Russomanno e Datena: assim é se lhe parece

As intenções de voto para a disputa da prefeitura da maior cidade do Hemisfério Sul parecem hoje dominadas pela crença fácil de que política e gestão pública são questão de satisfação dos direitos do cidadão-cliente (Russomano) ou questão de pulso e vergonha na cara (Datena). Certamente não o são. Mas e daí?

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As intenções de voto para a disputa da prefeitura da maior cidade do Hemisfério Sul parecem hoje dominadas pela crença fácil de que política e gestão pública são questão de satisfação dos direitos do cidadão-cliente (Russomanno) ou questão de pulso e vergonha na cara (Datena). Certamente não o são. Mas e daí?

Por Wagner Iglecias*

O Instituto Datafolha divulgou nesta 2a feira pesquisa sobre a intenção de voto para a prefeitura de São Paulo. Em primeiro lugar, disparado na frente dos demais concorrentes, aparece o deputado federal Celso Russomanno (PRB). Se as eleições fossem hoje estariam embolados na disputa pelo direito de ir com ele ao 2o. turno Marta Suplicy (PMDB), que tem 13% das intenções de voto, José Luiz Datena (PP), também com 13%, e o atual prefeito, Fernando Haddad (PT), que contabiliza 12%. Na sequência surgiria o candidato do governador Geraldo Alckmin (PSDB), que oscilaria entre 3% e 4%. Somados, Marta e Haddad, alternativas identificadas com uma plataforma mais progressista, chegam a apenas ¼ das intenções de voto, enquanto os candidatos do campo conservador alcançariam metade dos eleitores. Não chega a ser uma surpresa.

Há uma espécie de senso comum na política paulista de que o interior do estado é conservador e a capital é progressista. Isso, no entanto, é um equívoco. Ainda que a hegemonia da direita no interior do estado seja um fato, a se ver inclusive pela dinastia tucana no comando do governo do estado desde o longínquo 1994, não é verdade que a capital seja progressista. São Paulo já elegeu figuras de direita como Jânio Quadros, Paulo Maluf, Celso Pitta, José Serra e Gilberto Kassab, e o petismo só quebrou o cerco conservador na cidade quando seus candidatos (Luíza Erundina, em 1988, Marta Suplicy, em 2000 e Fernando Haddad, em 2012) conseguiram conquistar a maioria dos votos da periferia. Porém, Marta e Erundina, quando candidatas à própria reeleição, naufragaram, perdendo inclusive em áreas importantes das regiões mais pobres da cidade. Haddad, embora esteja no jogo, pode acabar tendo o mesmo destino.

Este, aliás, deverá ser o maior obstáculo tanto para o atual prefeito quanto para Marta, cuja gestão foi marcadamente voltada aos bairros mais pobres: desta vez os segmentos mais populares do eleitorado terão como opção de voto dois ícones televisivos identificados com as classes menos favorecidas, Russomanno e Datena. De estilos e trajetórias muito diferentes, os dois apresentadores de tevê poderão disputar o 2º turno em 2016, deixando o campo progressista de fora.

Russomanno é um veterano na política. Começou a vida pública fazendo colunismo social na pequena TV Gazeta, na década de 1980. Cobria festas de gente de classe média, num Brasil que efervescia na política e patinava na economia, e projetou-se para o grande público quando perdeu a esposa por falta de atendimento em um hospital. Dali para o Aqui Agora, programa mundo-cão do SBT, foi um pulo. Mas Celso, homem franzino e de modos comedidos, não combinava com o jeito histriônico dos apresentadores de programas policialescos. Acabou migrando para uma outra linha televisiva, que também crescia na época, voltada aos direitos do consumidor. Notabilizou-se pelo bordão “se estiver bom para ambas as partes” e cansou de mostrar casos na tevê em que donos de lojas populares e consumidores de baixa renda acabavam chegando a acordos por meio de sua intervenção. Consagrou-se ao longo dos anos como uma espécie de “negociador ao nível de rua”. Em 1994, já bastante conhecido do eleitorado, foi eleito o deputado federal mais votado de São Paulo, pelo PSDB. Mais tarde alinhou-se a Paulo Maluf e depois ao PRB, da Igreja Universal, pelo qual disputou e perdeu a eleição para prefeito em 2012. De lá pra cá continuou combinando a agenda de parlamentar em Brasília com a de apresentador da “Patrulha do Consumidor”, da TV Record, em São Paulo. Recentemente esteve aliado a Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, na votação do financiamento privado de campanhas eleitorais.

José Luiz Datena é um veterano também, mas do jornalismo. Começou na imprensa esportiva, e trabalhou com nomes consagrados como Luciano do Valle e Silvio Luiz. Passou por Globo e Band e em meados da década de 1990 assumiu o Cidade Alerta, filhote do Aqui Agora, na TV Record. Deu-se muito melhor na posição de apresentador de programa mundo-cão do que como repórter esportivo. Ajudou na tarefa iniciada pelo Aqui Agora, alguns anos antes, de levar “a vida real” para a tevê da sala de estar das senhorinhas que antes só assistiam às pacatas novelas da seis da Rede Globo. Notabilizou-se por cobrar políticos ao vivo, colocar-se no papel de defensor do povo e chegou mesmo a virar figura cult entre alguns segmentos da população. Diferentemente dos apresentadores no estilo “prendo e arrebento” dos programas policialescos do passado, Datena foi bem sucedido em construir uma imagem meio simpática, meio escrachada. Muitos humoristas o imitam e ele chegou mesmo a criar um estilo de âncora televisivo, adotado por outros comunicadores que surgiram depois dele e o copiam Brasil afora.

Não é exatamente uma surpresa que Russomanno e Datena sejam uma opção para quase metade dos paulistanos. A campanha diuturna contra o petismo feita pela direita desde pelo menos 2005 está detonando não apenas os principais políticos do PT mas também os políticos tradicionais em geral, como demonstrou outro recente levantamento do Datafolha, pelo qual os principais nomes para postular a Presidência da República (Lula, Aécio, Marina, Serra, Alckmin, Ciro) bateriam hoje próximos a 50% de rejeição junto ao eleitorado. Nessa guerra sem quartel e nesse clima de barata-voa candidatos que surgem com soluções fáceis à maioria da população tendem a prosperar. Ainda mais se forem candidatos que contam, como é o caso de Russomanno e Datena, com a vantagem de terem várias horas de aparição na televisão quase todos os dias. As intenções de voto para a disputa da prefeitura da maior cidade do Hemisfério Sul parecem hoje dominadas pela crença fácil de que política e gestão pública são questão de satisfação dos direitos do cidadão-cliente (Russomano) ou questão de pulso e vergonha na cara (Datena). Certamente não o são. Mas e daí? Numa época em que na política pesa mais aquilo que parece, e não aquilo que é, será difícil aos demais candidatos desbancar os dois astros televisivos.

*Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP

Fotomontagem com imagens de divulgação