A necessidade do salário máximo

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É importante limitar os salários tão exuberantes que recebem os banqueiros e grandes empresários, salários que não guardam nenhuma relação com a sua produtividade Por Vicenç Navarro, em Esquerda.net 

O enorme aumento das desigualdades a que temos assistido na maioria dos países dos dois lados do Atlântico Norte (e muito em particular nos EUA, no Reino Unido e na Espanha) relançou o debate sobre a necessidade de aumentar o nível salarial dos setores com menos rendimentos da sociedade, para evitar a deterioração dos seus rendimentos em relação aos do resto da população assalariada. Daí as pressões para o aumento dos salários mínimos, medida que na realidade favorece não só os trabalhadores com salários baixos como também todos os outros, pois o aumento do salário mínimo favorece o aumento do nível salarial da grande maioria dos assalariados, já que esse aumento reforça o mundo do trabalho na sua negociação com o mundo empresarial. Na realidade, a redução salarial (que geralmente acompanha o elevado desemprego) é a medida que favorece o empresariado, pois enfraquece o mundo do trabalho e com isso reduzem-se a grande maioria dos salários. Pelo contrário, o aumento do salário mínimo e uma redução do desemprego favorecem o mundo do trabalho na sua negociação com o empresariado.

Ora bem, esta medida, ainda que positiva e necessária, teria pouco impacto no enorme nível de desigualdade que estes países têm experimentado. E a causa disso é que o grande crescimento das desigualdades se deve ao enorme aumento da concentração da riqueza e dos rendimentos de uma minoria da sociedade que retira os seus rendimentos seja das rendas do capital, seja da gestão da propriedade do capital, isto é, o que antes se chamava os capitalistas e os gestores do capital, entre os quais os gestores do capital financeiro (isto é, os banqueiros e gestores de instituições financeiras) são os maiores beneficiados desta concentração. São pessoas, estas últimas assalariadas, que recebem todo o tipo de benefícios salariais, em termos e quantidades muito acima da grande maioria da população assalariada.

Quando analisamos como têm evoluído os rendimentos da população, vemos, pois, que os rendimentos superiores cresceram bem mais rapidamente que os rendimentos da grande maioria da população. Assim, os cem dirigentes empresariais mais bem pagos naqueles países passaram de receber 20 vezes o rendimento médio do trabalhador nos anos oitenta, para 60 vezes em 1998 e 160 vezes em 2012.

Este crescimento atribui-se, em círculos econômicos próximos ao capital financeiro, ao crescimento da produtividade desses empresários. Este é o argumento que é constantemente apresentado para justificar o crescimento desmesurado dos rendimentos superiores. O erro e a falácia deste raciocínio é fácil de mostrar. O fato de essas remunerações terem crescido tanto nestes países nada tem a ver (repito, nada a ver) com aumentos de produtividade, mas sim com o poder político que estes setores muito minoritários têm. Quanto mais poder político, maior é o crescimento da sua riqueza.

Por que os salários dos banqueiros e dos grandes empresários são tão altos

E a maneira como se expressa este poder é também fácil de ver. Olhem a política fiscal. Onde estes rendimentos subiram mais rapidamente é onde o encargo fiscal real (e não o nominal ou teórico) que existe sobre os lucros do capital e sobre os salários dos indivíduos de maior rendimento têm descido mais. O encargo dos rendimentos superiores tem decrescido de uma maneira muito notável, sendo esta uma das causas do aumento das desigualdades.

Desta análise concluir-se-ia que a solução – isto é, a diminuição das enormes desigualdades – passaria por um aumento muito grande e generalizado dos encargos sobre os rendimentos derivados da propriedade e também da gestão do capital, o que não ocorrerá a não ser que haja uma viragem de quase 180º na relação capital-trabalho nestes países. A maior causa do crescimento das desigualdades é o enorme aumento do poder político do capital sobre o mundo do trabalho (ver “Capital-Trabalho: a origem da crise atual”, Le Monde Diplomatique, julho de 2013).

O fato de isso não ocorrer não se deve a que a população se tenha direitizado. Na realidade, o grau de tolerância da maioria da população dos dois lados do Atlântico Norte em relação às desigualdades tem diminuído exponencialmente. Parcelas elevadíssimas da população (de 74% a 82%) assinalam que as desigualdades são demasiado elevadas. Ora bem, a captura do establishment político por esses setores sociais explica a continuidade e permanência das desigualdades. Isso explica que nos países cujo sistema democrático permite formas de democracia direta, como referendos, tenha havido um número crescente de propostas para limitar o salário máximo. O caso mais recente foi o ocorrido na Suíça, no qual foi posta a referendo a proposta de que nenhum salário fosse mais de 12 vezes superior ao mínimo (um leque salarial bem mais reduzido que o existente hoje na maioria de países de economias avançadas). É interessante que 35% da população votou a favor, uma percentagem muita maior do que se esperava, na primeira tentativa de controlar diretamente as desigualdades. Seria interessante que se fizesse esse referendo na Espanha (onde as enormes limitações da democracia não permitem tais tipos de referendos).

Nos EUA tem havido um movimento bastante bem sucedido em vários estados que exige não já o salário mínimo, mas sim um salário decente (fair wages), de forma que em muitos contratos com autoridades públicas é exigido este tipo de salário em vez do salário mínimo. Seria muito importante que na Espanha houvesse um movimento liderado pelos sindicatos que exigisse às autoridades públicas que não contratassem empresas que paguem menos que o que deveria ser definido como salário digno, acrescentando, além disso, a necessidade de se fazer um referendo, como se fez na Suíça, para limitar o nível salarial do 1% da população com nível de rendimento superior do país.