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[caption id="attachment_827" align="alignleft" width="300" caption="Foto: Xingu Vivo"][/caption]
Na primeira parte desta série, apresentei 25 referências chave para se entender o que o governo federal e o consórcio Belo Monte estão fazendo com as populações indígenas, ribeirinhas e lavradoras do Xingu, e também com o ecossistema da região. Lá estão, comentadas e lincadas, matérias que mostram toda a cronologia do caso, as ilegalidades processuais, a inconsistência das justificativas apontadas para a construção da hidrelétrica, os reais interesses que ela serve e muito mais. Como prometido, aqui vai a segunda parte da série, com mais 25 leituras.
1 e 2 . Análise crítica do estudo de impacto ambiental: Painel de especialistas. Feito em 2009, esse estudo de 230 páginas desmentia várias afirmativas feitas pelo EIA-RIMA. De 2009 para cá, os fatos já se encarregaram de demonstrar quem mentia e quem dizia a verdade. No caso do Trecho da Vazão Reduzida, por exemplo, as comunidades locais sempre disseram que ela ia secar, ao contrário do que afirmavam o consórcio e os repetidores de “informação” oficial na internet. Pois bem, agora é o próprio consórcio quem reconhece que vai secar mesmo. A análise crítica do estudo de impacto ambiental apontou, entre outras inverdades: Ausência de referencial bibliográfico adequado e consistente; Ausência e falhas nos dados; Coleta e classificação assistemáticas de espécies, com riscos para o conhecimento e a preservação da biodiversidade local; Correlações que induzem ao erro e/ou a interpretações duvidosas; Utilização de retórica para ocultamento de impactos. Subdimensionamento da área diretamente afetada; Subdimensionamento da população atingida; Subdimensionamento da perda de biodiversidade; Subdimensionamento do deslocamento compulsório da população rural e urbana; Negação de impactos à jusante da barragem principal e da casa de força; Negligência na avaliação dos riscos à saúde; Negligência na avaliação dos riscos à segurança hídrica; Superdimensionamento da geração de energia; Subdimensionamento do custo social, ambiental e econômico da obra. Está tudo lá. Confira.
3 e 4. Belo Monte e a mineração em terras indígenas. Parte da mesma lógica predadora que rege a construção da usina é a crescente pressão para a liberação de algo que foi tentado na ditadura militar e não oficializado até hoje: a mineração em terras indígenas. Ela acontece, com frequentes invasões de garimpeiros, mas ao arrepio da lei. E eis que, na semana passada, chega a notícia de que ninguém menos que o representante da Casa Civil na reunião de Altamira com lideranças indígenas fez lobby pela aprovação do PL 1610, que autoriza mineração em Tis. Repetindo: o representante oficial do governo federal, numa reunião em que supostamente teria que oferecer às lideranças indígenas respostas para impactos sociais e ambientais já visíveis e não resolvidos, defendeu a aprovação de um PL que autoriza o que nem a ditadura conseguiu: mineração em terras indígenas. Para quem sabe o beabá sobre o efeito da mineração em terras de populações tradicionais, não é necessário explicar as possíveis consequências que adviriam daí.
5. Belo Monte confirma a energia da colônia, por Lúcio Flávio Pinto. Um dos maiores jornalistas brasileiros em atividade, talvez o jornalista que mais profundamente conheça o estado do Pará, mostra direitinho qual é a lógica econômica do projeto, assim como sua origem: a ditadura militar. Para simplificar, o Estado banca, entra com o financiamento, assume os riscos. O lucro é privado. Veja o detalhamento desse esquema no texto de Lúcio Flávio. Este blog também recomenda que você se cadastre para ler o fantástico Jornal Pessoal, mantido há anos por Lúcio.
6. Belo Monte derruba presidente do IBAMA: é uma breve matéria, mas mostra mais uma vez o cinismo de se desqualificar as interrogantes ambientais acerca de Belo Monte com o argumento de que “o IBAMA fez o estudo e autorizou”. O que acontece no mundo real, evidentemente, é que quando o presidente do IBAMA não cede às pressões da indústria barrageira, o presidente do IBAMA cai. É simples assim. Este blog perdeu a conta de quantos presidentes do IBAMA caíram em anos recentes, mas é uma curiosa compilação a ser feita.
7. O governo federal deve à sociedade brasileira uma satisfação sobre a matriz energética, por Washington Novaes. O artigo de Novaes pede ao governo federal o mínimo: demonstração clara do porquê da expansão enlouquecida da matriz, sem estudos sérios, sem oitivas verdadeiras com as populações afetadas, sem consideração real dos impactos sociais e ambientais. Como contra-argumento, o artigo oferece várias citações: o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico afirma: “estamos nadando em sobras”. O Professor Carlos Vainer, da UFRJ, afirma “o planejamento energético no País continua autista”. O próximo ítem dará uma dimensão desse absurdo mas, por enquanto, fica a pergunta: por que então construir uma usina que representa tal atropelamento aos direitos mais elementares das populações do Xingu? Se você pensou “dívida de campanha com empreiteira”, está no rumo certo.
8. Sobra de energia pode encarecer contas de luz. É, como disse Caetano Pacheco no Twitter, o surrealismo brasileiro do dia. A matéria é autoexplicativa. Por um lado, os repetidores de informação oficial gritam que sem Belo Monte teremos apagão. No mundo real, as sobras a que aludia o diretor-geral do ONS no ítem anterior causam encarecimento das contas de energia elétrica. Como os defensores do ecocídio justificaram essa? Ainda não vi nenhuma tentativa.
9. A contestação de Belo Monte. Outra matéria que mostra o atropelo do processo de licenciamento. No ítem 6, acima, vimos como a recusa a aceitar as pressões do consórcio e do próprio governo derrubou um presidente do IBAMA, Abelardo Bayma (o caso está longe de ser único; presidentes do IBAMA caem como jabuticabas quando não se dobram e tentam cumprir a lei). Imediatamente depois, o presidente interino, Américo Ribeiro Tunes, assinou a licença prévia. Veja a matéria para uma compilação não exaustiva das ilegalidades, incluindo a malfadada (e não prevista na legislação) “licença de instalação parcial”.
[caption id="attachment_828" align="alignright" width="300" caption="Foto: Fernando Costa / Xingu Vivo"][/caption]
10. As primeiras vítimas de Belo Monte, por Rodolfo Salm. Durante o todo o processo de “discussão” (dez aspas de cada lado, por favor) de Belo Monte nas redes sociais, os repetidores de “informação” oficial diziam: “nenhuma aldeia será afetada”, “está sendo feito o planejamento adequado” etc. Mais uma vez, era mentira, e o mapeamento feito pelo Professor Salm, das primeiras vítimas da especulação imobiliária, da violência urbana em Altamira, das ocupações ilegais e dos desalojamentos, dá uma (pequena) dimensão da coisa.
11. Violência sexual contra crianças e adolescentes cresce 138% em Altamira. Não surpreende, e em nenhuma avaliação dos impactos sociais da obra, o oficialismo apontou sequer a preocupação com este detalhe: a migração masculina massiva, combinada com a desalojamento de famílias inteiras. A matéria mostra claramente que Belo Monte também é – como todos os megaprojetos do tipo – uma questão para o movimento feminista.
12. Análise dos riscos socioeconômicos e ambientais do complexo hidrelétrico de Belo Monte, texto apresentado por Wilson Cabral de Sousa Júnior e John Reid ao V encontro da Anppas, em Florianópolis, 2010. Trabalhando só com os dados oficiais (que, como todos sabem, superdimensionam o rendimento, subdimensionam o custo e o impacto ambiental), Sousa Jr. e Reid demonstram que o empreendimento possui mais de 90% de probabilidade de inviabilidade econômica, mostrando mais uma vez o que especialistas como Célio Bermann e Oswaldo Sevá vêm dizendo há tempos: Belo Monte é a porta de entrada para outras hidrelétricas. O texto mostra que se pode postergar pelo menos 20 anos a construção de Belo Monte, mesmo que não se mexa em nada da nossa matriz agro-exportadora e minério-exportadora o que, claro, seria o ideal.
13. Os nômades de Belo Monte. Não, não são os “índios nômades do Xingu” que “nem vão ver a obra”, invenção de um jênio governista no Twitter. Trata-se da mão-de-obra migrante atraída pelo projeto, por um lado, e os ex-moradores da região (inclusive de Altamira) que têm suas casas e terrenos desapropriados e são obrigados a migrar. Sobre os primeiros, vale a pena ressaltar o que tem sido visto até agora: no caso de qualquer envolvimento em protestos trabalhistas, eles são despedidos sumariamente, muitas vezes escoltados até o ônibus, para que não tenham qualquer contato com os outros companheiros de trabalho. Leia e pense no impacto sobre essas vidas. E depois volte a todos os indicadores de que hoje estamos com sobras de energia. Deixo ao leitor o raciocínio sobre a moralidade do projeto.
14. Belo Monte e seus impactos sobre os povos indígenas: Entrevista com Ricardo Verdum. No que se refere aos impactos sobre os povos indígenas, a linha repetida à exaustão pelo oficialismo tem sido “nenhuma aldeia será alagada”. Em todo o processo, o lobby em defesa do ecocídio tem, subrrepticiamente, associado “impacto” a “alagamento”, como se não existisse outra forma de impacto. Aqui nessa entrevista, o antropólogo Ricardo Verdum dá uma (pequena) ideia do que serão (já estão sendo) os gigantescos impactos sobre as comunidades indígenas, não só as mais próximas como as mais distantes, que serão afetadas, por exemplo, em sua mobilidade e alimentação.
15. Belo Monte vai exportar empregos e ficaremos com os impactos: Entrevista com Philip Fearnside. A entrevista deixa clara a insanidade do modelo: construir uma gigantesca obra dessas, a enormes custos aos cofres públicos, a tremendos custos humanos, para destinar 30% da energia gerada às indústrias eletrointensivas. Em outras palavras, sacrificar vidas e ecossistemas para fazer lingotes de alumínio aos quais se agrega valor em outros países. Por que fazemos isso então, se o modelo nem mesmo economicamente faz o menor sentido? De novo: pense empreiteiras, pense dívida de campanha. Para algum oficialista que se apresse a desqualificar o Prof. Fearnside por causa do seu nome, informamos que ele está associado ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), órgão federal, desde 1978.
16 e 17. Leitura crítica do RIMA de Belo Monte, por Paulo Sanda – Parte 1 e Parte 2. Uma das inverdades ditas pelos repetidores de “informação” oficial é que o “RIMA é um documento pouco lido” pelos críticos do ecocídio – como se o RIMA trouxesse respostas adequadas a ditas críticas. Na verdade, é contrário. É o governo federal e o consórcio que, com frequência, dão a impressão de não terem lido o seu próprio documento, pois a realidade insiste em, diariamente, desmenti-lo. A leitura de Paulo Sanda é breve, e aponta apenas algumas das muitas inconsistências e contradições do projeto.
18. Um negócio escuso é o único projeto para a região. É mais um da série de textos do Professor Oswaldo Sevá sobre Belo Monte, sem papas na língua: Na verdade, ninguém na região reivindicou esse mega-projeto, ele chegou de para-quedas há trinta anos e até hoje se tenta convencer as pessoas a “reivindicá-lo” como se fosse a solução para todas as carências. As pessoas na região reivindicam sim, uma estrutura escolar decente inclusive na área rural, serviços de prevenção e de tratamento de saúde adequados para uma população carente e doente numa região extensa povoada por migrantes há quatro décadas, reivindicam uma Justiça acessível e que funcione com mais rigor e rapidez. Leia a íntegra, porque vale a pena.
19. Vídeo dos estudantes paraenses sobre Belo Monte. Eles moram na região afetada. E deram o seu recado de forma bem clara.
20. Terra sem lei: Belo Monte, OEA, índios e a fratura do arco-íris, por Pádua Fernandes. É uma ótima visão panorâmica das ilegalidades internacionais envolvidas no projeto. Destaco em especial a observação certeira de Pádua acerca da queixa da Ministra da Secretaria dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, de que a cautelar outorgada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos era de “agilização desmedida”. Como bem notou Pádua, tratava-se ali de um elogio involuntário: o mecanismo da cautelar só tem sentido se for ágil … O post de Pádua também faz outra observação certeira: como governistas e oposicionistas de direita coincidem em absolutamente tudo quando se trata de Belo Monte.
21. Ocupação de Belo Monte: O recado foi dado. A matéria relata a história de um entre muitos protestos que já ocorreram e que ainda ocorrerão. O recado não poderia ser mais claro: os povos da região não querem a usina. O governo se recusa a dialogar e age, constantemente, ao arrepio da lei. Lideranças caiapó já disseram que vão resistir até a morte. Ligue os pontinhos e entenda a gravidade da situação.
22. Xingu – Réquiem para uma ilha. O texto é de André Costa Nunes, de 70 anos de idade e morador da região. Para além de todo cálculo, um relato, um testemunho sobre a Ilha do Arapujá. Para que não se perca de vista o que importa mesmo: as vidas, a vida.
23. Monumento e passagem, poema de Pádua Fernandes. Trata-se de um texto em oito partes que, para parafrasear seu autor, escreve o silêncio da forma mais ruidosa possível. O monumento, a “primeira medida oficial depois do massacre”, é a figura da desmemória. As vítimas, cujo número exato jamais foi determinado, têm seu retrato pintado com eletricidade. Todos os elementos estão lá: os ex-subversivos cooptados, a alegoria das penas de cocar remanescentes de alguma visita a um museu de história natural, o superfaturamentos, as togas empoeiradas, a demolição como imagem da preparação do futuro. Está tudo lá, para quem souber ler.
24 e 25. O brasileiro gosta de uma teoria da conspiração, por Leonardo Sakamoto, e Belo Monte: Resposta a vários usários do YouTube, por Pérsio Menezes. Estes dois textos respondem bem à maior desfaçatez entre todas as utilizadas na defesa do ecocídio: a de que os opositores do projeto estariam aliados a “interesses internacionais” que querem “travar o desenvolvimento do Brasil”. Não importa que a realidade desminta insistentemente a tese, já que o grande capital norteamericano é aliado da indústria eletrointensiva, e a China seja a grande beneficiária do modelo agroexportador capitaneado pelo atual governo. A “ingerência internacional” parece só existir quando algum diretor de cinema ou cantor de rock empresta sua solidariedade aos indígenas do Xingu. Sobre o grande capital estrangeiro e nacional com interesses pró-Belo Monte, nem uma palavra dos nossos repetidores de “informação” oficial. Até nisso o atual modelo parece copiado da ditadura militar: “estrangeiros” são os ativistas internacionais de Direitos Humanos que se solidarizam com os pobres. O capital norteamericano e chinês interessadíssimo no modelo imposto à Amazônia, ah, bem, esses aí são parte do “desenvolvimento nacional”.