Nos últimos anos, o desenvolvimento de algumas monoculturas mudaram para o fornecimento de matéria-prima para a elaboração de combustíveis, como o etanol
Por Emilio Godoy, da IPS
Publicado por Envolverde
A crise alimentar, agravada pelo uso do milho e de outros grãos na produção de etanol, é um dos assuntos centrais abordados ontem e hoje na capital mexicana pelos vice-ministros de Agricultura do Grupo dos 20 países industriais e emergentes. Este bloco reúne os países industrializados do Grupo dos Oito (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Japão, Itália e Rússia), a União Europeia e economias emergentes como Brasil, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, China, Coreia do Sul, Índia, Indonésia, México, África do Sul e Turquia.
O impacto dessa questão na humanidade é analisado pela pesquisa Agrocombustíveis: alimentadores da fome. Com as políticas dos Estados Unidos para o etanol de milho aumentam o preço dos alimentos no México, apresentada no dia 16, patrocinada pelo escritório norte-americano da organização não governamental ActionAid International.
“Vemos altas de preços muito fortes nos alimentos desde o final de 2000, depois se repetiram em 2007 e voltaram em 2010 e 2011”, disse à IPS o norte-americano Timothy Wise, diretor do Programa de Pesquisa e Política do Instituto de Desenvolvimento Global e Meio Ambiente da Universidade de Tufts. “Isto coincide com a expansão do etanol nos Estados Unidos”, indicou o diretor, coautor do informe. “O que se vê no México é o aumento do preço da tortilha de milho”, o alimento tradicional deste país e cujo preço aumentou 60% desde 2005, afirmou.
Wise e a também coautora do estudo Marie Brill, diretora de políticas da Actionaid, asseguraram que o México perdeu, desde 2005, entre US$ 250 milhões e US$ 500 milhões por ano por precisar importar o grão, devido às altas cotações internacionais. “A expansão dos agrocombustíveis contribui para a insegurança alimentar no México. As altas de preços associadas ao etanol afetam negativamente os consumidores, especialmente os que carecem de segurança alimentar e não são produtores”, afirma o estudo de 24 páginas.
Segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, no ano passado foram consumidos nesse país 53,302 bilhões de litros de etanol feito do milho, para cuja produção foi destinada 40% da colheita do grão. Nesse país, maior produtor e exportador de milho do mundo, aplica-se uma política de proteção alfandegária a favor do biocombustível local, pagamento de subsídios aos produtores e um mandato de mescla de gasolina com até 10% de etanol.
“O G-20 tem que resolver a crise alimentar. A cúpula de 2011 abordou a situação, mas é preciso assegurar os motores primários. O México é um exemplo do que ocorre em outros países”, observou Brill. Os mandatários do G-20, cuja presidência temporária está com o México, se reunirão nos dias 18 e 19 de junho na cidade de Los Cabos, para tratar de políticas contra a crise econômico-financeira que afeta o Norte, a segurança alimentar, o crescimento verde e o combate à mudança climática, entre outros assuntos.
“O governo mexicano tem que determinar que está ao lado do produtor e não em benefício das empresas. Temos que trabalhar por uma reserva de alimentos, para não depender do estrangeiro”, afirmou à IPS a ativista Olga Alcaraz, dirigente da Rede de Empresas Comerciantes Camponesas do Estado de Michoacán. As plantações destinadas aos agrocombustíveis começaram na região na metade do século passado e atingiram seu auge na década de 70, quando os países latino-americanos despontaram como provedores de matérias-primas para os mercados das nações industrializadas e diante da primeira grande crise do petróleo.
Nos últimos anos, o desenvolvimento de algumas monoculturas mudaram para o fornecimento de matéria-prima para a elaboração de combustíveis, como o etanol procedente da cana-de-açúcar e o biodiesel obtido a partir do óleo de palma africana. A expansão de produtos agrícolas para fabricar combustível também se deve ao esgotamento do petróleo como fonte de energia e ao fato de a produção e uso de hidrocarbonos representar a emissão de gases contaminantes, como o dióxido de carbono, responsável pela elevação da temperatura do planeta.
O milho carrega uma força simbólica do México até a Nicarágua. “O aumento da destinação desse grão para etanol é fortíssimo, empurrado pelos altos preços do petróleo”, destacou Wise. “Esta situação cria problemas para países importadores como o México”, explicou este especialista que estudou os efeitos do aumento dos preços dos alimentos em nações em desenvolvimento.
No México, são produzidos 22 milhões de toneladas de milho por ano em uma área de 7,5 milhões de hectares, dos quais vivem cerca de 2,5 milhões de produtores de pequena e média escalas, e são importados dez milhões de toneladas. O déficit da balança comercial agrícola mexicana ficou no ano passado em US$ 2,5 bilhões, enquanto as compras agrícolas dos Estados Unidos subiram até US$ 18,4 bilhões.
A Lei de Promoção e Desenvolvimento dos Bioenergéticos de 2008 proíbe que terras aptas para cultivos de alimentos sejam usadas para plantar vegetais destinados a produzir agrocombustível. As organizações da sociedade civil recomendam ao G-20 anular subsídios e mandatos para consumo de agrocombustíveis, a regulamentação e transparência dos mercados, e o financiamento da agricultura familiar.
Os autores do estudo estimam que o custo financeiro anual das importações mexicanas dariam para produzir 70 mil toneladas de milho. “É necessário investir em programas de produtores que não receberam apoio em 30 anos. Este é o setor que pode ser beneficiado com um investimento moderado. Ficou demonstrada a viabilidade dessa expansão”, apontou Wise.
O assunto também constará dos debates da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), que acontecerá de 20 a 22 de junho no Brasil. “Esperamos ver um enfoque que integre energia, sustentabilidade e segurança alimentar”, ressaltou Brill. Por sua vez, Alcaraz enfatizou que é preciso “inovação tecnológica para economizar na produção, e termos nossa própria semente, porque dependemos das multinacionais”.