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Após ser difamada pelos parlamentares Jair Bolsonaro e Marco Feliciano, professora e ativista Tatiana Lionço é vítima de nova campanha difamatória, desta vez, perpetrada pela campanha do pastor deputado Ronaldo Fonseca. Leia abaixo artigo exclusivo para a Fórum.
Por Tatiana Lionço*
Gostaria de iniciar dizendo que todas as pessoas deveriam ser livres para decidirem participar ou não de campanhas políticas de candidatos a cargos públicos. No meu caso, fui abusada no uso, à minha revelia, de minha imagem em campanha de candidato a deputado federal que em nenhuma hipótese, dado seu histórico político, disporia de meu apoio para alçar cargo público. Não seria uma escolha minha contribuir minimamente, com um voto que seja, para a reeleição do pastor/deputado federal Ronaldo Fonseca pelo Distrito Federal, região na qual, inclusive, tenho minha inscrição eleitoral.
Não entendi ainda por que motivos o pastor/deputado me elegeu como rosto em sua campanha eleitoral para reeleição pelo Distrito Federal. Em seu vídeo de campanha, intitulado Rebelião contra a Igreja e a Família, minha imagem é usada para ilustrar o que o candidato à reeleição denomina “espírito do anti-cristo”, exemplo de riscos terríveis no processo civilizatório e prova de que estaria em curso um projeto demoníaco de ruína da religião e da família. Se depender de mim o que tenho a dizer é que minha família realmente não está contemplada no Estatuto da Família, cuja relatoria está a cargo do referido pastor/deputado na Câmara Federal, e também que de minha parte instituições religiosas como a do pastor deveriam ser questionadas a se justificar publicamente.
Uma rápida conferida no perfil público de Facebook do deputado/pastor revela que grande parte de sua campanha política vem sendo realizada dentro de igrejas no Distrito Federal. Não seriam igrejas e templos espaços de oração? Desde quando as igrejas e templos se transformaram em palanque político em campanhas eleitorais? Desconhecia até bastante recentemente que se legitimavam igrejas no país que consistiam em grupos político-partidários, cujas autoridades espirituais se dedicariam a sinalizar na direção de que político o voto da população deveria mirar no momento de usar a urna eletrônica no dia das eleições em todo o território nacional. Se esse for o caso, entendo que a imunidade tributária conferida a tais instituições deva ser imediatamente revista, dado que sua missão tem sido distorcida em prol de atividades alheias à função religiosa.
Em sua campanha, o pastor/deputado inclui, no vídeo desenvolvido para sensibilizar a opinião pública de que ele seria uma escolha acertada para representar a população do DF na Câmara dos Deputados, um apelo para que a comunidade vote em cristãos para que o país seja supostamente salvo da obsessão do espírito do anti-cristo. Apesar de eu já estar familiarizada com o uso do sensacionalismo moral por parte de parlamentares que, ancorados na imunidade parlamentar, vociferam abusos preconceituosos impunemente contra cidadãos e cidadãs que não lhes dirigem o voto, eu realmente fiquei surpresa pelo uso explícito da demonização na atual campanha de Ronaldo Fonseca.
Em 2012 o Deputado Federal Jair Bolsonaro já havia abusado de minha imagem e de outros na polemização de que crianças correriam risco caso pessoas como nós continuassem a se dedicar às mudanças educacionais em curso no nosso país. “Deus salve as crianças” era o apelo de Bolsonaro na ocasião da edição do maldito vídeo que nos tornou, à nossa revelia, pedófilos imorais na internet, sob pena de sofrermos danos decorrentes da irresponsável acusação sem provas. Nos dias de hoje, eu diria que o pastor/deputado Ronaldo Fonseca, candidato à reeleição, se superou e reservou a si próprio a autoria explícita da tese de que seríamos anti-cristos, surfando na onda de ódio e intolerância aberta pelo seu colega de parlamento, que inclusive não poupa esforços para xingar cidadãos e cidadãs e fazer apologia da ditadura militar – supostamente uma era de moral, bons costumes e de poderio de gente do bem.
Gostaria ainda de questionar o conceito de gente do bem que vem sendo adotado por vocês, pastores fundamentalistas, mercadores da fé e aliados parlamentares os mais deploráveis na contra-mão da democracia em nosso país. Vejamos o caso do pastor Marcos Pereira, por exemplo. O pastor foi preso por estupro de fiéis e está em curso investigação policial associada ao seu indiciamento por envolvimento no tráfico de drogas. Pois bem, eu era uma das supostas vândalas presentes na primeira sessão da Comissão de Direitos e Minorias da Câmara dos Deputados presidida pelo pastor/deputado Marco Feliciano. Eu me recordo que naquele dia, em que Bolsonaro levanta o cartaz para que homossexuais “dessem a rosca todo dia”, um modo ligeiramente deslocado de os mandarem tomarem no cu, poucos minutos antes estava apertando mãos com Marcos Pereira, um ilustre pastor na perspectiva de deputados como vocês, que abusam de sensacionalismo moral em troca de votos. Estava lá Marcos Pereira, um criminoso com provas, trocando ideias com Bolsonaro e acenando confiante para Marco Feliciano. Hoje, pelo bem comum, Marcos Pereira está preso em Bangu. Vocês não, vocês são deputados em exercício de mandato parlamentar, mas atuam alinhados a este mesmo conceito de gente de bem.
Para encerrar, o que tenho a dizer é que vocês, com conivência do Estado, praticam estupro moral. Abusam de pessoas à revelia, visam destruir dignidade alheia por meio da proliferação de pânico moral na exemplificação de que haveria gente que, na verdade, encarnaria satanás. Nunca havia sido tão incitada a me referir a satanás até que os senhores tivessem me imposto tal figura macabra. Sequer acredito que satanás exista, embora a violência e a falta de ética sejam objetos constante de minha reflexão crítica. Campanha política para o parlamento alertando contra uma nova ordem mundial em que o espírito do anti-cristo estaria já dominando a Terra realmente surpreendeu meus conhecimentos dos textos sagrados do cristianismo. Pensava eu que Jesus Cristo já tivesse vindo para redimir pecadores e para nos lembrar da arbitrariedade da violência como grave erro.
Pensava eu também que o apocalipse se trataria do julgamento final, ao qual todos e todas estariam sujeitos, mas não havia ainda atentado para o fato de algumas pessoas estarem aguardando justamente a vinda do anti-cristo. Saliento ainda que falsos profetas são amplamente questionados nos textos sagrados. Creio eu que estão a fundar, os oportunistas da moral e dos bons costumes e profetas da ruína civilizatória, uma nova religião: a seita dos mercadores da fé. Sua doutrina é a do estupro da dignidade alheia para conquistar votos por meio do pânico social e moral.
*Tatiana Lionço é doutora em Psicologia, ativista feminista e membro fundadora da Cia. Revolucionária Triângulo Rosa