DIREITO DE SER E SONHAR

5 em cada 10 brasileiras reconhecem que machismo é barreira para conquistar seus sonhos

Pesquisa da ONG Think Olga mostra que mulheres sonham para além da segurança e da estabilidade financeira

Escrito en MULHER el

O estudo "Os Sonhos Delas", desenvolvido pela ONG Think Olga e obtido pela Fórum, traz à público as questões de gênero e suas intersecções no Brasil. Na pesquisa divulgada em fevereiro, as pesquisadoras traçaram um panorama subjetivo sobre o impacto do machismo nos desejos e sonhos das mulheres brasileiras.

Da infância à fase adulta, a pesquisa mostra que ao crescer o exercício de sonhar e também viver uma vida segura, livre e com oportunidade de carreira após os 18 anos se torna cada vez mais difícil para 7 em cada 10 brasileiras. Pelo menos 46% delas destacam que a discriminação é uma barreira que afeta a realização dos seus sonhos e anseios.

As principais formas de discriminação sentidas são o machismo e preconceito por classe social. Metade das pessoas das classes DE sentiram que a discriminação impactou negativamente suas capacidades de realizar sonhos. Para as classes AB, esse número foi menor. De acordo com a organização, mulheres pretas sentem mais o impacto de não realização: 5% a mais que mulheres brancas ao ansiar algo para a própria vida.

Atualmente 60% delas sonham com estabilidade financeira. A força desse sonho tem mais evidência na vida adulta (atual) e decai na juventude – embora permaneça relevante para 44% delas. Segundo dados da ONU, 70% das pessoas em situação de pobreza são mulheres. Na América Latina, 30% das mulheres vive em situação de pobreza multidimensional. Retrato de que a baixa renda tem gênero.

“A gente vai sonhar a partir da nossa experiência com o mundo. Nessas cosmovisões, o sonho tem o lugar de trazer informações. O sonho não é separado do sujeito. A dimensão inconsciente da experiência também é socializada, ela tem gênero, ela tem idade, ela tem medida”, destaca a psicóloga e psicanalista Adriana Barbosa Pereira no estudo.

Foram entrevistadas 1.080 mulheres com idades entre 18 a 89 anos e 22 mulheres em entrevistas espontâneas na grande São Paulo para mapear os sonhos, planos e aspirações de mulheres em diferentes idades. A maioria dos sonhos em todas as fases da vida e em todas as condições sócio-econômicas é viajar e conhecer o mundo, segundo as pesquisadoras.

Foto: Reprodução / Relatório Think Olga

A psicanalista explica que viajar é uma forma de resistência feminina, já que a “viagem tem a dimensão da experiência do prazer, do lazer. E a experiência de férias, de relaxamento é uma questão feminina radical. ‘Eu não consigo descansar na minha casa, eu preciso ir pra uma casa que não é a minha’. E tem uma dimensão da fantasia, de poder assumir um outro lugar, uma outra forma. Esse desejo de alteridade, de viver outra coisa.”

"Sonhar é deixar que uma subjetividade continue existindo, que ela não seja silenciada, apagada por essas grandes tensões. Sonhar é uma forma de resistir"

Sonhos mudaram ao longo das gerações com avanços do feminismo

Os sonhos mudam com a idade e a fase da vida, mas o desejo de viajar pelo mundo permanece constante. Entre as diferenças mais marcantes está a de que 53% das mulheres mais jovens se interessam pela construção de uma carreira, enquanto as mais velhas priorizam a saúde física e o bem-estar mental.

De acordo com o relatório, a flexibilidade na forma de se relacionar e a possibilidade de autonomia não só financeira mas também emocional abrem novas formas de estar no mundo para as meninas hoje. Nesse contexto, a idealização do amor romântico perde espaço para a busca da realização e autonomia. Três em cada quatro mulheres já desistiram de algum sonho, e, para a maioria (70%), a principal barreira foi a falta de dinheiro.

“À medida que você vai vendo várias gerações que não puderam ser elas mesmas, você quer ser tudo ao mesmo tempo", disse uma das mulheres entrevistadas pela ONG. 

Nove em cada 10 brasileiras dizem que puderam ter sonhos mais diversos que o das mães e avós. Isso se deve aos avanços, alcance e transformações sociais proporcionados pelo movimento feminista nos últimos 100 anos.

Foto: Reprodução / Relatório Think Olga

"Os meus sonhos foram mudando porque eu fui me conhecendo melhor, porque eu fui conhecendo minhas raízes, as mulheres da minha família. Muitas delas não puderam sonhar ou quando sonharam foram atravessadas por doenças, por violências e isso faz com que a gente mude a forma como a gente pensa o sonho”, relatou uma mulher de 36 anos.

88% das entrevistadas perceberam impactos positivos das mudanças sociais e do movimento feminista nas oportunidades e possibilidades de novos sonhos em todo o mundo, mas apontam que as políticas públicas precisam melhorar para que as mulheres possam sonhar mais e se realizarem ao longo da vida. São elas: o acesso a trabalho de qualidade e altos salários, educação e investimento e combate à violência de gênero, seja simbólica, psicológica ou física.

Foto: Reprodução / Relatório Think Olga

Uma das entrevistadas, de 34 anos, destacou a necessidade de uma educação feminista para os homens desde a infância. “Meus sonhos, são muitos! Eu tenho dois sobrinhos, um menino e uma menina, e um dos meus sonhos é que eles sejam muito felizes. Falando um pouco da menina, eu quero que ela não passe por muita coisa que eu passei por ser mulher e meu sobrinho eu quero que ele seja um homem melhor do que muitos que eu conheci.”

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