A juíza Sylvia Steiner, única brasileira que fez parte do Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia, na Holanda, durante o período de 2003 a 2016, disse em uma entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo que “há prova abundante” contra o presidente Jair Bolsonaro no caso da condução criminosa dada à pandemia da Covid-19 no país.
Sylvia faz parte de um grupo de juristas que encaminhou à CPI do Genocídio, instalada no Senado, um parecer com todos os crimes cometidos pelo presidente brasileiro até agora em relação ao tema. De acordo com o documento, Bolsonaro cometeu inúmeros crimes de responsabilidade, crime de causar epidemia e crime de incitação ao desrespeito a medidas sanitárias.
O relatório final da CPI deve ser encaminhado ao TPI, mas segundo a magistrada que atuou em Haia, uma condenação de Bolsonaro lá dependeria de uma interpretação favorável em relação à causa por parte do novo procurador da corte, o britânico Karim Ahmad Khan, cujo perfil político ainda é uma incógnita.
Em relação às três denúncias contra Bolsonaro que já foram encaminhadas ao Tribunal Penal Internacional, Sylvia explica que todas foram por má gestão na pandemia, o que configura uma acusação menos grave do que as que agora pairam sobre o chefe de Estado brasileiro, que para muitos juristas agiu deliberadamente (de forma proposital) para ampliar a contaminação pelo Covid-19 no país.
“O que nós vimos com essa documentação é que houve realmente um projeto, uma política propositada de gerar aquilo que vulgarmente se chama de imunidade de rebanho. Sendo uma política, é um elemento de contexto de crime contra a humanidade. A grande diferença é que, depois dessa análise, percebe-se que não era simplesmente ignorância, incompetência e falta de conhecimento. Foi a implementação de uma política de que uma suposta infecção da população geraria um resultado positivo. Isso é uma política, um ataque. Não se usa uma população como cobaia de um teste; isso, em tese, é um crime contra a humanidade”, disse a juíza.
A ex-integrante do TPI afirmou também na entrevista que o material que já existe contra Bolsonaro deveria ser o suficiente para que ele fosse removido da Presidência da República num processo de impeachment, mas que isso não ocorre por conta do modelo legal adotado no Brasil, que deixa unicamente nas mãos do presidente da Câmara dos Deputados a decisão de dar início aos trâmites para a remoção. Sylvia criticou fortemente as regras em vigor por aqui.
“Alio-me ao que o professor Miguel Reale Jr. falou. Me parece que tem de ser modificada urgentemente a legislação que deixa esse juízo de conveniência e oportunidade exclusivamente na mão do presidente da Câmara. Isso não pode ser. Esse juízo político preliminar de se há clima político deveria ser feito pelo colegiado da Câmara dos Deputados, por uma maioria simples que fosse. Deixar ao bel-prazer do presidente da Câmara eu acho um verdadeiro absurdo”, opinou.