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O economista, filósofo e historiador peruano Óscar Ugarteche fala a respeito da necessidade de se aliar o conceito de desenvolvimento à consciência ambiental, avalia o cenário político e o avanço dos direitos dos homossexuais em seu país
Por Igor Carvalho
Esta matéria faz parte da edição 129 da revista Fórum. Compre aqui.
No Peru, ele é tido como uma figura polêmica. Alguém que ousou peitar o conservadorismo peruano e fundou, em 1982, o Movimento Homossexual de Lima (MHOL). Ao mesmo tempo, o ativista é considerado um dos mais importantes economistas do país andino. Óscar Ugarteche, que também é filósofo e historiador, conversou com Fórum durante sua passagem por São Paulo para participar do “Seminário Internacional – A Sociedade Civil e o Processo Democrático na América Latina”, organizado pela Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong).
A inconformidade de Ugarteche com o tratamento peruano aos homossexuais o fez, em 2005, trocar o Peru pelo México, onde se casou com seu companheiro, o educador Fidel Aroche. Hoje, é pesquisador titular do Instituto de Investigações Econômicas e também professor de Finanças Internacionais e de Estudos Latino-Americanos na Universidade Autônoma de México. Ao todo, escreveu 20 livros, o mais recente lançado em outubro, La Grand Mutación, el capitalismo del siglo XXI.
Durante a entrevista, Ugarteche criticou a cobertura da crise econômica mundial feita por parte da imprensa tradicional. “A grande mídia trata o 0,1% de crescimento da Espanha como se fosse um sinal de dinamismo econômico. Porém, a mesma mídia trata os 7,5% de crescimento da China quase como se estivessem na recessão. Então, me pergunto: ‘Que tipo de compreensão há sobre o que está se passando no mundo?’”
O economista também comentou a atuação do atual presidente peruano, Ollanta Humala, a quem chamou de um “candidato inventado”, que teria tido uma mudança de comportamento com a conquista do poder. De acordo com Ugarteche, no Peru, “são 23 anos de corrupção” e não “se consegue terminar um único governo de forma honesta, o último foi Fernando Belaúnde [Terry].”
[caption id="attachment_40203" align="alignleft" width="300"] Óscar Ugarteche durante seminário realizado em São Paulo no mês de novembro (Paulo Marujo)[/caption]
As recentes manifestações que tomaram conta das ruas em diversos países do mundo, entre eles o Brasil e o Peru, foram comentadas pelo economista, que acredita haver, de uma forma geral, um apelo por mais participação popular em todos os níveis.
Fórum – O senhor fala muito a respeito da “nova educação”. Onde se evidenciam, hoje em dia, os problemas do ensino?
Óscar Ugarteche – O que temos visto nos últimos 25 anos é uma tecnificação da educação. O estudante maneja mais o computador, mais números e mais informações estatísticas, mas muito menos história, ciências políticas e educação cívica. Temos gerações que têm uma grande capacidade para resolver problemas, mas que não têm capacidade alguma para fazer análises com profundidade. Há uma matematização das profissões, tudo se resolve com fórmulas, mas com isso não conseguimos resolver o aquecimento global ou criar alternativas ao desenvolvimento que não afetem a sustentabilidade, ou mesmo resolver os problemas de fundo da mídia.
Fórum – Onde houve uma ruptura entre o antigo e o novo modelo?
Ugarteche – Possivelmente isso veio com a revolução tecnológica, junto com a queda do Muro [de Berlim]. Não estou seguro se é exatamente aí, mas sua pergunta me remete a esse tempo, quando tivemos uma grande mudança na velocidade do tempo, que coincide com a queda do Muro e o pensamento de uma economia em globalização.
Fórum – A Espanha, recentemente, anunciou que está saindo da recessão por causa de 0,1% de crescimento. Esse fato pode ser entendido como uma saída para a tão propagada crise econômica mundial?
Ugarteche – O mundo está em crise desde 2007. Porém, não vimos uma generalização da crise. Os mais afetados pela crise são Japão, EUA e a Europa Ocidental, as economias mais maduras. Estamos, lentamente, vendo outros países se afundarem na crise, porém, não vimos essa crise passar pelas economias emergentes, elas seguem crescendo, umas mais, outras menos, mas crescem.
As economias maduras simplesmente não crescem. A grande mídia trata o 0,1% de crescimento da Espanha como se fosse um sinal de dinamismo econômico. Porém, a mesma mídia trata os 7,5% de crescimento da China se estivessem na recessão. Então, me pergunto: Que tipo de compreensão há sobre o que está se passando no mundo? E outra pergunta é: como a imprensa formula as opiniões sobre as resoluções dos problemas gerados pelas crises das economias maduras? Temos visto que a Alemanha cresce menos do que se espera, há crescimento da pobreza na Alemanha, e achávamos que isso não aconteceria. ‘Mas como, é a Alemanha, eles são ricos!’. A Europa está estagnada, assim como estava a América Latina nos anos 1980, e tem um largo caminho a percorrer.
Fórum – O que pensa das contradições entre o desenvolvimento e o “buen vivir”? Como solucionar esse impasse?
Ugarteche – Para as economias mais maduras, para as economias ricas, esses países puderam passar por uma etapa de crescimento moderando seu consumo energético. O problema não são eles, o problema é que as economias emergentes, que são os países que possuem a massa populacional do mundo, estão crescendo, têm uma capacidade de consumo brutal. Então, temos de pensar em outra fonte energética, outra maneira de produzir energia, a Amazônia está secando. Vamos seguir desmatando a Amazônia, com o argumento de que é um campo a ser conquistado? Isso é uma barbaridade. É possível pensar no “buen vivir”, o problema é que temos primeiro que entrar em acordo sobre a nossa noção de progresso. Se ela continuar sendo a transformação da natureza em dinheiro, daqui até o fim do mundo estaremos em uma catástrofe. Esse não é um horizonte desejável.
Fórum – Se há ganhadores e perdedores na economia, quem está perdendo?
Ugarteche – A economia produtiva. Está ganhando a economia financeira, a especulação. As economias da Europa, EUA e Japão praticamente não crescem, porém, as bolsas de valores norte-americanas estão acima de onde estavam antes da crise, e na Europa se passa o mesmo. De onde saem Bolsas de Valores tão vigorosas, com economias estagnadas? Saem da concentração de recursos mundiais.
Fórum – Mais de dez anos depois, qual o balanço que o senhor faz dos governos progressistas da América do Sul?
Ugarteche – Hoje, há autonomia em relação à definição das políticas econômicas desses países, isso é progresso. Os governos podem ser autônomos e suas políticas refletem, agora, os seus problemas, e não os dos outros. Isso é um tremendo avanço. O resultado, em termos de distribuição de renda, é impressionante. Na Venezuela, na Argentina, no Brasil, no Equador, enfim, há mudanças evidentes. Sempre me surpreendo quando vou à Venezuela, porque mesmo com a alta inflação – e é muito alta –, a população continua contente, e isso me surpreende. Mas os venezuelanos se sentem amparados por seu governo. O mesmo passa na Argentina, há uma notável melhora na distribuição de recursos. Porém, a economia cresce com taxas altas.
Bom, dito isso, são governos que precisam pensar a questão energética. Se eu fosse o governo da Venezuela, estaria estudando alternativas ao petróleo e liderando o grupo de países que vai apresentar uma nova alternativa energética ao mundo. Se fosse o governo da Argentina, estaria liderando o regresso a uma agricultura natural, dando fim aos transgênicos, seria uma volta a uma agricultura sustentável, porque isso que temos hoje é desolador. Se eu fosse o governo do Brasil, estaria protegendo a Amazônia, em vez de destruí-la. Há uma responsabilidade ambiental que cada um desses países, que está fazendo políticas distributivas interessantes, com crescimento econômico mais ou menos sólido, precisa ter. Esse progresso, sem consciência ambiental, é um problema. O futuro está em uma concepção de progresso alinhada com a questão ambiental.
Fórum – Há uma crise hegemônica no mundo?
Ugarteche – O problema de hegemonia começou nos anos 1980, quando caiu o Muro de Berlim. O que estávamos discutindo era se a hegemonia estava ou não em crise. A minha intuição dizia que ela já estava em crise, e abriu espaço para pelo menos dez novas economias, criativas e inovadoras, com altos níveis de reserva internacional e com populações gigantescas, tão gigantescas que superam a população de todas as economias maduras juntas. O mundo que conhecíamos, com os EUA na cabeça, seguidos por Alemanha, Japão, Inglaterra, França, enfim, ditou as tendências culturais, na moda, na economia, desde a Revolução Industrial até os anos de 1980, mas hoje não é mais absoluto. Agora, o dinamismo de China, Brasil, Rússia, Índia, Turquia, Coreia do Sul e Indonésia move o mundo para outra direção.
Fórum – Apesar da experiência europeia, é possível dizer que atuar em bloco é a melhor solução?
Ugarteche – No plano político, não é possível pensar de outra forma. Nada tem mais força do que a atuação em bloco. Uma Grã-Bretanha do século XIX, hoje, seria impossível. Os EUA queriam atacar a Síria e não podem. Não que não quisessem, porém, não podem. Isso é uma demonstração de incapacidade hegemônica.
Fórum – A crise na zona do euro pode representar lições ao Mercosul?
Ugarteche – Sim. A crise na zona do euro dá lições a todos, não só ao Mercosul. A primeira lição é que você não pode criar uma moeda em comum. Uma unidade de conta em comum é possível, emitir bônus dessa unidade, mas os países pagam com suas moedas locais. Fazer isso requer uma coordenação dos bancos centrais, com um fundo para evitar ataques cambiais, porque nesse mundo de especulação qualquer coisa que atente contra o dólar é atacada imediata e severamente. O outro problema é a integração política, que não há na América do Sul.
Fórum – O Brics está mais integrado.
Ugarteche – Exatamente. O bloco do Brics tem muito sentido. Porém, a distância me preocupa. Justamente, e volto a isso, por conta de questões ecológicas.
Fórum – E os direitos dos trabalhadores dentro de uma economia globalizada, continuarão esquecidos?
Ugarteche – O neoliberalismo sempre usou o argumento de que, se você baixa os salários, irá gerar mais empregos. Todos sabemos que isso é uma mentira, não há nada, nenhuma evidência empírica que aponte isso como verdade. Nada que demonstre que baixar salários gera empregos. O que há, isso sim, são evidências de que se você baixar salários, concentra recursos.
Fórum – Apesar da distância, como tem visto o governo do presidente Ollanta Humala?
Ugarteche – A mim, ele nunca convenceu. Quando eu o escutava, pensava: ‘Nós o estamos inventando’. A desintegração da política peruana nos levou a inventar os candidatos, inventamos [Alberto] Fujimori, inventamos [Alejandro] Toledo e, agora, Ollanta. Esses candidatos inventados tinham um discurso progressista, e só porque têm bons assessores que sabem preparar bons textos. No momento em que o candidato ganha as eleições, quando tem o poder nas mãos, já não necessita do discurso de seus assessores, pode ser dele mesmo.
Certa vez, um presidente peruano comentou com um amigo meu: ‘Fui eleito presidente, e você, quem o elegeu como crítico?’. Todos os presidentes, que eram progressistas e que foram cooptados pela direita, estão denunciados por corrupção, e nenhum por U$ 1 milhão de dólares, são quantias enormes. São 23 anos de corrupção. No Peru, não se consegue terminar um único governo de forma honesta, o último foi Fernando Belaúnde [Terry]. Há uma associação imediata da Presidência da República com corrupção, e assim é porque temos uma política desastrosa, não há partidos ou um sistema que fiscalize o presidente. Não há nem mesmo uma crítica estabelecida, não há democracia.
Fórum – Por todo o mundo, em 2013, as pessoas saíram às ruas. O que você acha que quer essa gente?
Ugarteche – Democracia, participação popular e, principalmente, eles querem ser escutados. Em 2005, mataram, em Londres, um jovem brasileiro chamado Jean Charles de Menezes. Por que o mataram? Qual a mensagem enviada com o assassinato de Menezes? Porque os ingleses o mataram? Primeiro, porque era pobre; segundo, por ser jovem; terceiro, por ter uma cor que não é europeia. Aí, simplesmente o mataram. Havia razão para matá-lo? Não. Nós não podemos sair de casa e viver as ruas? Não. Um jovem ousou fazê-lo e foi assassinado em um vagão de metrô.
Não sou só eu que não gosto dessa sensação de impotência. O que é isso? Esse é o primeiro mundo de hoje? Se a gente jovem não tem emprego, se não pode sair de casa, como não vão protestar? É uma bandeira que ainda não tem forma. A velha bandeira, que é a bandeira do salário, está sufocada sob o desemprego e as injustiças sociais. As pessoas querem viver, querem trabalhar, querem um mundo para que os filhos vivam.
Fórum – Ainda sobre os protestos. A mídia soube fazer a leitura sobre o que diziam as ruas?
Ugarteche – A grande mídia repete aquele discurso que já condenamos aqui, do “baixa o salário e teremos mais empregos” e repete exaustivamente até que isso se torne uma verdade contaminante. O que aconteceu com o grupo Clarín na Argentina é sintomático de que alguém está disposto a dar um basta. O problema para a grande imprensa, não creio que seja se vai acabar o tempo do impresso ou não, mas sim a concorrência que começa a se criar para ela. Os movimentos começaram a gerar uma imprensa alternativa, porque a grande mídia não escuta. Então, essa mídia nova amplifica as vozes dissidentes e diz o que a velha mídia não pode dizer. Se o The New York Times dissesse a verdade, não haveria a Al Jazeera, ou mesmo vocês, da Fórum.
Fórum – A sua saída do Peru ocorreu por causa da forma como o país trata os homossexuais?
Ugarteche – Antes de tudo, minha saída do Peru tem a ver com a forma como o Peru me tratava. É pessoal (risos). Não tinha como permanecer no meu país trabalhando, era sintomático o desejo de se calar as vozes dissidentes. Sigo publicando e visitando Lima, porém, não vivo mais lá. Não se pode fechar as bocas que querem falar sobre coisas novas. Começamos o movimento homossexual no Peru no início dos anos 1980. Porém, a direita peruana mostrou que é absolutamente resistente ao tema, é a direita mais atrasada do continente. Por um tempo, achei que a direita chilena era a mais atrasada, depois pensei que fosse a argentina, mas quando fundei o movimento, notei que estava em minha casa esse retrocesso.
Fórum – Houve alguma evolução na sociedade peruana em relação aos direitos dos homossexuais, de 1982, quando o senhor criou o Movimento Homossexual de Lima (MHOL), para os dias de hoje?
Ugarteche – São 31 anos. Há uma evolução mínima no sentido comum. Hoje, há grupos em todo o país, lutando pelos direitos dos homossexuais, e eles perderam o medo de questionar. Esse é um importante legado, se produziu uma mudança, mínima, mas se produziu. Porém, a classe política atravanca sempre a lei discriminatória. A primeira proposta que apresentamos foi entre 1986 e 1988, não me lembro exatamente. Depois, tornamos a apresentar em outros governos, sucessivamente. Agora, foi apresentada uma lei de união civil.
Uma coisa espantosa, também, foi o tratamento que a imprensa deu à proposta de união civil, uma vergonha. Uma vergonha. O nosso maior problema é a aliança entre a classe política e a Igreja Católica, assim como vocês, brasileiros, sofrem com os políticos evangélicos. É um problema, esses religiosos fanáticos casados com a classe política, é um matrimônio perigoso. Temos de acabar com isso urgentemente. F