A Deutsche Welle Brasil, filial brasileira da agência de notícias alemã que é uma das mais tradicionais do mundo, anunciou nesta sexta-feira (19) que deixará de publicar a coluna de João Paulo Cuenca, o J.P. Cuenca, e acusou o escritor brasileiro de "discurso de ódio e incitação à violência".
Cuenca, que adaptou uma frase clássica do século XVIII para criticar a família Bolsonaro, em seu perfil pessoal no Twitter, repudia as acusações e vai processar a DW Brasil, que teria cedido a pressão de bolsonaristas.
"O brasileiro só será livre quando o último Bolsonaro for enforcado nas tripas do último pastor da Igreja Universal", escreveu Cuenca, em seu perfil no Twitter. A mensagem despertou uma onda de ataques de bolsonaristas contra ele na rede social e, segundo o escritor, até ameaças de morte.
Após a repercussão, Cuenca esclareceu que, para fins de sátira crítica, adaptou a frase "o homem só será livre quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre", dita pelo sacerdote católico e filósofo francês Jean Meslier, em 1761. A mensagem é frequentemente atribuída ao iluminista Voltaire e já ganhou diferentes adaptações ao longo da história para refletir outros períodos de crise política.
O escritor também chegou a publicar na rede social que está acostumado com campanhas pela sua demissão feitas por alvos de suas críticas, o que teria ocorrido em todos os lugares para os quais colaborou, mas destacou que nunca viu um veículo de comunicação ceder "de forma tão rápida e assustada".
Ele disse ainda que ofereceu para emitir uma nota sobre o caso e esclarecer as origens da frase em uma próxima coluna, mas não houve tempo. A DW Brasil atendeu os bolsonaristas e comunicou a decisão, também no Twitter.
"A Deutsche Welle comunica que deixa de publicar a coluna quinzenal Periscópio, de J.P. Cuenca, após o colunista ter escrito, em perfil privado nas redes sociais, mensagem que contraria os nossos valores", escreveu a DW.
"A Deutsche Welle repudia, naturalmente, qualquer tipo de discurso de ódio e incitação à violência. O direito universal à liberdade de imprensa e de expressão continua sendo defendido, evidentemente, mas ele não se aplica no caso de tais declarações", completou.
Cuenca se disse surpreso com o comunicado, que classificou como "mentiroso, covarde e difamatório". "É desconcertante ver um veículo alemão caindo no jogo persecutório de elementos fascistas no Brasil e me perguntar se ele teria feito a mesma coisa em outros momentos da história da Alemanha", escreveu.
"Não aceito ser e caluniado e difamado, de forma alguma, pela imprensa supostamente livre e democrática que deveria me apoiar contra um linchamento virtual de origem fascista que contou com dezenas de ameaças de morte recebidas via inbox nas últimas 72 horas O meu tweet em questão não contém discurso 'de ódio e incitação à violência' e qualquer um com o mínimo de leitura é capaz de perceber isso", completou o escritor, afirmando ainda que tomará as "medidas cabíveis" e levará o caso "às últimas consequências", continuou o escritor
"Agindo dessa forma covarde, a DW Brasil manda o pior tipo de recado a essas milícias fascistas: que elas podem empreender coação e censura no Brasil - e, pior, contar com o apoio da imprensa pública alemã para isso", destacou Cuenca, em outro trecho de sua resposta ao caso.
A decisão da DW Brasil de suspender a coluna foi comemorada por bolsonaristas nas redes sociais e caso foi compartilhado com entusiasmo pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). "Cuenca desrespeita presidente e é demitido da DW Brasil", escreveu Eduardo, no Facebook.
Além das ameaças de apoiadores do presidente, Cuenca também recebeu dezenas de manifestações de solidariedade de jornalistas e intelectuais, que condenaram a postura da DW Brasil.
"Leitura superficial, pressão externa, falta de referências... Nada vejo que justifique o brusco , e público, rompimento da @dw_brasil com @jpcuenca que, num post, parafraseou citação inúmeras vezes parafraseada", escreveu o jornalista Marcelo Lins.
"Absurda interpretação e pior ainda a decisão da @dw_brasil com o escritor @jpcuenca", disse o escritor Xico Sá. "Todo apoio e solidariedade ao autor", completou.
"Demitir jornalistas ou colunistas sob os urros da turba bolsonara sempre será fazer o jogo do fascismo", resumiu o jornalista Paulo Werneck.