Para além do ‘na Finlândia é fácil, quero ver no Brasil’

Notícia de que país nórdico quer acabar com disciplinas traz desconfiança, mas também deixa pulga atrás da orelha: ‘será que dá?’

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Notícia de que país nórdico quer acabar com disciplinas traz desconfiança, mas também deixa pulga atrás da orelha: ‘será que dá?’ Por Patrícia Gomes, no Porvir No meu feed de notícias do Facebook nesta semana uma aspa em particular me chamou a atenção. Uma educadora dizia: “Existem escolas que estão ensinando do jeito tradicional, o que até era uma coisa vantajosa no início dos anos 1900. Mas agora não podemos mais fazer isso. Precisamos de algo compatível com o século 21”. OK, preocupação justa, honesta, que a gente tem visto com alguma frequência no Brasil, principalmente entre pessoas empenhadas em melhorar a educação pública. Mas espera. Quem disse não foi alguém que está tentando repensar algum sistema educacional cambaleante. Era Marjo Kyllonen, secretária de educação de Helsinque, ao comentar no britânico The Independent a grande notícia da semana para quem se interessa por educação: a Finlândia vai, a partir de 2016, começar a trocar as disciplinas tradicionais por projetos interdisciplinares (leia entrevista com Marjo Kyllonen no Porvir). Segundo ela, escolas finlandesas precisam preparar melhor os alunos para os desafios que encontrarão na vida. Então quer dizer que a Finlândia, que já tem um dos melhores sistemas educacionais do mundo, também está procurando novas soluções para suas salas de aula? Sim, está. Só para dar um contexto melhor sobre o que estamos falando: a Finlândia é dos países que mais consistentemente aparecem no topo do Pisa, exame internacional que mede o quanto alunos de 15 anos sabem matemática, ciências e língua materna. Lá, a educação é pública, não há grandes diferenças na qualidade do ensino entre escolas e os professores têm autonomia para escolher o que vão ensinar. Aliás, lecionar é um dos ofícios mais prestigiados no país – Pasi Sahlberg, educador finlandês, professor visitante de Harvard e autor do livro “Finnish Lessons 2.0”, fala mais sobre o que é ser professor na Finlândia em seu blog. O resultado dessa mistura é um país que tem se destacado nas áreas de tecnologia e inovação, tem uma economia sólida e os menores índices de corrupção do planeta. Bom, acontece que aqui pelos Estados Unidos a notícia também ganhou repercussão. Depois da matéria inicial do The Independent, publicações como QuartzWashington PostHuffington Post e Vox puseram suas respectivas colheres na discussão, uns com mais, outros com menos pé atrás. “Será que substituir aulas tradicionais por projetos interdisciplinares vai ensinar ao aluno tudo o que ele precisa saber? Será que essa abordagem é possível nos EUA?” foram algumas das questões levantadas. Para dar um contexto, os norte-americanos estão na fase final de implementação do Common Core, um currículo nacional para matemática e inglês fruto de um debate que durou anos, e aguardam ansiosos pelos primeiros resultados dos alunos. O problema é que as notícias davam a entender que a Finlândia ia trocar todas as disciplinas por projetos de um dia para o outro. Mas não é bem assim e o Ministério da Educação finlandês fez questão de esclarecer isso. Mesmo antes de a substituição aulas tradicionais por projetos interdiciplinares fazer parte de um programa maior, o país já adotava a abordagem de projetos há décadas ao menos uma vez por semana. A partir de 2016, um cronograma de adoção vai ser adotado para que essa quantidade aumente, mas as disciplinas continuarão a existir. Pelo aprendizado baseado em projetos, professores de diferentes disciplinas desenham juntos atividades com claros objetivos pedagógicos e as situações de aprendizado ocorrem ao longo do processo. Entre ter a ideia, desenhar, prototipar e apresentar o produto final, os alunos aprendem os conteúdos programáticos relacionados e intencionalmente abordados pelos professores, mas também têm que agir em colaboração, com criatividade e resiliência. É claro que ter uma grade curricular inteiramente baseada em projetos é algo muito distante da realidade brasileira. Mas a adoção parcial, quem sabe em um dia na semana, pode ser um começo. Paulo Blikstein, professor assistente em Stanford e estudioso do aprendizado baseado em projetos, me disse há um tempo e eu nunca esqueci: não tem mal nenhum em abrir mão de um pouco de conteúdo para dar espaço a momentos de aprendizagem realmente profundos. Na vida real, é isso que vai fazer diferença. Fiquemos com a pulga atrás da orelha. Foto: txakel / Fotolia.com