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Na política, quando as forças conservadoras se aglutinam ao redor de um discurso, sempre é boa ideia ler os mais burros entre eles, além de ler os mais inteligentes. Naqueles, mais que nestes, você vê a estratégia formulada com clareza. Em coluna publicada na Folha de São Paulo, Danuza Leão concluiu longa lista de elogios a Marina Silva dizendo: “seja bem-vinda, Marina”. Terá acontecido alguma conversão repentina da madame carioca às causas ambientais? É evidente que não, e nem ela teria massa encefálica suficiente para fingi-lo. As razões do júbilo estão ditas explicitamente no artigo: “Minha única esperança, atualmente, é a entrada de Marina Silva na disputa eleitoral, para bagunçar a candidatura dos petistas”. Como disse Celso Barros, em seu excelente blog “Na Prática a Teoria é Outra”, imagine Marina lendo isso e pensando: “é impressão minha ou ela está me elogiando, mas não quer que eu ganhe?”
Danuza Leão entrega de bandeja a verdadeira raiz do súbito deslumbramento da mídia brasileira com Marina Silva. A direita de repente descobriu os adjetivos “ambiental” e “sustentável”, para os quais ela sempre havia se lixado. Em duas semanas, uma demissionária recebeu mais espaço midiático que havia recebido em 25 anos a líder ambientalista, companheira de Chico Mendes e posterior ministra do governo Lula. A própria Folha, serrista até a medula, noticiou que foi o acosso do governador de São Paulo ao Partido Verde a origem da “opção Marina” para as eleições presidenciais. 24 horas depois de se desfiliar do PT, Marina teve o gosto amargo da manipulação midiática. O Globo estampava em manchete uma frase atribuída a ela: “Governo Lula é insensível às questões sociais”. Ainda estava fresca a tinta da carta de despedida em que Marina ressaltava as conquistas do governo na área social. A manchete era uma manipulação grosseira e o jornalão dos Marinho teve que engolir um desmentido na tribuna do Senado Federal, sendo forçado a retificar a citação. Claro que O Globo não teve a dignidade de publicar o desmentido no mesmo espaço. Manchete mentirosa na página 1, correção posterior na página 12.
Tudo isso independe de Marina. Ela sabia que será a querida da mídia enquanto os setores serristas da elite brasileira depositarem nela a esperança de sabotar a candidatura de Dilma. Com certeza não é esse o projeto que a move, por mais que persistam mágoas da sua trajetória de derrotas na máquina federal. A aposta de Marina é driblar as manipulações às quais sua candidatura se presta e instalar no interior do debate de 2010 a questão ambiental que lhe é tão cara, acumulando forças para um movimento posterior mais amplo. Neste sentido, as comparações com Fernando Gabeira e Soninha Francine são completamente inadequadas. Gabeira saiu da base de sustentação do governo Lula aos 5 minutos do primeiro tempo, num momento em que não estava claro para ninguém qual era o lugar real de que ele desfrutaria para brigar por espaço no interior da coalizão governista. Fez o caminho mais fácil, o único que lhe restava, afinal, posto que já em 2003 era nítido que ele pensa seu lugar como antagônico em relação à esquerda. Daí aos braços de César Maia foi um pulo. A comparação entre Marina e Soninha, por outro lado, chega a ser insultante: a atual sub-prefeita da Lapa jamais foi líder de movimento social nenhum e nunca representou qualquer visão independente da política que fosse além de um moralismo adolescente de classe alta.
Marina é outra coisa e qualquer petista com história no partido sabe disso. Por isso foi inteligente e apropriada a carta aberta “À companheira Marina”, assinada por petistas ligados à Democracia Socialista. Ancorada na reivindicação de que a esquerda ouça com mais atenção a voz dos ambientalistas, a carta foi lançada quando já estava claro que Marina sairia do partido. Como apelo, foi inútil. Mas isso não retira sua eficácia já que a carta ajuda a convivência entre as duas candidaturas: o embate entre elas só interessa a Serra. É provável que Marina tire votos de Dilma, mas dificilmente ela se prestará a uma estratégia de desgaste da candidatura governista. Num eventual segundo turno entre Dilma e Serra, Marina sabe que estaria rifando toda a sua trajetória política se optasse por um apoio ao truculento governador de São Paulo, cujo sobrenome é a alegoria do que Marina combate em sua militância.
Do ponto de vista de Marina, a saída terá valido a pena? Se falamos de visibilidade a curto prazo, sim. Para além disso, a minha aposta é que não, e já convidei, inclusive, os que me acompanham no Twitter (@iavelar) para que me cobrem em três anos. O momento de abandono de um projeto político progressista é sempre difícil. No caso de um governo que retirou quase 20 milhões de brasileiros da pobreza, pagou a dívida externa, criou centenas de milhares de vagas no ensino superior e expandiu de forma inédita o microcrédito, as moradias e as farmácias populares, entre tantas outras conquistas, há que se ter muita clareza sobre quais são as perspectivas estratégicas na saída – a não ser que a estratégia seja manter-se na posição daquele sujeito puro e incontaminado que está sempre alijado do jogo político real. E Marina, com certeza, não tem vocação para ser o equivalente ambientalista do PSTU.
A ruptura com um projeto como o petismo só teria condições de oferecer uma alternativa a partir de uma mínima base social. O Partido Verde, apêndice dos pefelês no Nordeste, sigla de aluguel em Minas e em São Paulo, com penetração carioca restrita à classe alta, não tem relação com qualquer luta social importante no Brasil das últimas décadas, incluindo-se aí a luta ambientalista. Por isso, discordo de quem acredita numa “revitalização” do partido com a entrada de Marina. Um partido político progressista se revitaliza a partir de seus laços com o movimento real da sociedade. Marina é uma gigante, mas não transformará uma sigla de aluguel numa alternativa real de poder. É bem provável que, passado o deslumbramento atual da mídia e as eleições de 2010, ela chegue à conclusão de que cometeu um erro estratégico. Ao contrário de Heloísa Helena, Marina não saiu do PT queimando pontes. É importante que o PT também não as queime.
Este artigo é parte integrante da Edição 78 da Revista Fórum