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Dois milhões de hectares de terra estão muito degradados no mundo em consequência da desertificação
por Kanya D’Almeida, em IPS/Envolverde
Imaginemos uma extensão de território árido, que se estende por quilômetros, sem um rastro de vegetação, nem um só galho que proporcione uma mancha de sombra ou um fio de água que umedeça a terra ressecada. Agora, imaginemos que este deserto se expande ao ritmo de 12 milhões de hectares por ano. Por quê? Porque já está ocorrendo.
Os estudos demonstram que a cada ano 24 bilhões de toneladas de terra fértil sofrem erosão, e que dois bilhões de hectares de terras já estão muito degradados em consequência da desertificação. O território árido da África subsaariana aumentará 15% na próxima década. Em todo o mundo, 1,5 bilhão de pessoas estão a poucos passos de caírem na aridez, com suas terras e meios de vida ameaçados pela seca crônica.
Nesse contexto, altos funcionários da Organização das Nações Unidas (ONU) celebraram, no dia 17, o Dia Mundial de Luta Contra a Desertificação com o tema “A terra pertence ao futuro, vamos protegê-la da mudança climática”. “Com o crescimento da população mundial, temos urgência em trabalhar para construir a capacidade de recuperação de todos os recursos de terras produtivas e das comunidades que dependem deles”, afirmou, no mesmo dia, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, em mensagem enviada de Bonn, na Alemanha.
A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) prevê aumento de 50% na demanda por alimentos até 2050, embora os cientistas alertem que o rendimento de cultivos como trigo, arroz e milho poderá cair 20% na próxima década devido às temperaturas mais elevadas. A escassez de produtos de primeira necessidade poderia levar à absorção de mais terras pela agricultura industrializada, um dos motores do aquecimento global já que responde por 15% a 30% das emissões de carbono e metano em todo o mundo, o que, por sua vez, provoca a desertificação.
Aproximadamente 35% da superfície terrestre é composta por terras áridas, incluídas as savanas, os matagais e as florestas secas, que em conjunto capturam 36% do carbono e sustentam 50% do gado no planeta. Essas terras secas naturais proporcionam excelente exemplo de regeneração dos solos degradados e inspiraram uma solução para a desertificação baseada no ecossistema, cujo objetivo é reforçar os sistemas naturais para amortizar os piores impactos da mudança climática.
“Um bom exemplo da adaptação baseada no ecossistema pode ser visto no Níger, onde a regeneração natural administrada pelos agricultores recuperou cinco milhões de hectares de terra”, disse à IPS Louise Baker, assessora da Convenção das Nações Unidas para a Luta Contra a Desertificação (CNULD). “Pequenas mudanças nas técnicas do uso da terra – como construção de terraços ou instalação de tanques para coleta de água – podem ser um grande diferença. Depois disso cabe aos governos e latifundiários atar as pontas e gerar um leque de usos da terra, que juntos sejam um pacote resistente”, acrescentou.
Em cerimônia realizada na sede do Banco Mundial, em Washington,no dia 17, a CNULD entregou seu prestigiado prêmio Terra para a Vida a duas organizações, do Afeganistão e da Mongólia, que lutam contra a desertificação mediante a adaptação do ecossistema.
Em Bamyan, a árida província central do Afeganistão, a Organização para a Conservação das Zonas Montanhosas Afegãs recuperou 50% das vulneráveis pastagens do lugar com a plantação de árvores, soluções de tecnologia ecológica em mais de 300 povoados e sistemas de irrigação por gravidade. Na Mongólia, os mais de 25 mil voluntários da Rede da Ásia Verde plantaram árvores para paliar a desertificação que afeta 78% do território nacional. Refugiados climáticos que haviam abandonado a região regressaram a um lugar que mal reconhecem com sua nova vegetação.
Mas grupos ativistas afirmam que o próprio Banco Mundial tem parte da culpa pelos problemas da mudança climática, pela insegurança alimentar e pela desertificação, já que promove a agricultura em grande escala e as monoculturas no Sul em desenvolvimento.
A campanha Nossa Terra, Nosso Negócio, lançada pelo Instituto Oakland, dos Estados Unidos, dedicado à pesquisa, e organizações não governamentais e camponesas de todo o mundo, busca “responsabilizar o Banco Mundial por seu papel no roubo desenfreado de terras e recursos de agricultores, pastores e comunidades indígenas, que atualmente alimentam 80% dos países em desenvolvimento”, segundo comunicado que divulgaram no dia 31 de março.
A campanha culpa os índices Doing Business do Banco Mundial – que classificam os países segundo as facilidades que dão às empresas privadas, na opinião dos funcionários de Washington – por obrigarem os governos de países do Sul em desenvolvimento a flexibilizarem suas normas ambientais, violar as leis trabalhistas e desregular suas economias com a esperança de atrair o investimento estrangeiro.
O investimento mundial no Sul se dirige “principalmente à agricultura e à extração de recursos naturais”, destacou o diretor de políticas do Instituto Oakland, Frederic Mousseau. “Graças às reformas e políticas recomendadas pelo Banco Mundial, Serra Leoa retirou 20% de suas terras cultiváveis da população rural e as arrendou para produtores estrangeiros de cana-de-açúcar e óleo de palma”, acrescentou.
“Na Libéria, grandes empresas de óleo de palma da Grã-Bretanha, Malásia e Indonésia têm contratos de arrendamento de longo prazo em mais de 1,5 milhão de hectares de terras que antes pertenciam às comunidades locais”, segundo o Banco Mundial. “Essas políticas são exatamente o contrário do que precisamos para combater a desertificação, que só pode ser obtido com a diversificação da agricultura, o reflorestamento, os cultivos intercalados e outras técnicas praticadas por pequenos agricultores”, pontuou Mousseau à IPS.
“Em Mali, por exemplo, os camponeses que vivem em torno do rio Níger buscam apoio oficial para a prática da agricultura tradicional. Por outro lado, o governo entregou 500 mil hectares de terras mais férteis a 22 investidores estrangeiros e nacionais para a produção de agrocombustíveis e monoculturas”, contou Mousseau. “Trata-se de um país onde o Banco Mundial é muito ativo com a aplicação de políticas que beneficiam os investidores estrangeiros enquanto consomem os seus recursos”, ressaltou.
Investimento versus inovação
O Banco Mundial reclama maior investimento e financiamento para enfrentar a mudança climática e se preparar para as crises futuras, mas Baker, acredita que se pode obter mais resultados com o reordenamento dos fundos existentes e das técnicas de gestão da terra. “A terra em si poderia contribuir para capturar até três bilhões de toneladas de carbono por ano, o que representa um terço da capacidade potencial de mitigação que se pode conseguir apenas mudando a forma de geri-la”, garantiu à IPS.
“Há aproximadamente dois bilhões de hectares de terra degradada em todo o mundo com capacidade de recuperação, e cerca de 480 milhões de hectares de terras agrícolas abandonadas que podem voltar a produzir, sem necessitar de investimento adicional, só com um reajuste de prioridades”, apontou Baker. “Por exemplo, o investimento no uso de fertilizantes pode ser importante, mas, se em seu lugar investirmos em incentivos para melhorar a gestão sustentável da terra, poderemos conseguir que esta capture o carbono e ajudar as populações a serem mais resistentes à mudança climática e não dependerem da produção com fertilizantes”, concluiu.