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Há um indisfarçável mal estar no conjunto da sociedade humana. A opção dominante pela atual organização material da economia transformou-se num dos principais constrangimentos ao avanço coletivo do bem estar social. Nos dois últimos séculos, a organização econômica em torno da primazia do ter tornou-se materialmente insaciável tanto quanto os desejos subjetivos podem permitir. Assim, ganham relevância os limites gerados por decisões fundadas exclusivamente no progresso material.
De um lado, estão os limites da relação entre o crescimento e a desigualdade social. Neste começo de século, percebe-se que apenas 25% da população concentram 75% da produção mundial, enquanto menos de 1.500 mil clãs (0,2% da população mundial) respondem por mais de 50% da riqueza global. Por fim, cerca de 500 corporações transnacionais ameaçam dominar todos os setores de atividade econômica.
Parece nítida a desgovernança mundial frente à pequenez das organizações multilaterais constituídas no segundo pós-guerra (ONU, Bird, FMI) e suas formas de atuação neste cenário. Hoje, o gigantismo do poder econômico encontra-se cada vez mais concentrado e o peso das grandes corporações supera a força de muitas nações. No ano de 2006, por exemplo, as três maiores empresas transnacionais do mundo registraram faturamento superior ao Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
Na mesma marcha de concentração da riqueza e do poder econômico, tornam-se evidentes os limites da relação entre crescimento e sustentabilidade ambiental. Na organização da economia para o ter, a tendência de destruir os recursos naturais como base do progresso material já produz diversas catástrofes, sem contar com aquelas já antecipadas pelos estudos sobre o aquecimento global. Na toada atual, a Sibéria se transformaria em um pântano; e a Amazônia, em uma savana.
A continuidade da generalização do modelo de organização econômica dos países ricos não levará à homogênea universalização do bem estar global. Pelo contrário, conforme explicou Celso Furtado, a reprodução mimética do padrão de crescimento dos ricos entre as nações periféricas resulta na internalização aprofundada do subdesenvolvimento, com a necessária marginalização de parcelas crescentes da população para viabilizar o regozijo do consumo conspícuo de poucos.
Da mesma forma, a insustentabilidade ambiental decorrente da atual organização econômica exige a reconsideração da riqueza do ter. Enquanto nos países ricos o consumo material ao ano supera 70 toneladas per capita, nas nações pobres ele não alcança ainda 30 toneladas. Vale lembrar que a produção de um barril de petróleo responde por cerca de três toneladas de dejetos, bem como a obtenção de um metro cúbico de madeira tende a equivaler a três metros cúbicos de árvore perdida. E a plantação de um hectare de soja pode resultar em até 20 toneladas de solo comprometido.
Outro padrão civilizatório precisa ser constituído no mundo. O ser humano e o meio ambiente não podem permanecer em segundo plano. A organização da economia deve ser o meio necessário para o atendimento do desenvolvimento humano sustentável, o que significa dizer que os bens não devem ser valorizados intrinsecamente, mas em conformidade com a sua capacidade de proporcionar o avanço do bem estar de toda a humanidade com a menor agressão possível ao meio ambiente. Do contrário, prevalecerão as duas categorias básicas de homens a se manterem no porão do navio: os pobres excluídos da dignidade humana e os ricos condenados à solidão e à lógica da rivalidade.
(Este é um trecho do livro de Marcio Pochmann Qual desenvolvimento?, já à venda na página eletrônica www.publisherbrasil.com.br). Publicado na Fórum 71.