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Ao tentar desqualificar o programa de redução de danos da prefeitura de São Paulo, matéria do jornal subverte dados de uma iniciativa que já traz mais resultados do que outras ações da área ou mesmo clínicas particulares de reabilitação, onde a desistência chega a 65%
Por Ivan Longo
O leitor que não acompanha o assunto e que não chegar ao final da matéria, onde as informações cedidas pela prefeitura de São Paulo, certamente terá uma impressão negativa e completamente distorcida do programa de redução de danos de usuários de drogas no centro da capital, o “De Braços Abertos”. Na reportagem veiculada pelo jornal Folha de S. Paulo nesta terça-feira (3), uma taxa de desistência baixíssima para um programa que lida com usuários de drogas foi transformada em um defeito. “Programa de combate ao crack da gestão Haddad tem debandada”, diz, maliciosamente, a chamada.
Há uma série de problemas nesse enunciado, que é sustentado e reforçado ao longo de praticamente toda a matéria, até a chegada do último tópico, onde constam os dados da prefeitura. O primeiro deles está no tipo de referência feita à iniciativa como “programa de combate ao crack”. Desde a criação do programa, em janeiro de 2014, que a gestão municipal e pesquisadores que ajudaram a elaborar o projeto insistem para que a iniciativa seja vista como um programa de redução de danos, e não, necessariamente, como um programa para “combater” o crack. A ideia é que, através da moradia, do auxílio à saúde, higiene e trabalho, dependentes químicos possam, aos poucos, abandonar ou abrandar o vício e se reinserir socialmente sem que se apele a abordagens violentas ou internações compulsórias – métodos comprovadamente fracassados e que não diminuíram o problema quando testados.
Outro problema, e de importância ainda maior, é o tipo de recorte que se faz, com o intuito de distorcer a realidade, ao dizer, logo na chamada, que o programa passa por uma “debandada”. Ao longo do texto é explicado que os pagamentos aos dependentes químicos que trabalham pelo programa caíram 25% em relação ao ano passado. Isto é, das mais de 500 pessoas cadastradas, cerca de 200 deixaram de trabalhar desde agosto do ano passado e, consequentemente, de receber. Eles continuam, contudo, morando em hotéis da região e contam com os outros benefícios do programa. Em outras palavras – as que a matéria do jornal não citou –, a adesão ao programa é, neste momento, de 75%.
“Não é a primeira vez que a Folha faz esse tipo de distorção. Se perverte dados só para dar uma manchete sensacionalista, negativa”, destacou à Fórum o psiquiatra, professor da Escola Paulista de Medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e diretor do Proad (Programa de Orientação e Assistência a Dependentes) Dartiu Xavier. O professor , inclusive, foi entrevistado pela reportagem da mesma matéria mas sua fala, que elogiava o programa, não ganhou o mesmo destaque que a “debandada” de 25%.
Usando casos isolados de dependentes químicos que adoeceram ou que ainda não encontraram um trabalho fixo, a matéria busca contestar a eficácia do programa que até agora mais apresentou efeitos positivos em relação à redução de danos. Quando o âmbito é dependência química, 25% de desistência pode ser considerada uma taxa muito baixa. “A maioria dos programas de tratamento de drogas tem uma taxa de desistência de 60% a 70%. Então, é muito pequena. Mesmo que você considere isso uma 'debandada', não nega o índice de sucesso. Para se ter uma ideia, em clínicas particulares de reabilitação a taxa de desistência é de 60% a 65%”, complementou Xavier.
Quase não se explora na matéria outro aspecto que contradiz a tese de que o programa vive uma “debandada”. O número de 25% que deixou de trabalhar é composto, em sua maioria, por usuários que adoeceram ou que já eram doentes e que passam por tratamento de saúde e psicológico, dependentes que estão fazendo cursos profissionalizantes ou ainda pessoas que, através do programa, conseguiram voltar para suas famílias ou mesmo se reinserir socialmente. No começo deste ano, por exemplo, 16 beneficiários foram contratados, com carteira assinada, por empresas vinculadas à prefeitura para atuar em equipamentos públicos e deixaram o programa.
“Dentro dessa porcentagem de “debandada” estão, inclusive, aqueles que voltaram para a família ou para o mercado de trabalho. São aqueles que tiveram a readequação social. Então, essa taxa não diz nada a respeito do programa. Ela só mostra que é muito baixa. Esse número já era, inclusive, previsto nos estudos de criação do projeto”, explicou Xavier.
Foto: Ivan Longo