Fórum - Qual a relação entre racismo e violência policial? A PM age, realmente, de forma seletiva?
Silvio de Almeida - O racismo é um elemento que faz parte do próprio modo com que historicamente se estruturam as relações sociais no Brasil. Não se compreende o Brasil, em seus aspectos políticos, econômicos e até mesmo jurídicos, sem a análise do racismo. Por este motivo não é surpresa que as instituições, dentre as quais a polícia, "funcionem" a partir da clivagem racial. A policia como parte do aparelho repressivo do Estado, por óbvio, coloca-se como ponto de lança do processo de violência que ao fim e ao cabo servirá para manter a estratificação social que se funda em diferenças de classe e de raça.
Fórum - Na sua avaliação, quais são os caminhos a serem seguidos, nas esferas institucionais e civis, para que o modelo de segurança pública brasileiro seja transformado?
Almeida - Em primeiro lugar, é necessário que se discuta o que é "segurança pública", e esse debate tem que ir além dos espaços institucionais. Espaço público não é necessariamente espaço institucional. O que chega à maioria das pessoas é que segurança pública se reduz à repressão policial. E esse discurso, propagado em especial pelos meios de comunicação de massa em conluio com as "instituições", é que tem "normalizado" e até legitimado a morte de milhares de jovens negros nas periferias deste país. As maiores vítimas da "segurança pública" têm sido os jovens negros, as mulheres e os gays. Eles têm morrido aos montes, todos os anos. E paradoxalmente o maior responsável por esse descalabro tem sido os os agentes do Estado encarregados da segurança pública. Desse modo, acho que temos que mostrar o quão falaciosa é a política de "segurança pública", que na verdade é uma política sistemática de assassinato de jovens negros e pobres.
Temos que desmilitarizar a polícia, como medida urgente; temos que rever as políticas de encarceramento que só servem a interesses escusos; temos que rever a política de drogas; temos que tratar segurança pública com políticas de redistribuição de riqueza, reocupação dos espaços públicos que vêm sendo privatizados, acesso à moradia, acesso à educação e aumento da participação política. Isso para mim é "segurança pública". O resto é naturalização do genocídio jovens negros e pobres.
Fórum - Por que, na sua opinião, é importante discutir a cultura de periferia neste momento?
Almeida - O que geograficamente se pode chamar de periferia hoje é o centro do que de mais vivo e original se tem produzido no campo da cultura. É no campo cultural que se constroem as narrativas legitimadoras da ação política. A cultura forma subjetividades. Quando a periferia se apropria disso é como se ecoasse um grande "não". Um "não" à miséria, à violência, ao racismo, ao machismo e à homofobia. A produção cultural periférica carrega as energias que nos impulsionam para uma realidade renovada.