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O resultado do processo político das três últimas eleições nacionais parece não ter sido suficiente para inibir – pelo menos – a arrogância dos defensores do neoliberalismo no Brasil. Permanecem resistentes como se nada houvesse mudado na sociedade, fazendo desconhecer, inclusive, a regressão socioeconômica pela qual mantiveram o país prisioneiro por quase duas décadas. No ano 2000, por exemplo, o Brasil situava-se na posição de 14ª economia do mundo, ocupando o terceiro posto no ranking do desemprego global, enquanto em 1980 encontrava-se entre as oito economias mais importantes do planeta e estava na 13ª posição do desemprego mundial.
A estabilização monetária a partir do Plano Real foi um avanço, não obstante a demora assistida até a sua obtenção, após mais de quatro anos de experimentalismo neoliberal. Por conta disso, o Brasil se tornou um dos últimos países a superar a superinflação, posto que desde os anos 1990 ela praticamente se afastou do alto patamar verificado nas décadas de 1970 e 1980. Mesmo assim, a estabilidade monetária obtida no país desde 1994 se mostrou incompleta e insuficiente para permitir a volta sustentável ao desenvolvimento nacional, uma vez que o dinamismo econômico esteve contido e extremamente vulnerável, com perversos efeitos sociais. Naquela época, por exemplo, bastava que algum país tossisse para que o Brasil registrasse uma baita pneumonia, o que foi comprovado nas crises financeiras da segunda metade da década de 1990 (mexicana, asiática e russa). Todas elas, por sinal, acompanhadas tanto pela elevação interna dos juros e da carga tributária como pela contração do gasto público e dos investimentos. O resultado era a ampliação do desemprego e a redução da participação dos salários na renda nacional. Com isso, o conjunto da renda dos proprietários (lucro, juro, aluguel e renda da terra) se mantinha inatingível e com maior presença na riqueza do país.
O contrário ocorreu em 2008, quando os países ricos se contaminaram com uma grave pneumonia que atingiu o mundo todo. O Brasil, contudo, acusou um resfriado. Um ano depois, a economia nacional encontrava-se entre as sete principais do mundo, ao passo que, juntamente com a China e a Índia, transformou-se em uma das novas locomotivas a puxar o crescimento econômico global. Evidentemente, isso não resultou de simples mágica, mas da alteração profunda nas opções de políticas econômicas e sociais desde o primeiro mandato do governo Lula. O corte gradual na taxa de juros, com suave recomposição da carga tributária, ocorreu simultaneamente à difusão dos investimentos e do gasto público, com elevação real do poder aquisitivo do salário mínimo e a ampliação da rede de proteção social. Mesmo durante a crise global do capitalismo, em 2008, o Brasil seguiu reduzindo a pobreza e a desigualdade de renda, a ponto de oferecer até 2015 o horizonte de superação da miséria e do reposicionamento da economia nacional entre as cinco mais importantes do mundo. É nesse contexto que a participação do rendimento do trabalho voltou a recuperar o terreno perdido frente à renda do conjunto dos proprietários. O quadro atual é de escassez de mão de obra qualificada, somente vivido pelo país durante a primeira metade da década de 1970.
Apesar disso, os defensores do neoliberalismo seguem atualmente inflexíveis, com críticas contínuas ao papel do Estado e ao gasto público, bem como à ausência das reformas de segunda geração (privatização do que ficou, como o Banco do Brasil, a Petrobrás, a Eletrobrás, a previdência e assistência social, entre outros). Exemplos disso não faltam e podem ser encontrados recorrentemente na mídia, como no caso dos artigos publicados no jornal Valor Econômico, no dia 13 de junho, e, especialmente, na Folha de S.Paulo, do dia 17 de junho, quando L. C. Mendonça de Barros introduziu uma novidade mágica. Ou seja, a atribuição ao governo FHC – do qual participou ativamente na privatização do setor produtivo estatal – a responsabilidade principal pela construção da nova economia brasileira. Para isso, utilizou-se do argumento central relativo à evolução real da massa de salários para negar a existência de uma “herança maldita” ao governo Lula.
Interessante a resistência dos neoliberais, sobretudo em argumentos como os adotados por Mendonça de Barros, que considera o comportamento da remuneração do trabalho desconectado da evolução da renda dos proprietários no Brasil. Destaca-se que a estabilidade monetária obtida nos governos Itamar/FHC não recompôs a distribuição entre lucros e salários, mantendo-a aberta à sangria dos juros altos e do elevado desemprego. Somente a ruptura com as políticas de corte neoliberal durante o governo Lula permitiu que a participação do rendimento do trabalho na renda nacional passasse a crescer continuamente, ultrapassando o peso relativo da renda somada dos proprietários e mista ao final da década de 2000.
Entre 1990 e 1996, por exemplo, a participação do rendimento do trabalho na renda nacional diminuiu 15,4%, com sua leve e não sustentável recuperação de 4,9% entre 1996 e 2001. De 2001 a 2004 houve nova queda de 2,1% no peso relativo do rendimento do trabalho na renda nacional, para, a partir de então, registrar a tendência de elevação dos salários acima da renda dos proprietários, cuja estimativa de aumento acumulado seria de 10,3% até 2010. Neste ano, em especial, o peso relativo do total da remuneração dos trabalhadores na renda nacional teria ultrapassado o conjunto das demais rendas pela primeira vez desde a ascensão das políticas neoliberais. Ou seja, quase 20 anos depois.
A resistência dos neoliberais segue inviabilizada pela verdade dos fatos. Seus argumentos procuram menosprezar o sucesso das políticas econômicas e sociais atuais, quando, na realidade, nada apresentam de conexão com a regressão socioeconômica da década de 1990. Apenas a ilustração referente à evolução da distribuição funcional da renda nacional permite constatar o sucesso do Brasil pós-neoliberal.
Esta coluna faz parte da edição nº 100 de Fórum.