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Tal como nas duas revoluções tecnológicas anteriores, o desenrolar de uma profunda mudança na base técnico-científica, neste início do século 21, gera tendências, que acentuam ainda mais rapidamente a natureza desigual e combinada do desenvolvimento nas economias capitalistas. Na segunda metade do século 18, o curso da revolução tecnológica, concentrada fundamentalmente na Inglaterra, foi acompanhado pelo surgimento de novos setores de atividade, que inovaram e ampliaram o conjunto do setor produtivo. Por meio de uma nova fonte de energia decorrente da descoberta do motor a vapor, o transporte e a logística ganharam impulsos inéditos. Com a indústria das ferrovias, o transporte terrestre de cargas e de pessoas evoluiu modernizando e ampliando o valor agregado do sistema econômico como um todo, especialmente para os poucos países que naquele período conseguiram se industrializar. Em síntese, o nascimento de novos setores durante a primeira revolução tecnológica foi responsável pela ampliação da competição inter e intra-setores da economia.
Da mesma forma, a evolução da segunda revolução tecnológica no último terço do século 19 trouxe, por consequência, a explosão de novos setores econômicos, que se aliaram e modernizaram o conjunto das atividades produtivas. Naquela época, o surgimento dos setores de energia elétrica, petróleo, motor a combustão, telefonia, entre tantos outros, transformaram e tornaram bem mais complexas as estruturas produtivas, sobretudo dos países que se industrializavam ou já contavam com sua indústria avançada.
Todavia, o aparecimento de grandes empresas – capazes de suportar os investimentos da revolução tecnológica e, especialmente, o tamanho das escalas de produção – terminou por alterar a competição dita perfeita, que até então se realizava por meio das forças de mercado (milhares de ofertantes e demandantes que competiam, sem que nenhum tivesse capacidade de estabelecer o preço final). A concorrência se manteve, porém, cada vez mais imperfeita, uma vez que o preço final passou a depender cada vez mais do grau de monopólio da empresa (estabelecimento de uma margem de lucro sobre o custo total de produção), tendo em conta a organização de estruturas de mercado em oligopólios (oligopsônios) e monopólio (monopsônios).
Em função das crescentes falhas no funcionamento das forças de mercado e da maior manifestação de crises, a presença do Estado assumiu papel estratégico. A regulação pública das atividades econômicas se mostrou eficiente e pertinente em todas as sociedades capitalistas, que se transformavam em urbano-industriais ao longo do século 20. Mas desde a virada para o novo século 21, houve embutida a força de uma nova revolução na base técnico-científica das economias modernas, motivada pela maior pujança dos setores terciários no interior da estrutura produtiva. Ou seja, a transmutação dos setores eletroeletrônicos em novas tecnologias de informação e comunicação (TICs), da forte evolução da nanotecnologia e do aparecimento de novos materiais, principalmente.
Na realidade, a evolução desta nova revolução tecnológica não se traduz – até o momento – no aparecimento de novos setores econômicos, que modernizem e ampliem o conjunto das atividades produtivas como nas revoluções anteriores. De um lado, a expansão das TICs não consagra um novo complexo produtivo, mas, sim, o seu infiltramento engajado em setores econômicos já existentes. Isso ocorre muito rapidamente e é conduzido por poucas e grandes empresas, que embora possam ter nascido pequenas (Google, Facebook, entre outras), crescem ligeira e praticamente sem competição. O resultado disso tem sido a brutal concentração da renda, riqueza e propriedade, motivada por uma revolução tecnológica assentada na hipermonopolização do capital. E porque não dizer do poder privado.
De outro lado, a proliferação das cadeias de produção, integradas globalmente por parte das grandes corporações transnacionais, permite cada vez mais a produção centrada fundamentalmente sobre custos mais eficientes, verificados em distintas realidades do mundo. Com isso, o comércio externo cresce ligeiramente, porém, cada vez menos realizado entre países e mais centrado no conjunto de trocas intraempresas transnacionais. São elas que lideram e conduzem os rumos do comércio internacional. O reconhecimento a respeito das novidades mais concentradas de funcionamento do capitalismo neste início de século leva à identificação de duas tendências da revolução técnico-científica atual. Inicialmente, o predomínio do ambiente de crise contínuo nas economias, recorrentemente associado à crescente presença do Estado a serviços das grandes corporações. Exemplo disso foi o tipo de intervenção estatal observada na crise global de 2008 quando, por meio do uso do fundo público, foi possível transferir parcelas significativas de recursos para a salvação de grandes empresas do colapso. Essa associação entre o fundo público e as finanças do setor privado, sobretudo das grandes corporações transnacionais, revela a força do processo de hipermonopolização do capital. Recursos que anteriormente eram escassos para as áreas de educação, saúde, saneamento, trabalho, entre outras, apareceram abundantemente, para solver do prejuízo grandes bancos e empresas não financeiras.
Convém também ressaltar o aparecimento, posteriormente, de sinais que afirmam o estabelecimento de uma classe burguesa de dimensão mundial, a partir da dissolução das fronteiras nacionais, motivada pelo avanço da revolução tecnológica, produtiva e comercial. Poucas e grandes empresas dominam cada vez mais os setores econômicos e já respondem por quase a metade do Produto Interno Bruto mundial.
No Brasil, o segmento de telefonia móvel, por exemplo, que faz parte do setor de tecnologia de informação e comunicação, tem em apenas 15 dos mais de 5 mil municípios do país a presença de mais de uma empresa em regime de competição. Ou seja, em mias de 99% dos municípios brasileiros predomina o monopólio na oferta dos serviços de telefonia móvel. Em grande medida, essa realidade sustenta serviços de baixa qualidade, aliados à exclusão social, sobretudo aos segmentos de menor renda e mais distantes geograficamente dos centros metropolitanos do país. A ausência de competição expressa os problemas do modelo de privatização escolhido pelo Brasil, indicando o simples deslocamento do antigo monopólio público (empresa estatal) para, cada vez mais, o monopólio privado (empresas privadas).
Na trajetória apresentada até o momento, a confrontação e a rebeldia deixarão de ocorrer, na medida em que o Estado tenha capacidade de interferir positivamente em função do fortalecimento dos setores produtivos e da redução da exclusão social, que marca o avanço da revolução técnico-científica. O Brasil tem condições objetivas de atuar positivamente no enfrentamento das tendências da nova revolução tecnológica.
Este artigo é parte integrante da edição 95 da Fórum.