ASSÉDIO

Professor da Unesp usava iniciação científica para abusar de estudantes calouras

Relato de alunas e ex-alunas revela que o professor Marcelo Magalhães Bulhões possuía um modus operandi para enganar as estudantes e assediá-las sexualmente

Professor da Unesp usava iniciação científica para abusar de estudantes calouras.Créditos: Reprodução/ redes sociais
Escrito en MULHER el

No dia 1º de julho o campus de Bauru da Universidade Estadual Paulista (Unesp) amanheceu com cartazes ilustrados com mensagens de texto de teor sexual: "Vou te comer em pé em alguma rua da cidade. E fazer você chupar o meu pau" e "Quero muito comer seu cu. E que passe o dia chupando o meu pau". Ao lado das mensagens, o nome e o rosto de Marcelo Magalhães Bulhões, professor adjunto do departamento de Ciências Humanas da universidade. 

À revista Marie Claire, algumas alunas e ex-alunas de Bulhões - nove ao todo - deram depoimento que revelam um modus operandi. 

Segundo o relato das estudantes, que sofreram assédio e tentativa de abuso entre os anos 2011 e 2022, as cenas envolvem toques não consentidos. 

O professor usava a Iniciação Científica (IC) para ludibriar as estudantes calouras que vinham de outras cidades com idade entre 18 e 19 anos. De acordo com os relatos, o docente vinha com a promessa de uma orientação para iniciação científica e as convidava para tomar um vinho ou café fora do campus. A partir daí, um comportamento invasivo por parte dele começava a acontecer. 

Fryda*, que entrou no curso de jornalismo da Unesp em 2011 relata que recebeu alertas de estudantes veteranas para tomar cuidado com o professor Bulhões. 

"Comigo, e desde o começo, ele sempre foi de tocar no cabelo e braço. Também me pedia para escrever algo no quadro ou distribuir provas e me chamava de 'lindinha'. Eu tinha 18 anos e isso já me incomodava, mas eu não sabia nomear. Tinha acabado de sair da casa da minha mãe, então não tinha maturidade para entender por que o comportamento dele me constrangia, ninguém ainda enxergava um assédio", relata Fryda. 

As aulas com o professor aconteceram apenas nos dois primeiros semestres do curso, portanto em 2012 Fryda já não o encontrava em sala de aula. Em 2013, Fryda vivenciou uma "situação incômoda". 

"Estava com uma amiga e fomos para um bar que era o point dos estudantes da Unesp. Quando cheguei, vi uma mesa de professores do DCHU (Departamento de Ciências Humanas). Estavam o Bulhões, o Losnak (Célio José), o Arlindo (Rebechi Junior) e o Zeca (José Carlos Marques). Escolhemos uma mesa mais ao fundo e antes de a gente pedir e decidir o que beber, o Bulhões sentou na nossa mesa. Ele começou contar histórias de quando estava na França enquanto olhava fixamente para mim, e depois começou a falar que nunca tinha esquecido um trabalho que fiz na disciplina dele, que lembrava como se fosse ontem a primeira vez que fui na sala dele. Ele disse que eu estava de cachecol… Fui ficando assustada porque ele ia citando detalhes que eu não tinha guardado. Ao fundo, os outros professores apontavam para a nossa mesa e riam. Ele não era um cara normal que eu podia xingar e falar para sair. Eu não tinha mais aulas com ele, mas era um professor da Unesp e tinham outros professores lá", recorda.

"Pouco depois, Bulhões disse que tinha que buscar o carro dele na Unesp, mas que era para esperarmos ele voltar para tomar um vinho na casa dele. Eu disse que esperava e ele também pediu nosso e-mail. Passei porque queria que ele fosse embora logo. Assim que saiu, nos levantamos e fomos embora correndo, desesperadas. Minha amiga me deixou em casa; eu estava super abalada. Aí um dia eu estava em casa e chegou um e-mail dele, via e-mail institucional, dizendo que foi muito bom me encontrar. Não respondi. Alguns dias depois, ele mandou outro dizendo que aquele encontro havia sido incrível porque me viu sorrir e estava pensando no meu sorriso", continua Fryda.

"Não me mandou mais e-mails, mas toda vez que a gente se encontrava, tocava em mim. Teve uma vez que estava conversando com uma amiga e ele passou e puxou meu cabelo, como se tivéssemos uma intimidade que nunca dei pra ele. Já em 2015, quando eu estava me formando, uma das minhas amigas foi orientanda dele e no dia da banca ele simplesmente não parou de me olhar, ficou me secando e todo mundo percebeu. Até os pais da minha amiga perceberam e me perguntaram o que estava acontecendo."

Um ano após a entrada de Fryda no curso de jornalismo, em 2012, Thaeme*, então com 19, ingressou no mesmo curso e afirma ter sido também vítima de assédios de Bulhões. "Recebi um e-mail dele, que dizia que tinha uma proposta pra me fazer e queria que a gente se encontrasse. Achei estranho, mas acabei indo pra tal reunião, na qual ele disse que tinha gostado do meu trabalho e queria fazer uma iniciação científica. Nas reuniões seguintes, ele não falava mais sobre a iniciação. Falava sobre a família dele, que tinha alguma história na minha cidade de origem e foi ficando cada vez mais intensa a insistência em perguntar sobre a minha vida. Ele também falava sobre minhas relações pessoais na universidade e eu me sentia vigiada, porque ele sabia até de quais grupos de estudo eu participava", conta.

"Ele também insistia para marcar as reuniões à noite, apesar de ter um horário de atendimento durante a tarde, até que começou a ter comportamentos como ficar me olhando em silêncio e sorrindo, passar a mão no meu cabelo ou tentar pegar na minha mão e no meu braço. Uma vez, marcou uma reunião às 22h30 e, como acabou se estendendo, perdi o último ônibus. Ele se ofereceu para me levar para casa, mas disse que antes a gente ia lanchar. Eu achei que a gente ia na cantina e como não tinha dinheiro para pagar um táxi aceitei, mesmo receosa", continua.

Foi nessa situação que as supostas tentativas de assédio de Bulhões contra Thaeme teriam se intensificado. O professor teria dito que iria apresentar um novo lugar para a aluna e que estava animado por finalmente estarem juntos, enquanto apertava a perna dela.

"Nessa hora caiu a ficha do que estava acontecendo e fiquei paralisada. Durante o lanche, tentei ir embora várias vezes, mas ele me prendia lá e cada vez mais tentando uma aproximação que eu não queria. Ele tentava passar a mão no meu rosto e na minha boca e dizia que eu deveria entender que existem coisas que precisam ficar separadas da Unesp, que nem tudo é bom sair comentando, que eu deveria ter cuidado com o que falava e como falava. O tempo foi passando e eu aumentava a insistência em ir embora, cortava todos os assuntos e desviava de maneira mais brusca todas as vezes que ele tentava se aproximar. Ele foi ficando irritado e quando entramos no carro para ir embora, começou a ser mais claro na abordagem, falando que não me queria só como aluna, que tinha se desgastado para estar comigo, que tinha ciúmes de mim, que não gostava nem de pensar em eu fazendo outro projeto com outro professor. Toda hora eu dizia não, que não queria, que não concordava com aquilo."

"A cada recusa, ficava mais violento no volante: acelerava o carro, freava do nada, fazia curvas fechadas e cantava pneu. Via que eu estava assustada e usava como desculpa para encostar em mim. Quando finalmente chegamos na minha casa, não queria me deixar sair do carro, ficou segurando minha mão, pedindo que eu pensasse melhor e tentando me puxar mais pra perto dele", diz Thaeme.

Thaeme avisou ao professor que havia desistido da pesquisa e iria procurar outro orientador. Nesse momento, a aluna achou que estaria livre dos assédios, mas a situação teria persistido.

"Ele continuava surgindo no meio do meu caminho, não tirava o olho de mim, perguntava sobre mim para os meus colegas, mandava outro professor me entregar um recado e falava para o meu novo orientador que ele tinha me roubado dele. Cheguei a fazer as malas para ir embora e desistir da Unesp. Isso tudo afetou a minha graduação. Desisti de fazer iniciação científica, mestrado e não ficava sozinha no campus. Me afastei de várias atividades acadêmicas, por medo de encontrar com ele, de ser encurralada novamente e do que ele teria contado para outros professores. Também desisti de trabalhar com outros temas que gostava porque eram ligados à linha dele", relembra.

A íntegra dos depoimentos pode ser conferida aqui. 

O professor Bulhões foi afastado por 180 dias da Unesp na última quarta-feira (6) e afirmou que investiga o caso. A instituição também declarou que uma Comissão de Sindicância foi instaurado para apurar as denúncias de assédio sexual feitas por alunas e ex-alunas. O professor nega as acusações e afirma que é vítima de uma campanha difamatória.

 

*Os nomes foram alterados a pedido das entrevistadas