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No movimento pendular da história, achamo-nos no tempo da regressão, expressa no condomínio fechado, no shopping center racista e classista e no monitoramento 24 horas de nossas ordinárias vidas
Por Ângelo Cavalcante
Da cidade fraturada, dos enclaves e fortificações surgidas desse movimento só se depreende uma coisa: A cidade mudou! Na verdade, a cidade hodierna é um combinado de tempos com a assertiva de que os ganhos da modernidade, ganhos conquistados a ferro, fogo e muita guerra, minguam, são esvaziados exatamente na cidade.
[caption id="attachment_41371" align="alignright" width="420"] Condomínio fechado e cercado em Miami: novos burgos? (Marc Averette/Wikimedia Commons)[/caption]
É como se estivéssemos voltando para a Idade Média, onde as cidadelas ou burgos eram, na verdade, fortalezas a serem protegidas das invasões bárbaras. A grande conquista da Modernidade fora, enfim, a derrubada da muralha, do muro alto, da fortificação e o território, com essa ação-símbolo é, enfim, integrado.
Vai bem nos contar Sergio Paulo Rouanet em seu clássico MAL-ESTAR NA MODERNIDADE que: “O projeto civilizatório da modernidade tem como ingredientes principais os conceitos de universalidade, individualidade e autonomia. A universalidade significa que ele visa todos os seres humanos, independentemente de barreiras nacionais, étnicas ou culturais. A individualidade significa que esses seres humanos são considerados como pessoas concretas e não como integrantes de uma coletividade e que se atribui valor ético positivo à sua crescente individualização. A autonomia significa que esses seres humanos individualizados são aptos a pensarem por si mesmos, sem a tutela da religião ou da ideologia, a agirem no espaço público e a adquirirem pelo seu trabalho os bens e serviços necessários à sobrevivência material”.
Mas, de outro modo, essa MODERNIDADE deve se apresentar como materialidade, como coisa objetivada, concreta e histórica e, sem maiores rodeios, o “locus” privilegiado da MODERNIDADE são as relações humanas, sobretudo, aquelas que são realizadas na cidade. Porque é, exatamente ai, na cidade que, a complexidade do tempo e do humano melhor se apresenta, se mescla, mistura e gera vícios e virtudes e que tomam nossas existências.
A cidade é, por excelência e exigência, o universo físico privilegiado das conquistas da humanidade e, de outro modo, o agenciador desse já amplo movimento anti-moderno é exatamente o conluio de barbarização e que redunda, finalmente, na apropriação da cidade, no reerguimento de muros, muralhas e fortificações.
Não há dúvidas, estamos caminhando para trás. Aliás... no movimento pendular da história, achamo-nos no tempo da regressão e sordidamente expressa no condomínio fechado, no shopping center racista e classista, no monitoramento vinte e quatro horas de nossas ordinárias vidas, na polícia política que ama, que goza em matar pobres, pretos e p... e que, é certo, é exatamente a polícia que a burguesia nacional quer e financia.
Na Revolução Francesa de 1789, um dos seus pontos altos foi a Tomada da Bastilha em um glorioso 14 de julho. A prisão fora tomada, seus detentos libertados, seu governador, o bastante nobre marquês de Launay teve sua cabeça aristocrática decapitada, seus muros rompidos e as repercussões desse movimento, todos sabem, tomou conta do mundo. De outro modo, não tem jeito, é a queda e não o soerguimento do muro, que faz a república, a coisa pública. É preciso derrubar todos os muros para que tenhamos unidade, integração e um povo novo. É por isso que a cidade do capital está com seus dias contados.
Ângelo Cavalcante – Economista, cientista político e professor da Universidade Estadual de Goiás, campus Itumbiara. E-mail: angelocavalcante@yahoo.com.br