Sem informação de seu cunho cultural e histórico, moradores da região amazônica vendem peças arqueológicas por preços em torno de US$ 1. A área é repleta de sítios históricos centenários, geralmente localizados próximos a grandes rios, como o Negro e o Solimões. Quem faz as afirmações é o professor do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP (MAE-USP), Eduardo Goés Neves. Segundo ele, peças antigas e valiosas são frequentemente encontradas pela população dos arredores de Manaus (AM).
A venda acontece livremente e, na maioria das vezes, devido à inocência e à necessidade dos vendedores, a maioria deles caboclos ou ribeirinhos. “As comunidades próximas a Parintins [Estado do Amazonas] vendem esse material para os turistas durante o Festival do Boi-Bumbá da cidade. São cerâmicas maravilhosas que foram localizadas perto do Rio Solimões. Uma peça dessas no mercado de arte clandestino ‘primitivo’ da Europa vale alguns milhares de dólares”, conta o professor, especialista em Amazônia.
Só em um site na internet são vendidas mais de 20 peças marajoaras, etnia indígena amazônica. Muitas delas são comercializadas pelos próprios brasileiros. Um dos objetos encontrados pela reportagem custa cem vezes o valor cobrado em média por moradores da Amazônia. O vaso marajoara encontrado é vendido por US$ 100 a unidade. Segundo o arqueólogo, há peças que podem chegar ao preço de US$ 30 mil.
O comércio de peças arqueológicas é proibido, segundo a lei brasileira. De acordo com a regra, todo bem arqueológico pertence à União. Qualquer tipo de escavação, para pesquisas ou não, deve ter autorização do Instituto do Patrimônio Artístico Nacional (Iphan).
Segundo Neves, é comum que as pessoas vivam sobre esses sítios na Amazônia, porque são locais de solo fértil. “Os guardiões desse tesouro arqueológico são as comunidades, os quilombolas, os ribeirinhos. Portanto, é normal que essas pessoas tenham coleções de peças arqueológicas em suas casas”, diz o professor.
Déficit de arqueólogos
O Brasil vive um déficit de arqueólogos, de acordo com Neves. São 1,2 mil especialistas em atividade, bem menos do que na Inglaterra, onde atuam mais de 5 mil, de acordo com o Institute for Archaeologists of England (IFA). A falta de arqueólogos é tão grande que os profissionais não dão conta de checar todas as construções e obras pelo país. Só o Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) soma mais de 20 mil obras e empreendimentos.
Um dos maiores problemas do estado amazônico é não ter um local específico para armazenar essas peças arqueológicas. “Hoje, o estado não tem nenhum museu organizado. Existe apenas o Museu de Arqueologia do Amazonas, mas ainda é muito iniciante, não funciona como um museu de pesquisas”, conta o arqueólogo.
Além do número pequeno de profissionais no país, outro fator que prejudica a preservação desses sítios é a dificuldade de acesso a essas regiões para a fiscalização. “O problema da Amazônia não são os sítios arqueológicos, e sim saber o que fazer com eles, porque são muitos e grandes”, explica Góes.
Antes de o país ter o respaldo da lei, que proíbe o comércio arqueológico, algumas peças foram levadas para o exterior em condições ainda legais. Hoje, elas estão guardadas na Filadélfia (EUA), Nova York (EUA) e na Suécia. “Se quisermos pedir de volta, temos que fazer a lição de casa”, conclui o arqueólogo.
Olívia participou do Projeto Repórter do Futuro – Módulo Amazônia, desenvolvido pela Abraj, Oboré e IEA/USP, onde produziu esta matéria.