A Agapan (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural) recusou ontem (9) uma vaga, depois de ter sido “sorteada”, no Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). De acordo com um texto divulgado sob o título “Carta aos Brasileiros”, que explica as razões pelas quais a entidade não aceitou a posição conferida a ela, é inaceitável o modelo adotado pelo atual governo federal, que instituiu, conforme o Diário Oficial da União do dia 3 deste mês, um sorteio via Loteria Federal para a ocupação destes assentos.
A crítica aponta para uma deslegitimação de representantes selecionados por esse método que, segundo a Agapan, apenas enfraquece a representatividade do setor ambiental, que tem como real interesse a proteção do patrimônio ambiental brasileiro. Confira a seguir a íntegra da “Carta aos Brasileiros”, encaminhada por e-mail ao Ministério do Meio Ambiente, e posteriormente divulgada à sociedade:
“Carta aos Brasileiros”
Nos dirigimos ao povo brasileiro, em resposta à “oportunidade” de participarmos no Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), para declarar que a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), pioneira na luta ambiental brasileira, que em 27 de abril de 2021 completará 50 anos de luta e atuação 100% voluntária, declara que não viveu, nesse meio século de ativismo ininterrupto, nenhum momento tão negativo para o meio ambiente e para a população de nosso país quanto o atual.
Muito nos orgulharia voltar a representar e defender os interesses de nossa população no Conama, o que já fizemos em tantas outras oportunidades. Sempre representamos as entidades ambientalistas de forma legítima, escolhidos por nossos pares, como parte indissociável dessa representação participativa e democrática. Lutamos no Conama pela criação de critérios para entidades serem consideradas verdadeiramente ambientalistas, pela ampliação de nossa representação e tantas outras conquistas sociais. Não desejamos nada senão a plena qualidade da vida do planeta. Vida, esse lindo tecido de bondades que une todos os seres em um só processo complementar, interdependente e insubstituível que constitui o que chamamos de Gaia, o Planeta Vivo. Não temos preferências nem protegidos. Não buscamos dinheiro nem outra forma de poder. Nosso combustível é o bem viver de todos, não apenas dos humanos, porque temos claro que precisamos uns dos outros para nossa realização. A vida no planeta é possível através da interdependência colaborativa de todos.
Nunca aceitaríamos a benesse de um governo ou da “sorte” para assumirmos a representação de nossos pares. Quem acha que isso é possível, desconhece e desqualifica a democracia e a participação popular.
Diante da incômoda situação e do curto prazo imposto para a definição de aceitação da vaga, procurarmos a melhor forma de tratar e conduzir a questão, no intuito de contribuir com a reconstrução de uma sociedade digna e justa para todos.
Não aceitamos um antiministro, que declarou em reunião ministerial que quer “deixar a boiada passar”, isto é, liberar qualquer projeto sem nenhum critério ambiental tecnicamente sério. Não porque ele não tenha o direito de se recuperar e mudar, mas porque tem continuado a agir de forma criminosa, que o mundo ainda irá julgar, defendendo os interesses mais escusos e especulativos que já ousaram se manifestar abertamente neste país.
Não condenamos esse que ocupa o cargo de ministro, acusamos o seu superior, que, tendo-lhe investido ao cargo, demonstra constantemente concordância e satisfação com os malfeitos de seu subordinado. Esse que ocupa o cargo de Presidente do país não é um verdadeiro presidente. Embora tenha sido eleito, não tem postura digna de estadista.
Temos um presidente que envergonha a nossa nação diante do mundo, e, ao negar-se combater de forma imediata as recentes queimadas na Amazônia e no Pantanal, por exemplo, ao perseguir e não dar amparo legal às comunidades indígenas e ribeirinhas afetadas por estes impactos, bem como promover a perseguição e a extinção de cargos públicos na área de proteção ambiental com frequentes ameaças de extinção de órgãos ambientais, como o IBAMA e ICMBio, demonstra seu caráter destrutivo e, com isso, justifica decretar o enfraquecimento que busca na representatividade de entidades ambientalistas no Conama.
A legislação brasileira na área ambiental é uma referência mundial e condizente com a rica biodiversidade do nosso país, fruto de décadas de construção coletiva da sociedade civil organizada. Neste governo, houve um desmanche na legislação ambiental para “deixar passar a boiada” do ministro Salles, para beneficiar o setor especulativo da área agrária, mineradora, industrial e imobiliária.
Acreditamos nas instituições públicas e privadas brasileiras com as quais nunca deixamos de dialogar nesses 50 anos de atuação. Consideramos que em um regime democrático, do qual somos incansáveis defensores, é o mais adequado para o Brasil, sobretudo ao povo brasileiro que, quando bem informado, de forma equilibrada e decente, sabe como ninguém escolher o seu próprio destino e tem sempre no coração muita solidariedade.
Por essas e outras tantas razões, com coração e mente focados na proteção ambiental para o bem viver de todos, declaramos aos brasileiros e brasileiras que não aceitamos a vaga atribuída por sorteio. Da mesma forma, ressaltamos que é nossa determinação continuar firmes na luta ambiental, mas sempre tendo o povo brasileiro como real determinador e legitimador de nossas ações.
Assim, através desta carta, nos dirigimos, mais uma vez, aos brasileiros.
Agapan - A Vida Sempre em Primeiro Lugar!
Porto Alegre, 09 de fevereiro de 2021