Escrito en
NOTÍCIAS
el
Por Julinho Bittencourt
Esta matéria faz parte da edição 129 da revista Fórum. Compre aqui.
Andam por aí regravações de vários artistas antigos, compilações e até shows onde o cantor já morto contracena com os próprios músicos que o acompanhavam. A indústria fonográfica é prenhe em arrancar grana dos consumidores de qualquer maneira com produtos requentados. Só há uma banda no mundo, no entanto, capaz de lançar material inédito de qualidade, mesmo depois de desfeita há 43 anos. E se você pensou nos Beatles acertou em cheio.
Este ano é a vez de mais uma parte das lendárias gravações feitas por eles para a BBC, a rádio estatal londrina, na época em que ainda eles eram apenas um fenômeno inglês. The Beatles On Air - Live at the BBC Vol. 2 é um primor de gravação feita ao vivo nos estúdios da rádio. Nela, a banda toca sem nenhum truque, emenda ou gravação adicional. Do jeito que foi, ficou. Exatamente como uma mulher linda sem maquiagem alguma ou recursos digitais, os Beatles tocam e cantam com energia incomum, fazem vocais intrincados com um nível satisfatório de afinação e se divertem a cântaros com os depoimentos e entrevistas.
O disco, gravado em 1963, nos mostra de forma enviesada, meio do lado avesso do que nos acostumamos, toda a magia da banda. Eram apenas garotos – Paul McCartney fez 21 anos no dia de uma das sessões – nos primórdios do sucesso, com uma vontade própria da idade e, ao mesmo tempo, já com um talento que saltava com facilidade. Toda a precisão deles está presente nessas gravações. As guitarras – sobretudo a de George Harrison – pulsam e formam fraseados notáveis. Mesmo em canções em que a gravação original tem uma ponte ou outra feita no piano, eles não deixam nenhum espaço, repetindo todas as notas. O contrabaixo de McCartney é melódico, mas ao mesmo tempo caminha com a pulsação de bumbo e caixa de Ringo Starr quase como um relógio. É, de fato, uma usina que funciona compacta e coesa.
Ao contrário do Live at BBC Vol. 1, esse é formado por canções mais manjadas, que foram gravadas nos discos originais dos Beatles. Estão lá a linda versão de “Words of Love”, de Buddy Holly, “Do You Want Know a Secret”, a primeira cantada por George, “She Loves”, “I’ll Get You” entre várias outras. Mas o disco traz também várias pérolas que nunca saíram antes em lugar nenhum. A mais comovente fica por conta da excelente interpretação de Lennon para o clássico de Chuck Berry “Memphis, Tennesse”. Com uma versão um tanto menos pesada, que valoriza a canção, a gravação deixa certa pena por eles não terem feito uma gravação definitiva em estúdio.
Enfim, The Beatles On Air - Live at the BBC Vol. 2 é um presentão e tanto para este final de ano. Vem em embalagem digipack branca, com uma bela foto colorida na capa, encarte repleto de informações e fotos inéditas. Tudo feito da mesma forma de sempre, como se eles ainda estivessem por aí.
***
Indo de um extremo a outro, vale conferir também um dos grandes lançamentos da nossa canção regional dos últimos tempos. O lindo disco Viva Elpídio!, de Oswaldinho Viana e Marisa Viana. A obra, como o próprio nome define, é totalmente dedicada ao lendário compositor de São Luís do Paraitinga Elpídio dos Santos, um dos maiores artistas brasileiros do gênero, autor de várias canções inesquecíveis, muitas delas compostas para filmes de Mazzaropi.
Oswaldinho e Marisa Viana se dedicam à pesquisa da música brasileira que os grandes veículos de comunicação ainda não esculhambaram. Suas composições e interpretações têm cheiro de mato, sabor de cana e mandioca, sons de pássaros e farfalhar de árvores e mato. Oswaldinho é um grande violeiro e já fez canções com, além da própria Marisa, Jean Garfunkel, Zé Paulo Medeiros, Jica & Turcão, entre outros. Em 1996, gravou “São Sebastião do Tijuco Preto”, pré-selecionado para o “Prêmio Sharp de Música”. Marisa, por sua vez, já compôs com Alzira Espíndola, Lula Barbosa, Reynaldo Bastos entre outros.
Viva Elpídio!, segundo disco da dupla e terceiro de Oswaldinho, é um primor de realização por várias razões. Toda a pesquisa, concepção e produção executiva é de Marisa, enquanto a direção musical é de Oswaldinho. A começar pela capa, com uma foto do boneco de Elpídio que desfila pelas ruas de São Luís durante o carnaval ao lado de uma das belas fachadas da cidade histórica, até as gravações propriamente ditas, tudo é de um bom gosto cirúrgico.
O encarte e a produção gráfica de Marcos Paulo (Tatá) Ferreira, que se desdobra em fotos de locais e motivos de São Luís, além de lindas imagens do acervo pessoal da família de Elpídio, já dá uma imagem do tesouro que o ouvinte tem nas mãos. A partir dele, entramos em uma viagem musical extremamente prazerosa, tradicional e, ao mesmo tempo, moderna.
Não é à toa que as canções de Elpídio atravessaram mais de meio século sem perder o viço, o jeito de novidade. São músicas lindas, extremamente simples, corretas, exatas, ligadas ao homem do campo. Foram feitas num país ainda iminentemente rural. No entanto, estavam sintonizadas com um novo mundo que surgia através do cinema. Daí a linguagem direta, coloquial. Mazzaropi e seus filmes não seriam os mesmos sem Elpídio.
E, ao perceber isso, Oswaldinho e Marisa tiveram o mérito de garantir as duas vertentes – modernidade e tradição – tanto nos arranjos magníficos quanto nos excelentes músicos que participaram e principalmente nas interpretações, cheias de paixão e sobriedade.
Viva Elpídio! é, enfim, um grande e breve apanhado da excelente, extensa e imprescindível obra de Elpídio dos Santos. Uma obra que tem sido, aos poucos, recuperada pelos amigos e também pela família, por meio do Grupo Paranga. Tem muito mais por aí e é bom que o público interessado fique atento.