contágio; principalmente, se o vírus estiver circulando no ar”.
Contaminações — Os empregados da Caixa Econômica Federal participam do Dossiê Covid por meio de acordo de cooperação entre a Fenae e a Associação de Saúde Ambiental e Sustentabilidade (Asas). Até agosto, a pesquisa reuniu informações de 2.761 questionários válidos respondidos por bancários, metroviários, petroleiros, agentes funerários, profissionais da saúde, domésticas e outras categorias. Destes, 24% correspondem a formulários entregues por 652 trabalhadores da Caixa, em todas as regiões.
Do universo total de [652] empregados do banco público participantes do estudo, 198 (30%) responderam que contraíram covid-19, sendo que 128 (65%) acreditam que se infectaram no trabalho.
Adoecimento — Conforme ressalta a pesquisadora Maria Maeno, o principal objetivo do Dossiê é dar visibilidade à relação entre a atividade profissional e o adoecimento por contaminação pelo coronavírus. Em relação à Caixa Econômica, 158 empregados do banco que participam do estudo e contraíram covid — ou seja, quase 80% dos contaminados — não tiveram o reconhecimento da doença relacionada ao trabalho, com a emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT).
“O Dossiê vem fundamentando a tese de que a maioria absoluta dos bancários da Caixa se expuseram ao coronavírus e/ou foram infectados em virtude da atuação profissional”, afirma o presidente da Fenae. “Portanto, eles devem ter o trabalho reconhecido como causa presumida do adoecimento”, defende Sergio Takemoto, ao pontuar que os empregados do banco estão, desde o início da pandemia, na linha de frente do pagamento do auxílio emergencial e de outros benefícios sociais para mais da metade da população brasileira.
“A voz dos trabalhadores tem que ser ouvida por todos. Eles têm que dar a sua narrativa de como trabalharam e trabalham, em quais momentos eles perceberam os perigos da doença e quais foram as providências tomadas pelas empresas para que eles fossem protegidos”, emenda a pesquisadora Maria Maeno.
A pesquisa — O Dossiê Covid no Trabalho tem a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Unesp e o apoio do Ministério Público do Trabalho (MPT) de Campinas (SP). Além de produzir um amplo estudo sobre os trabalhadores e a pandemia nos seus diferentes aspectos, a pesquisa — em curso até quando durar a pandemia — também fornecerá dados e histórias para a produção de um documentário.
A expectativa dos pesquisadores é que as informações do Dossiê subsidiem a elaboração de ações de enfrentamento à doença e promoção da saúde do trabalhador, como também medidas em defesa dos direitos dos empregados. “Neste sentido, é fundamental a participação dos bancários na pesquisa para o desenvolvimento de projetos que possam melhorar as condições de trabalho no banco e reduzir os impactos da covid na vida dos trabalhadores da Caixa”, destaca o presidente da Fenae.