Escrito en
NOTÍCIAS
el
Um retorno à dicotomia bons contra maus, justo contra injusto, acaba sempre levando à necessidade do uso da força na hora da definição, o que pode acabar se constituindo num tiro no pé. A simplificação informativa pode até resolver impasses políticos mas não acaba com ressentimentos e retaliações
Por Carlos Castilho, no Observatório da Imprensa
Se observarmos as crises do suicídio de Getúlio, da renúncia de Jânio, do golpe militar de 1964, do impeachment de Collor e agora da provocada pela Lava Jato, é possível identificar uma importante evolução do papel da imprensa em todos estes momentos de convulsão política no país. De ator secundário e passivo, ela passou gradualmente a um protagonismo central, onde as fronteiras entre o papel de informador e de indutor de opiniões se tornaram difusas.
O crescimento da importância da imprensa no desenrolar de processos de mudança de governo ocorreu simultaneamente e em sentido inverso à redução do papel das Forças Armadas no desenlace de impasses políticos. Se os militares foram o fator decisivo nas crises de 1954, 1961 e 1964, na de 1992 e agora no caso Lava Jato eles passaram a um discretíssimo segundo plano.
Se por um lado o poder do exército, marinha e aeronáutica perderam relevância como fator definidor de crises, por outro aumentou o papel da opinião pública alimentada e condicionada pela imprensa. As estratégias de informação passaram ao primeiro plano enquanto o uso da força deixou de ser ostensivo nas ruas para se tornar representado em fotos e vídeos das ações da Polícia Federal. Seus agentes, como mostram imagens do “japonês da Federal”, usam uniformes de combate para escoltar políticos, empresários, lobistas e doleiros cuja aparência não tem nada de beligerante. Na prática é uma informação visual que está sendo transmitida ao telespectador ou leitor com o objetivo de empoderar simpatizantes e atemorizar suspeitos de corrupção.
O fato da informação ter se tornado mais eficiente do que as armas num contexto de crise política, sinaliza uma evolução de processos simplistas, do tipo os bons contra os maus, para outros muito mais complexos porque lidam com um número muito maior de variáveis. Até a virada do século a informação estava concentrada e controlável. Hoje existem as redes sociais onde circulam versões, ddos e fatos de todos os tipos, o que torna a avaliação de situações, processos e personagens uma ação que pode ser extremamente complexa.
Um retorno à dicotomia bons contra maus, justo contra injusto, acaba sempre levando à necessidade do uso da força na hora da definição, o que pode acabar se constituindo num tiro no pé. A simplificação informativa pode até resolver impasses políticos mas não acaba com ressentimentos e retaliações.
A ascensão da informação como fator preponderante em crises politicas exige uma mudança radical nos comportamentos dos diversos protagonistas institucionais. Agora são os neurônios e o conhecimento que definem o desenlace, o que obriga os atores a usar mais a inteligência do que os músculos e a força bruta.
Na atual crise por que passa o país, a troika Ministério Público, Polícia Federal e a grande imprensa (três jornais, três revistas e a Rede Globo) souberam usar a inteligência ao montar uma estratégia de informação e comunicação que foi meticulosamente seguida ao longo dos últimos 20 meses e que logrou reverter um quadro politico que parecia consolidado no desfecho das eleições de 2014.
O governo da presidente Dilma Rousseff e os lideres do Partido dos Trabalhadores adotaram uma atitude defensiva sem contrapor outra estratégia de informação , no que resultou a perda do apoio de setores consideráveis da classe media , principalmente nos grandes centros urbanos do país.
O novo roteiro para desestabilizar governos jjá foi aplicado noutros países latino-americanos como o Paraguai em 2012, e usa intensivamente a informação e da imprensa para impactar a opinião pública com denúncias de corrupção tanto institucional com pessoal, de políticos, ministros, governantes e dirigentes de empresas estatais e privadas. Cada suspeito interrogado retroalimenta o fluxo de denúncias por meio do instituto da delação premiada, o que fornece mais material para a geração da síndrome do escândalo por meio de manchetes, fotos, gravações e vídeos.
A corrupção está entranhada no aparelho estatal e no sistema político da maioria dos países latino-americanos, inclusive o Brasil, há muito tempo. Ela está associada ao financiamento de campanhas eleitorais e todos os partidos políticos acabaram contaminados pela propina, superfaturamento e lavagem de dinheiro. Quem está no poder tem mais possibilidades de lucrar no submundo da informalidade financeira. A facilidade para desviar dinheiro por meio de propinas e superfaturamento acabou contaminando também que exerce algum cargo público. Funcionários públicos e políticos acabaram embolsando dinheiro ilegal para beneficio pessoal , usando como desculpa a justificativa de financiamento de campanhas eleitorais.
O governo da presidente Dilma Rousseff está de joelhos à espera do golpe final, mostrando que a estratégia da troika deu certo no que se refere à luta pelo poder. O problema é que a simples troca de governantes não resolve o problema da corrupção institucionalizada. Se a operação Lava Jato se esgotar na punição de corruptos e corruptores o sistema que deu origem a escândalos tipo mensalão e petrolão permanecerá intacto e ressurgirá dentro de algum tempo.
O esforço para criar uma consciência coletiva contrária à corrupção depende da conquista de corações e mentes para uma nova cultura político-social que só poderá ser desenvolvida com o uso de estratégias de informação. Mais do que leis e punições é necessária uma mudança global de atitudes diante da corrupção política e da impunidade. Se ficarmos apenas na troca de governantes, a operação Lava Jato ficará marcada como uma desforra eleitoral em vez de se transformar num marco na vida do país.