Os PMs presos tiveram suas detenções solicitadas à Justiça porque disseram que, na noite da chacina, estavam em um determinado lugar, mas o rastreamento de seus telefones celulares e rádios mostraram uma outra localização
Por Luís Adorno e André Caramante, da Ponte Jornalismo
O DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), da Polícia Civil de São Paulo, prendeu na última quinta-feira (8/10) cinco policiais militares e um GCM (guarda civil municipal) suspeitos de terem participação na chacina de Osasco e Barueri, em 13 de agosto deste ano, que deixou 19 pessoas mortas.
São um 2º sargento, um 3º sargento, um soldado, dois cabos e um guarda civil municipal da cidade de Barueri. Mais dois PMs que tiveram suas casas revistadas hoje pelo DHPP também foram presos. Eles são suspeitos de participação nas 19 mortes, mas foram presos em flagrante porque foram encontradas munições irregulares em suas residências.
Com isso, o total de presos pela operação do DHPP foi de sete PMs e um GCM. Também hoje, outros três PMs, todos suspeitos de envolvimento em uma chacina que matou quatro jovens na frente de uma pizzaria em Carapicuíba, vizinha a Osasco, também foram presos. Nenhum deles tem ligação com os crimes em Osasco e Barueri.
Os PMs presos hoje (temporariamente e por cinco dias) tiveram suas detenções solicitadas à Justiça porque disseram que, na noite da chacina, estavam em um determinado lugar, mas o rastreamento de seus telefones celulares e rádios mostraram uma outra localização.
Agora, os PMs presos hoje se juntam ao soldado da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) Fabrício Emmanuel Eleutério, 30 anos, o único preso até então, no presídio militar Romão Gomes, na zona norte da cidade. Na operação, foram acionados 457 policiais: 201 civis do DHPP e Demacro, e 256 militares da Corregedoria da PM.
Um relatório que engloba documentos da Corregedoria da PM-SP (Polícia Militar do Estado de São Paulo), da delegacia seccional de Osasco, do DHPP, do MP-SP (Ministério Público) e do TJM-SP (Tribunal de Justiça Militar) já apontava que os ataques que deixaram as 19 pessoas mortas foram, sim, uma retaliação às mortes de um cabo da PM e de um GCM na mesma semana da série de atentados. O cabo Avenílson Pereira de Oliveira, de 42 anos, e o GCM Jefferson Rodrigues da Silva, de 40, foram mortos no dia 7 de agosto e 12 de agosto, respectivamente.
Durante a manifestação feita sete dias após a série de atentados, na frente do bar em Osasco onde oito pessoas morreram, os moradores afirmaram à reportagem da Ponte Jornalismo que todos desconfiavam da ação de PMs na série de atentados com 19 mortos. “Quem sabe quem fez isso são só eles e os comparsas deles. Só uma coisa que eu te falo é que bandido não faz uma coisa dessas, não, de matar um monte de pai de família”, disse o segurança Fabiano Custódio, de 28 anos, que, naquela noite, ajudou a levar amigos baleados ao hospital.
Fabrício Emmanuel Eleutério, que foi reconhecido por uma testemunha por atirar sem capuz no rosto, afirmou em depoimento que, no momento dos ataques, estava com a namorada comendo pizza e assistindo um filme.
A Justiça comum não aceitou um pedido de prisão feito pela Polícia Civil contra Eleutério. Segundo a juíza Élia Kinosita Bulman, do Tribunal do Júri de Osasco, a Polícia Civil não soube explicar até agora os seguintes aspectos sobre a testemunha que o aponta como responsável pelo atentado que matou uma menina, de 15 anos, e deixou uma mulher ferida na rua Suzano, na Vila Menck:
a – não há uma única informação de como a Polícia Civil conseguiu chegar à vítima que disse ter sido ferida na rua Suzano, o rapaz que reconheceu o PM Eleutério.
b – não há boletim de ocorrência desta vítima noticiando à autoridade policial o crime que sofrera, nem que tenha sido lavrado na data do crime ou em data posterior.
c – não há informação de que a UPA (Unidade de Pronto-Atendimento) ou o hospital para o qual foi transferida tenha acionado a Polícia Militar, como é praxe nos casos em que dá entrada em qualquer nosocômio vítima de ferimentos de agressão.
d – a própria vítima narra que, enquanto estava sendo atendida na UPA, diversas outras pessoas deram entrada baleadas de várias regiões de Osasco, ou seja, e mais uma vez se questiona o motivo pelo qual não há um único registro juntado aos autos deste atendimento ou de se ter noticiado para a autoridade policial.
Briga com a mulher
Uma história menos convincente foi contada pelo 3º sargento da PM Edilson Camargo Sant’Ana, de 46 anos. Ele trabalha no 42º BPM, o mesmo do cabo Avenílson Pereira de Oliveira. No dia dos atentados, ele estava de folga. Mesmo assim, em depoimento, afirmou que saiu do bico que faz em um supermercado às 20h40 daquele dia 13.
Livre do trabalho, ele disse que foi ao batalhão por ter brigado com a mulher. Relatou que chegou no local às 20h50 e que ficou no alojamento até 22h20, quando, por um estalo, decidiu voltar para casa. Lá, ele não falou com ninguém. Nenhum colega de trabalho sequer teria lhe visto. Ele chegou a afirmar que “achou melhor conversar com a esposa, acertar os problemas, pois depois só piora. Nada como a casa da gente”, disse. Ele sequer soube precisar se houve registro de sua suposta entrada e saída do batalhão.
Balada pós crimes
Um 2º tenente da reserva da PM, que há oito anos trabalha como segurança privado do proprietário da casa noturna Bar Razzi, localizado no Parque São Domingos, afirmou em depoimento que achou estranho que, após o crime, sete policiais do 42º BPM – um sargento, um cabo e cinco soldados – foram ao local que tinha apresentação de bandas de forró e de sertanejo. Foram ao local o sargento Valter Gonçalves, o cabo Jean Juliano Crispim Camargo, e os soldados Ângelo da Silva Ribeiro, Rogério Bastos Oliveira, Maksuel Lima Carneiro, Paulo Henrique Marques da Silva e Rodrigo Rodrigues de Oliveira.
O 2º tenente afirmou que, normalmente, os policiais informam com antecedência que vão até o local, sendo que, desde 2011, quando o estabelecimento foi aberto, nenhum PM daquele batalhão já havia ido até lá. O tenente da reserva soube precisar isso porque, para alguém entrar na balada, é preciso assinar um livro interno, assumindo que está portando arma. Ele também disse que comentou com os policiais sobre a ocorrência daquela noite, afirmando que “a área de vocês está feia”. Como resposta, obteve apenas um “tá”. Alguns dos policiais saíram do estabelecimento comercial por volta das 3h do dia 14 de agosto.
Vítima sofreu dois abusos de PM um mês antes de morrer
Rafael Nunes de Oliveira, de 23 anos, executado na rua Moacir Sales D’Ávila, em Osasco, foi reprimido por policiais militares menos de um mês antes de ser assassinado no dia 13 de agosto de 2015. Em julho, ele estava com seis amigos – quatro garotos e duas meninas – quando policiais os abordaram e agiram com abuso de autoridade. Uma das meninas foi reconhecida como sobrinha de um policial. Um dos PMs que estava na ação afirmou que “esse seu tio gosta de tirar tatuagem na faca”. Via rádio, ele chamou o tio da garota que foi até o local.
Um dos garotos foi levado até uma pista de skate, onde foi espancado. A mãe dele chegou perguntando o que havia acontecido e os PMs afirmaram que ele foi pego com porte de drogas. A mãe explicou que ele era trabalhador e os policiais liberaram o rapaz. Outra viatura chegou, após um deles ter ido embora. Todos apanharam. Foi quando viram que um dos jovens tinha uma carpa tatuada na barriga. “Você sabe o que significa isso aí?”, um dos PMs perguntou. “Sei sim, mas não fiz com essa intenção”, respondeu. “Stive, vai lá buscar a faca pra mim que eu vou tirar essa tatuagem na lâmina”, afirmou o PM. A tatuagem da carpa pode simbolizar pertencimento à facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).
Em um momento de distração dos PMs, que estavam atrás da faca, o garoto conseguiu ligar para o pai, que, então, foi até o local e chegou na hora em que os policiais já posicionavam o objeto de aproximadamente 40 centímetros na barriga do jovem. “Tomou coragem agora só porque seu pai chegou? Da próxima vez que eu pegar você, não vai ter seu pai do lado, não”, disse um dos PMs. O mesmo policial já havia raspado duas tatuagens de um amigo do grupo abordado. O policial que agiu desta maneira foi reconhecido fotograficamente como o soldado Mateus Gusmão de Sampaio.
Em uma outra data, no final de julho, Rafael estava dentro de seu carro, um Palio preto, ano 1998, com um amigo, quando foi abordados pelo sargento Camilo Fajin Pardo Júnior e um soldado da PM não reconhecido. Os policiais perguntaram se eles tinham algo de errado. Rafael respondeu que havia um cigarro de maconha no veículo. Os documentos estavam em dia, mas Rafael não tinha habilitação. O soldado falou que “o outro aí do lado é habilitado” e perguntou se “podia liberar o carro?”. O sargento respondeu: “não. Esse carro já está apreendido”.
Quando o carro estava em cima do guincho, Rafael pediu ao motorista que fechasse a janela de seu veículo e obteve o não como resposta, sob alegação de que a perícia iria mexer no carro. Houve uma discussão e Rafael pediu ajuda dos policiais. O sargento respondeu que “já está em cima do guincho. Não é mais problema meu”. O jovem se exaltou e o sargento afirmou: “Fica quietinho aí, se não a gente vai te complicar com aquele negocinho que pegamos com vocês”.
PM suspeito de atuar em duas chacinas: Pavilhão 9 e Osasco
Em abril, 8 pessoas foram assassinadas na quadra da torcida organizada corintiana Pavilhão Nove, na Ponte dos Remédios, zona oeste de São Paulo, divisa com Osasco. Quatro meses depois, 19 pessoas foram executadas em Osasco e Barueri.
O segundo sargento da Polícia Militar Marcelo Mendes da Silva, do 14º Batalhão da corporação, em Osasco, um dos PMs investigados sob a suspeita de participar da série de atentados que deixou 19 mortos em bairros da periferia de Osasco e Barueri, na Grande São Paulo, em 13/08, também é investigado por participação na chacina com oito mortos dentro da sede da torcida Pavilhão Nove.
O nome de Mendes já era conhecido pelo Comando-Geral da PM e pela Corregedoria da corporação desde maio, mas ambos não conseguiram elementos para que o soldado fosse indiciado pelas oito mortos dentro da sede da torcida organizada do Corinthians.
O DHPP apontou o ex-PM Rodney Dias dos Santos, de 41 anos, um dos sócios-fundadores da uniformizada do Corinthians, e o PM Walter Pereira da Silva Junior, soldado do 33º BPM, como dois dos três homens que cometeram os crimes na Pavilhão Nove. Rodney e Walter negam participação na chacina e estão presos.