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Desde a crise global de 2008 a maior parte dos países converge gradualmente para três distintos padrões de condução governamental, cujos resultados são, em geral, invariavelmente negativos para a economia brasileira. Ou seja, a valorização do real e o aprofundamento da heterogeneidade estrutural impõem decréscimos mais intensos nas vantagens comparativas da manufatura e serviços de maior valor agregado do que no setor primário-exportador. Assim, mesmo que ocorra a expansão da economia, o diferencial de produtividade nacional em relação à dos países ricos não se reduz, trazendo, por consequência, o risco da FAMA (combinação de FAzenda com MAquiladora) não apenas para o Brasil, mas também os países latino-americanos, caribenhos, africanos, entre outros, que possuem estrutura produtiva um pouco mais avançada.
Um primeiro padrão de condução governamental gerado a partir da crise global de 2008 fundamenta-se na reprodução do programa de ajuste fiscal tradicionalmente receitado pelo FMI, cujo resultado macroeconômico mais imediato é a maior dependência das exportações devido ao contido dinamismo da demanda doméstica. Para isso, o setor público é reenquadrado na perspectiva de que a oferta interna do setor privado se eleve com base na ampliação da competitividade das exportações, geralmente aquelas de maior valor agregado na indústria e serviços. Essa, pelo menos, vem sendo a trajetória adotada pelos governos dos países na União Europeia, especialmente liderados pela Alemanha, Inglaterra e França, para sair da crise global de 2008.
Um segundo padrão de condução governamental refere-se tipicamente às decisões adotadas nos EUA, desfavoráveis ao ajuste fiscal e voltadas, também, à expansão das exportações de bens e serviços de maior valor agregado. É o que parece sobrar para recuperar a economia na crise global, uma vez que o consumo interno permanece contido, não obstante a baixa taxa de juros e a alta liquidez de dólares. Apesar de os bancos e empresas possuírem recursos, eles não os encaminham para investimentos produtivos. Resta, portanto, a ênfase na administração das reservas em dólar e em títulos do governo estadunidense num ambiente global de aprofundamento da competição global combinado com o menor crescimento da economia mundial e pressão por redução das importações e elevação simultânea das exportações de produtos de maior valor agregado.
Um terceiro padrão de condução governamental não deriva propriamente da crise global de 2008, embora tenha adquirido aspectos especiais e adicionais desde então. Trata-se, em síntese, do aprofundamento da perspectiva asiática, que torna direta a correlação entre a expansão da produção e exportação manufatureira concomitante à elevação das importações de produtos primários, não somente do Brasil. Assim, a sequência possível da trajetória asiática se expressa pela redução dos preços de bens industriais, o que permite paulatinamente preencher parte dos espaços anteriormente ocupados pelos produtos brasileiros com maior valor agregado exportados, não obstante a sequência da continuidade da importação e valorização dos preços dos produtos primários.
Além dos três distintos padrões de condução governamental no período de saída pós crise global, constata-se também a debilidade dos organismos multilaterais em estabelecer a coordenação necessária e a sincronia perfeita no tempo das políticas governamentais entre o conjunto dos países. O resultado tende a ser a gradual desestruturação do sistema produtivo global em prejuízo dos países assentados na primarização de suas pautas de exportação e em favor dos países ricos e asiáticos de industrialização tardia. De um lado, os países ricos permanecem prisioneiros da crise global (armadilha japonesa), que torna a demanda interna frágil (contenção do consumo das famílias, retenção dos investimentos produtivos e elevada liquidez de empresas e bancos), fazendo crescer o risco da deflação dos preços industriais e a desvalorização cambial competitiva. De outro, a continuidade da ascensão de um novo centro dinâmico asiático, que cada vez mais recicla o excesso de dólares que resultam do superávit no comércio externo com investimentos na África e América Latina e Caribe. Atualmente, quase 45% do comércio mundial deriva das relações Sul-Sul fortemente estimuladas pela demanda asiática, além dos importantes investimentos diretos do exterior que já equivalem a 11% do PIB chinês utilizados, muitas vezes, na compra de propriedades fundiárias e de ativos dos grandes negócios e de empresas brasileiras. Resumidamente, parece ocorrer maior convergência do desempenho brasileiro no comércio externo com a dinâmica asiática, sobretudo no que diz respeito ao avanço dos setores de menor valor agregado.
Tendo em vista que os três padrões atuais de condução governamental se apresentam, em geral, desfavoráveis à economia brasileira, cabe ao país a continuidade da busca do seu próprio caminho, aprofundando a integração sul-americana e as relações internacionais Sul-Sul. E cabe também destacar o reforço de ações governamentais voltadas ao fortalecimento do setor produtivo, especialmente naqueles de maior valor agregado. Noutras palavras, a política governamental de substituição de importações industriais e de serviços mais sofisticados, como nos fármacos, eletro-eletrônico, tecnologia de informação e comunicação, entre outros. Simultaneamente, há o avanço nas ações governamentais de redução da heterogeneidade produtiva, com esforço sequencial de elevação da produtividade nos diferentes setores econômicos nacionais. A produção e difusão tecnológica e do crédito devem implicar o estabelecimento de novas instituições e regras que permitam descentralizar e expandir os serviços e bens generalizadamente nos setores produtivos, especialmente nos micro e pequenos negócios.
Por fim, o enfrentamento permanente do processo de valorização cambial. Medidas de maior envergadura poderiam ser implementadas à luz das experiências internacionais de contenção do excesso de dólares. O que poderia ser pior, todavia, é a adoção de medidas de ajuste fiscal capazes de conter a demanda interna.