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Antônio Fagundes é um grande ator. Repetir isto é chover no molhado. Mas não deixa de ser um grande prazer vê-lo em seus papéis, mesmo nas novelas de TV, com as suas narrativas um tanto redundantes.
Atualmente, ele está em “Bom Sucesso”, onde faz o papel de Alberto Prado Monteiro, um editor consagrado, apaixonado por literatura e com os dias contados, em razão de um câncer.
Seu personagem nutre uma paixão platônica por Paloma (Grazi Massafera), uma costureira moradora do bairro de Bonsucesso, no Rio de Janeiro. Os dois se aproximaram por conta de uma troca de exames – a morte insinuada seria dela e não dele – e, a partir daí, após superar as resistências da família, ela passou a trabalhar em sua casa, como sua acompanhante.
Detalhes da trama do folhetim de Rosana Svartman e Paulo Halm acabam por aqui. O interessante mesmo da novela é o seu pano de fundo. Entre romances açucarados e esquetes humorísticos próprios do horário, no pano de fundo de tudo, está a literatura. O apaixonado Alberto, sob o comando do impecável Fagundes, lê trechos de clássicos, enquanto Paloma os imagina em seus sonhos.
Aqui abro um parêntese para lembrar que cresci ouvindo meu pai declamar poemas e textos de maneira, até onde me lembro – e eu lembro muito bem – entusiasmada e excelente. E isso foi fundamental na minha vida e formação.
A voz de Fagundes declamando Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade, trechos do Dom Quixote, 'O velho e o mar', de Ernest Hemingway, 'Metamorfose', de Franz Kafka e 'Dom Casmurro', de Machado de Assis nos faz sonhar desmedidamente com outra televisão possível.
O ator é vibrante, certeiro. Pontua os textos de maneira magnífica, sabe interpretar, dar a dimensão exata a cada personagem. E seus comentários pós leitura são muito bons também. Fagundes nos leva, com o Seu Alberto, a um outro mundo dentro deste que, quase invariavelmente, tem tão pouco a acrescentar a não ser diversão pura e simples.
Paloma, a bela Grazi, se encanta com os romances, suas personagens e produz roupas inspiradas nelas. Leva seu entusiasmo para casa, lê para os filhos e contagia a família e a coisa segue numa ciranda sem fim. Na escola do bairro, os meninos fazem disputa de Slam e o poder da palavra se espalha entre alguns deles que, só como nos folhetins e nas exceções, se tornarão, imagino, escritores de sucesso.
Quando ouvimos dizer que canais de TV são concessões públicas, muitas vezes não nos damos conta da extensão disso. O lixo escorre da programação, sobretudo das abertas, praticamente durante 24 horas por dia. Da manhã à noite somos todos, incluindo aí nossas crianças e jovens em fase de formação, bombardeados com bobagens, informações ralas, entretenimento fácil e desinteligente.
Entre eles, enlatados importados de baixa qualidade, programas de auditório da pior espécie, onde, invariavelmente, a diversão principal é humilhar o próximo entre diversas outras que dispensam comentários.
Ouvir, portanto, Antônio Fagundes declamar Lewis Carroll ou L. Frank Baum com tamanha beleza, ênfase e entusiasmo, se não nos enche de esperança, ao menos nos traz um mínimo de alento.