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Dossiê sobre os impactos da irrigação nos estados do Ceará e Rio Grande do Norte é lançado no III ENA
Por Anna Beatriz Anjos, fotos por Francisco Valdean
“Os perímetros irrigados vêm evoluindo no sentido claro de ser um espaço geopolítico do capital no semiárido.” É o que afirmou a médica Raquel Rigotto, professora da Universidade Federal do Ceará (UFCE), neste sábado (17), durante seminário realizado no III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), em Juazeiro, na Bahia.
Ragotto lançou o dossiê “Perímetros Irrigados: 40 anos de violação de direitos no semiárido”, que produziu junto a outros 19 pesquisadores das áreas de geografia, história, direito, meio ambiente e saúde, vinculados a cinco universidades do Nordeste. O documento analisa os impactos de 5 territórios de perímetro irrigado (PI) sobre a vida de comunidades nos estados do Ceará e Rio Grande do Norte.
De acordo com a professora, que é também representante da Rede Brasileira de Justiça Ambiental e da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), o estudo partiu de uma demanda do Movimento 21, que reúne movimentos sociais do campo, como Cáritas Diocesana de Limoeiro do Norte, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Os camponeses afirmam que as áreas de perímetro irrigado facilitam a ocupação de terras por parte das empresas nacionais e transnacionais do agronegócio que, a partir da exploração dos recursos naturais e da mão de obra local, cultivam commodities para exportação. Isso vai na contramão das práticas agroecológicas adotadas por vários deles, que tentam manter o cultivo biodiverso e priorizam o equilíbrio com a natureza.
A partir do diálogo com a população das regiões afetadas, definiu-se que a pesquisa se focaria na violação de alguns se seus direitos básicos: à terra, à participação política, à água, ao meio ambiente, ao trabalho digno e à saúde. Em relação a esta última, o dossiê traz uma denúncia grave: devido ao uso abusivo de agrotóxicos, a taxa de mortalidade por câncer entre as comunidades que vivem no entorno das plantações do agronegócio é 38% maior do que nos locais onde há apenas agricultura familiar.
[caption id="attachment_46907" align="alignleft" width="368"] O agricultor Francisco Edilson Neto pode ser afetado pelo Perímetro Irrigado Santa Cruz do Apodi, que está sendo construído no Rio Grande do Norte[/caption]
Francisco Edilson Neto, líder do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Apodi, é um dos agricultores ameaçados pelos perímetros irrigados. A Chapada do Apodi, região em que vive, já foi ocupada pelas grandes corporações em seu lado cearense – ela se localiza na divisa do estado com o Rio Grande do Norte. Desde quando foi inaugurado o PI Jaguaribe-Apodi, diversas famílias agricultoras perderam seus sítios para empresas como Fruta Cor, Bananas do Nordeste S/A e Del Monte Fresh Produce. Agora, um novo sistema de irrigação (PI Santa Cruz do Apodi) está sendo construído, dessa vez na parte norte-rio-grandense. “Esse projeto vai expulsar 6 mil pessoas de suas terras”, afirmou Neto.
Em sua fala, ele destacou ainda a importância de se analisar e comparar diversos casos semelhantes, como fizeram os autores da pesquisa. “É muito interessante que a gente junte esses conflitos. O problema é de todo mundo, não só de Apodi. Nós estamos perdendo os territórios. Se a gente não lutar, não vamos ter mais nenhum camponês no próximo ENA”, declarou.
Políticas de irrigação
O aumento da competitividade do agronegócio brasileiro e a ampliação da política de perímetros irrigados são metas da nova Política Nacional de Irrigação, instituída em janeiro de 2013 pela lei nº12.787. Por meio do Plano Plurianual de 2012-2015, o governo federal destinou 6,9 bilhões de reais para que a área já irrigada ultrapasse os 193 mil hectares e para que mais 200 mil sejam ocupados por novos perímetros.
"Nós temos hoje 38 perímetros irrigados no Brasil, e esse número será expandido enormemente. Os pesquisadores que já vinham estudando a questão e conhecem seus impactos sobre a população ficaram muito assustados", relatou Raquel Ragotto. "Porque se em um pedaço, como o Jaguaribe-Apodi, a gente já vê um estrago enorme, imagina em 400 mil hectares?", questionou.