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Em ano eleitoral e com as temperaturas mais baixas da última década, o governo municipal enfrenta polêmicas, má interpretação, descontextualização e quebra de protocolo. Buscando solucionar a crise de confiança no trato com pessoas em situação de rua, Haddad baixou decreto e fez promessas importantes, mas dá de cara com má vontade. Afinal, o que é fato e o que não é nessa história?
Por Matheus Moreira
Com semanas de baixas temperaturas, acumulam-se denúncias contra a Guarda Civil Metropolitana da capital paulista. Há evidências que os guardas civis têm apreendido objetos pessoais e, ainda, cobertores de dependentes químicos e pessoas em situação de rua. Até agora, cinco mortes podem estar ligadas ao intenso frio em São Paulo nas últimas duas semanas.
Após ser acusada por moradores de rua da apreensão de seus papelões e colchões, a GCM confirmou a ação e informou que o ocorrido tinha como objetivo evitar o que chamaram de "privatização do espaço público". Na manhã da última quarta-feira (15), o prefeito Fernando Haddad disse que a ação é uma estratégia para evitar a “refavelização” das praças públicas da cidade.
Aproveitando-se da repercussão negativa da fala de Haddad, o governo do Estado de São Paulo, capitaneado por Geraldo Alckmin, distribuiu, na última terça-feira (14), colchões, lençóis, cobertores e cestas básicas. A ação, no entanto, foi tímida e focou na capital do estado. Apenas 10 homens participaram da ação, enquanto a prefeitura conta com mais de 500 funcionários voltados às estratégias de acolhimento de pessoas em situação de rua.
Assistência Social
A cidade de São Paulo conta com cerca de 10 mil vagas fixas e prontas para serem ocupadas por pessoas em situação de rua. De acordo com a secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social, chefiada por Luciana Temer, desde 16 de maio, com a Operação Baixas Temperaturas em curso, a secretaria registrou mais de 240 mil hospedagens.
No último fim de semana, de acordo com a assessoria da pasta, a secretaria acolheu cerca de 11 mil pessoas em situação de rua na região sul da cidade. O último fim de semana registrou temperaturas próximas e iguais a 0 grau.
Além das 10 mil vagas fixas, foram abertas outras 1400 vagas de emergência, de acordo com a SMADS, e ainda completa: “Há também a possibilidade da abertura de alojamentos de emergência caso as 11.400 vagas ofertadas forem insuficientes”.
Ao serem acolhidos, moradoras e moradores de rua são designados a camas com cobertores e travesseiros e recebem alimentação e utensílios de higiene pessoal, bem como os é oferecido local para banho.
Controvérsia
De acordo com a secretaria, não houve esgotamento de vagas que motivasse demanda para a abertura de mais vagas emergenciais. Entretanto, o padre Júlio Lancelotti, assíduo e antigo frequentador das ruas e apoiador dessa população, critica o silêncio do órgão e é contundente.
”Estão sem argumentos. O papel da secretaria é abrir novos abrigos emergenciais e dar respostas, eles não fazem isso”, criticou.
Na manhã dessa última quarta-feira (15), sobre a retirada de colchões e papelões de moradores de rua, o prefeito Haddad afirmou que a ação faz parte de um conjunto de medidas para evitar a “refavelização” de praças públicas.
“A população de rua não faz favelização, tenta se proteger tendo alguma cobertura, o próprio Haddad e o comandante da GCM dizerem para tirar lençóis e colchões é um absurdo, essa população não tem lençol”, rebateu Lancelotti.
Posicionamento Oficial
Por e-mail, a prefeitura apontou que há determinação do prefeito para que a GCM não recolha qualquer elemento de proteção ao frio de pessoas em situação de rua. A prefeitura reiterou os dados da secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social e afirmou que procedimentos disciplinares serão abertos “diante de qualquer denúncia de abuso da GCM”.
Para o Padre, responsável pela Pastoral do Povo de Rua, as repostas do prefeito e do comandante às acusações foram um erro do ponto de vista político.
"Infelizes, fracas e inadequadas”, classificou o religioso.
Rua ou Albergue
Muito se especula sobre os motivos pelos quais pessoas em situação de rua não aceitam ir para os abrigos. Nesse ponto, os dados da prefeitura e da secretaria de Assistência e Desenvolvimento batem: não há excesso de vagas nos albergues. Mas por que?
Para o Padre Júlio Lancellotti a resposta está posta.
“A população de rua busca acolhimento e não recolhimento. Eles são um número no abrigo, dormindo em camas que não escolheram e comendo qualquer coisa que dão para comer. Tem que ser mais humano e menos pragmático, institucionalizado”.
Durante a entrevista coletiva, nesta quinta-feira (16), Haddad anunciou novas medidas que visam alcançar a população de rua que não tem interesse em ir para abrigos. Serão instaladas 4 tendas com 250 vagas cada na região central do município. As tendas terão horários flexíveis, atendimento médico e canil para a alocação dos cachorros de pessoas em situação de rua. “As tendas serão instaladas no fim da próxima semana, quando São Paulo deve receber uma nova frente fria”, concluiu Haddad.
Para o secretário da Saúde, Alexandre Padilha, as tendas “são alternativas para quem não quer o centro de acolhida, são alternativas para quem quer trazer os seus cachorros".
"Temos o planejamento de até mil vagas para que haja maior privacidade e melhor atendimento possível. A tenda aproxima essas pessoas dos profissionais", completou o ex-ministro.
Luciana Temer reiterou a fala do secretário de Saúde e apontou que o principal esforço da gestão nesse caso é o do convencimento, para que pessoas em situação de rua concordem em ir para os abrigos. A primeira versão do decreto deve ser publicada ainda nesse sábado (18).
Fora de contexto
O prefeito pediu desculpas por suas palavras e pelo mal-entendido, ainda em coletiva, sobre a sua fala amplamente repercutida nos veículos de imprensa. De acordo Fernando Haddad, ele foi mal interpretado pela repórter e teve sua fala tirada de contexto. Em tom de tranquilidade, afirmou que entende a pressa dos repórteres em dar a notícia e que isso pode ter levado ao ocorrido.
“Estamos em ano de eleição, os ânimos ficam acirrados e todo mundo quer tirar uma casquinha”, disse.
O prefeito apontou ainda que as mortes ocorridas nas últimas semanas (já contabilizam 5) não tinham qualquer ligação com a ação da Guarda Civil Municipal e que os casos foram apurados e nenhuma das vítimas foi abordada por guardas. De acordo com Haddad, uma das cinco pessoas que vieram a óbito sequer teria morrido por doença e a investigação do caso em Cidade Tiradentes aponta que “pode ter sido homicídio”.
Ainda sobre denúncias ligadas à Guarda Civil Municipal, o prefeito foi contundente.
“ GCM não trabalha de noite, muito menos de madrugada, qualquer guarda fardado atuando nesse horário está fora do protocolo”.
Decreto
Felipe de Paula, da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da cidade, a pedido de Haddad, anunciou um novo decreto que tem como objetivo esclarecer e rearranjar as diretrizes das ações da GCM, bem como a de outros servidores, como os da secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social.
Entre as diretrizes de que o decreto dá conta está a maior transparência dos órgãos envolvidos, principalmente das subprefeituras, o aviso prévio sobre ações da guarda, defesa dos direitos humanos e dos bens pessoais e de trabalho das pessoas em situação de rua e ainda o monitoramento das ações por integrantes do Pop Rua, comitê formado por membros eleitos para dialogarem diretamente com a prefeitura.
De Braços Abertos
Além do decreto e das novas diretrizes, Fernando Haddad aproveitou a coletiva para anunciar a ampliação do programa De Braços Abertos, que auxilia dependentes químicos a retornarem para o trabalho e para a sociedade com dignidade.
De acordo com a promessa, o número de atendidos pelo programa deve chegar a quase mil pessoas até o fim desse ano, totalizando quase 500 novas vagas. O prefeito completou dizendo que, agora, além da cracolândia, outras regiões da cidade também receberão ações do projeto.
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil