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[caption id="attachment_142673" align="alignnone" width="700"] Sérgio Etchegoyen - Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil[/caption]
Por Rodrigo Lentz*
A decretação da Força-Tarefa de Inteligência “para o enfrentamento ao crime organizado no Brasil”, decreto n. 9.527 de 15 de outubro de 2018, gerou apreensão para a democracia, especialmente com associações às medidas de exceção da última ditadura: do Ato Institucional n° 1 ao n° 5, o mais violento. Mirando para os termos instituídos, tais significados podem ser um exagero.
A principal razão é porque a integração dos setores de inteligência para exercer o papel de polícia do Estado contra o chamado “crime organizado” é uma das principais reinvindicações de especialistas em segurança pública. No caso do crime organizado, atende a diretriz 6.9 da Política Nacional de Inteligência (Decreto n. 8.793, de junho de 2016). Apesar de sequer citar o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e as polícias militares e civis dos estados, que pouco ou nada se comunicam, prevê a articulação e o intercâmbio de informações de inteligência com o Conselho Nacional de Segurança Pública (§1º, do art. 3º), com seus termos a serem definidos por uma Norma Geral de Ação.
Portanto, em situações normais de temperatura e pressão, o decreto está em sintonia com os debates nacionais acerca do tema. Ocorre, como todos sabemos, vivemos uma ebulição política de graves cisões entre os civis e a uma ascendência dos militares na política. De fato, o que o decreto faz é aumentar, de forma significativa, o poder de polícia e, por consequência, o poder político do Gabinete de Segurança Institucional e de seu titular, Sérgio Etchegoyen. Não por acaso, um General do Exército. Vale lembrar que, desde sua nomeação, já havia ganhado poder ímpar com a subordinação da ABIN aos seus comandos.
A coincidência do prazo de nomeação com o resultado das eleições pode ser apenas cósmica. Porém, sabe-se que Etchegoyen mantém relações estreitas com a candidatura militar à Presidência e, num eventual governo Bolsonaro, deve permanecer nas suas funções. Com exceção dos Jogos Olímpicos e da Copa do Mundo, a grande novidade é normalizar a integração dos setores das Forças Armadas na defesa interna ou, no linguajar dos militares, na Segurança Interna. Logo, a Força-Tarefa toma contornos, ainda que não declarados, de Segurança Nacional.
Caso Bolsonaro seja eleito, veremos, uma vez cumprido o programa de governo e os discursos de campanha, os principais atos de reinvindicação política dos movimentos sociais do MST e do MTST (e de outros grupos urbanos) tipificados como atos de terrorismo. E não será difícil, pois já existe legislação pronta elaborada em 2016, no governo Dilma, bastando apenas modificá-la por maioria simples no Congresso. De outro lado, membros de diversos partidos políticos são qualificados como organizações criminosas no âmbito da corrupção. Ambos grupos, por exemplo, podem ser facilmente enquadrados nas ameaças 6.10 (Corrupção) e 6.11 (Estado Democrático de Direito) à “integridade da sociedade e do Estado e a segurança nacional” dispostas na Política Nacional de Inteligência (aliás, conceito típico da ideologia nacional autoritária da instituição de Etchegoyen).
Uma disposição do decreto prevê que a Força-Tarefa poderá “convidar representantes de outros órgãos e entidades da administração pública federal cujas participações sejam consideradas indispensáveis” (§2º, art. 2). Nada impede que, cada órgão da administração federal, crie seu órgão de inteligência, visando atender ao convite para integrar a Força-Tarefa. Ou, como nos velhos tempos, tenha agentes disfarçados de servidores.
Por fim, ela não tem prazo de duração, podendo ir até o presidente da República, que tem menos de três meses de mandato, a extinga. Até quando atuará? E quais os mecanismos de controle democrático terá? Está com cor e cheiro de uma medida do próximo governo.
Nesse sentido, acredito que, se podemos fazer (e devemos) alguma aproximação com nossa última ditadura, ela seria com a volta do Sistema Nacional de Informações, o SNI. Ambos estão subordinados à Presidência, destinados para assuntos atinentes à Segurança Nacional, dispostos a subsidiar o chefe do executivo, no limiar de governos com características de ruptura da ordem política estabelecida e no tubo da terceira onda anticomunista no Brasil. No caso do SNI, seu chefe devia ser aprovado pelo Congresso. Agora, nem o Congresso está envolvido.
Pela conjuntura política que vivemos, o decreto assume uma normalidade institucional para um prenúncio de repressão política da forte oposição que anuncia. Ainda que tarde, é preciso reconhecer que nossas Forças Armadas e nosso sistema judicial se partidarizaram: militam abertamente por um partido e por uma candidatura. Especialmente os militares aceitaram a cooptação por um setor dos civis e, por seus próprios interesses ainda desconhecidos, decidiram intervir como moderadores do sistema político. Estamos sob uma tempestade em que as eleições, se vencidas pelo campo democrático, poderão servir de um abrigo temporário. Porque o inverno autoritário, ao que tudo indica, será de longas tormentas.
*Rodrigo Lentz é advogado, ex-coordenador da Comissão de Anistia e doutorando em Ciência Política da UNB