Dos 23 ministros de Temer, nove são citados em denúncias da Lava Jato. O próprio Temer foi alvo de várias citações, acusado de ter recebido propinas. O movimento agora consiste em abafar as investigações e construir uma aparência de moralidade e de normalidade. O juiz Moro, depois de ter rasgado a Constituição, depois de ter cometido uma série de arbitrariedades, depois de ter sido parcial e antirrepublicano, agora pede um “apaziguamento” do Brasil. A verdade é que a Operação Lava Jato agora funcionará a fogo baixo até sobrarem apenas cinzas. Nem a mídia, nem Moro, nem ninguém fala mais de que se trata de uma operação “Mãos Limpas” brasileira. Os tucanos e Aécio Neves continuam inimputáveis e com salvo conduto: Gilmar Mendes devolveu o pedido de investigação de Aécio ao procurador Rodrigo Janot. O Ministério Público, por sua vez, perdeu a verve e o elã da cruzada moral e salvacionista que vinha promovendo. A paz dos hipócritas e dos cínicos está decretada.
O ministério Temer é a expressão da mentalidade machista e escravocrata que predomina na elite brasileira. Ao nomear apenas homens brancos que cheiram o mofo da corrupção e dos vícios da velha política, Temer pratica uma violência e uma discriminação contra a principal força emergente do século XXI: as mulheres. São elas que estão na vanguarda da luta por igualdade e justiça e, por consequência, por humanidade e civilidade. Ao excluir os negros simboliza a exclusão e o preconceito contra a maioria negra brasileira e contra os pobres. Em regra, ser negro no Brasil é ser pobre e ser pobre é ser negro. Ser negro e pobre é viver em risco, situação que se agravará sob esse governo de mentalidade machista e escravocrata. Em síntese, o governo Temer é um governo contra as energias sociais novas do Brasil, contra a pluralidade, a diversidade e multiculturalidade. É um governo contra um futuro humano e civilizado do Brasil.
É também um governo contra a cultura e contra o social. O Ministério da Cultura foi deletado. Os programas sociais ficaram sem um abrigo ministerial. Temer e seus ministros dizem, no imediato, que preservarão os programas sociais, mas já agem para atacá-los e desmantelá-los. Já agem para atacar direitos sociais e trabalhistas, direitos civis, direitos de minorias e direitos de liberdade, como sinalizou o novo ministro da Justiça indicando que desencadeará uma onda repressiva. O condomínio de corruptos que assaltou o poder agora fala em aumentar impostos e em responsabilidade fiscal. Esse condomínio foi radicalmente contra o aumento de impostos antes do golpe e apoiou todas as pautas-bomba de Eduardo Cunha, que elevaram o gasto público, inviabilizando o governo. Esse governo jogará o peso do ajuste fiscal nos ombros dos trabalhadores, pois na assembleia de condôminos golpistas foi acertado que a Fiesp não pagaria o pato. Esse governo exasperará o uso do Estado como instrumento de negócios privados e deprimirá a sua função de promotor do bem público comum e da universalização de direitos.
Desorientação das esquerdas
Afastada Dilma da presidência da República, as esquerdas vêm dando sinais de desorientação e de falta de comando. Se é verdade que cada partido, cada movimento, cada organização tem suas pautas específicas, é preciso uma palavra de ordem que mantenha os progressistas, os democratas, os republicanos, as esquerdas e os movimentos sociais e populares unidos. O que esses partidos e movimentos defenderam e sustentam é que o governo Temer é fruto de um golpe e que se trata de um governo ilegítimo. Ora, se esta é a verdade, não resta outra saída a não ser organizar um grande movimento político e social, uma grande frente, em torno da palavra de ordem “fora Temer”. Esta é a palavra de ordem da unidade. Para além disso, cabe a cada partido e a cada organização defender sua visão específica: diretas já, volta de Dilma, Constituinte, plebiscito etc.
Se o governo Temer é golpista e ilegítimo, nenhuma negociação poderá ser tabulada com ele. A CUT não poderá sentar-se com os ministros de Temer para negociar uma reforma da Previdência. As bancadas de esquerda e progressistas no Congresso deverão dar-lhe combate permanente. Os movimentos sociais deverão ocupar as ruas exigindo a renúncia de Temer. Greves gerais deverão ser pensadas.
Caso a agenda do “fora Temer” não for levada adiante, a esquerda e os progressistas sairão ainda mais derrotados e mais desmoralizados desse processo do que já foram. O PT está no epicentro deste problema. Comandou uma política de conciliação que fracassou. Sustentou um governo incompetente. Adotou as mesmas práticas de financiamento de campanha que os partidos da elite sempre usaram. Não se desculpou com a sociedade, não reagiu com vigor ao golpe.
Foram o PSol, o PC do B e os movimentos sociais que combateram o golpe com mais vigor e com mais coragem. O PT precisa dizer se pensará apenas nas eleições municipais e em 2018 ou se se colocará no leito da luta em curso em defesa da democracia, dos direitos e contra o conservadorismo e a repressão. Claro que as eleições não podem ser negligenciadas. Mas o fato é que existe uma guerra pendente, várias batalhas a serem travadas. Existe também uma versão dos fatos, uma leitura da história em disputa. Se o PT não fizer parte desta guerra, poderá ver-se sozinho em 2018. E o mais grave, será condenado pela história.
Mas se o PT não travar esta guerra, os progressistas, os movimentos sociais e os outros partidos de esquerda precisarão travá-la. É deste combate que se decidirá se o futuro do Brasil será mais ou menos pior do que é hoje. É deste combate que se dirá se a sociedade será mais ou menos justa e igualitária, com mais ou menos direitos, com mais ou menos bem estar e com mais ou menos dignidade.
Aldo Fornazieri é professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
Foto de capa: Paulo Pinto / Agência PT