PARTO HUMANIZADO

Parto na praia: quais os riscos para mãe e bebê de parir como no vídeo que viralizou nas redes sociais

Médica obstetra Gabriela Bezerra explica por que um parto desassistido pode trazer diversos perigos e é diferente de um parto humanizado domiciliar planejado

Créditos: Divulgação/@raggapunzel
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O vídeo de Josy Peukert, 37, dando à luz seu quarto filho numa praia na Nicarágua viralizou nas redes sociais e deixou muita gente chocada. “As ondas tinham o mesmo ritmo das contrações, aquele fluxo suave me fez sentir muito bem”, contou Peukert em entrevista ao site Jam Press. "A areia vulcânica macia sob mim me lembrou que não há mais nada entre o céu e a terra, apenas a vida.” Estavam no local apenas Josy e o pai do menino, Benni Cornelius, nenhum médico, enfermeiro ou parteira.  

Mas afinal quais são os riscos de um parto desassistido no mar? Para a ginecologista e obstetra Gabriela Bezerra existem inúmeros, tanto para a mãe como para o bebê.

“Esses partos desassistidos, que têm sido falado bastante, principalmente fora do Brasil, têm riscos de hemorragia para a mãe, distocia de ombro para o bebê, o que pode fazer o bebê ficar preso e sem nenhum profissional da área para ajudar. Tem risco para o bebê de hipotermia, de infecção. Na água, na praia, pode haver esse risco, mesmo uma infecção para a mulher. Então são inúmeros riscos, tanto para ela, quanto para o bebê”, explica Gabriela.

De acordo com a médica, a hipotermia é um dos maiores riscos. “Os bebês quando nascem não estão completamente preparados para regular a própria temperatura. O bebê que nasce tem que ser aquecido, ficar no colo da mãe aquecido o máximo possível. Muitas vezes dentro do hospital, e com todo aparato necessário para esquentar o bebê, a gente tem que colocar um bebê na UTI por hipotermia, por exemplo, porque é difícil que ele consiga regular a sua própria temperatura.“

Parto domiciliar planejado é diferente de parto desassistido

Num de seus relatos, Josy diz que não teve consultas médicas ou exames, ou qualquer influência externa durante o parto. “Não tínhamos uma data de vencimento ou prazo para o bebê chegar, apenas confiávamos que nosso bebê chegaria. Apenas eu, meu parceiro e as ondas. Foi bonito”, disse a norte-americana. Ela contou ainda que o parto de seu primeiro filho foi numa clínica e que os outros dois nasceram em casa com a ajuda de parteiras.

Para a obstetra Gabriela Bezerra, o parto desassistido num local como uma praia é totalmente diferente de ter um parto planejado domiciliar, por exemplo. “Ao contrário do que muitos médicos mais tradicionais dizem, existem muitos estudos de fora do Brasil dizendo que não é mais arriscado você ter um parto domiciliar planejado. Isso que estamos dizendo é diferente, é importante salientar, esse vídeo não é de um parto planejado. É um parto sem assistência. O parto domiciliar planejado é totalmente diferente disso”, afirma.

“Geralmente quem atende esse tipo de parto são duas enfermeiras, ou parteiras obstetras, obstetrizes, que são capacitadas para atender mãe e bebê em caso de uma emergência. E quando alguns médicos se colocam contra esse tipo de parto, estão pensando que é esse do vídeo, que é desassistido”, alerta Gabriela Bezerra.

Gabriela ainda lembra que muitas mulheres que pensam em fazer um parto domiciliar acabam indo para um hospital.  “A taxa de transferência em um parto domiciliar beira 50% em alguns lugares. Qualquer coisa que aconteça fora do comum durante o trabalho de parto, é preconizada a transferência hospitalar desta mulher.”

A médica explica que é preciso estar com a mãe e o bebê  monitorados na casa dela. "É importante por isso, porque a gente sabe o momento certo de intervir. Existem múltiplas orientações, inclusive, não é toda mulher que pode ter um parto domiciliar planejado. São mulheres com pré-natal de baixo risco, não podem morar longe da assistência hospitalar, de onde ela vai ser atendida, tem que ter um plano B muito bem desenhado para esses casos."

Equipe médica deve respeitar a vontade da mulher

O Brasil ocupa o segundo lugar em taxas de cesarianas do mundo, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2021, com 55% do total de partos sendo cesáreas, enquanto o que é considerado ideal seria entre 10 e 15%. Em relação à violência obstétrica, o Brasil também atinge níveis altos. Segundo levantamento Nascer no Brasil, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), de 2012, 30% das mulheres atendidas em hospitais privados sofrem violência obstétrica, enquanto no Sistema Único de Saúde (SUS) a taxa é de 45%. Com esses índices, muitas mulheres acabam buscando partos onde elas tenham seus desejos respeitados, o que fez crescer um movimento pelo parto humanizado no País, inclusive fora do ambiente hospitalar. 

Obstetra Gabriela Bezerra: "Só existe parto humanizado porque há assistências completamente desumanas"

Gabriela explica que o termo parto humanizado não deveria nem existir. “Só existe porque existem em sua maioria assistências completamente desumanas, completamente violentas, e sem medicina baseada em evidência. Sem evidência científica que sustente as atitudes ou os procedimentos que são realizados. Só por isso existe o termo parto humanizado. Todos nós deveríamos seguir a humanização do parto. Porém quando a gente fala em humanização do parto o que a gente está querendo se referir são três pilares: transdisciplinaridade, medicina baseada em evidência e a mulher no centro. A mulher sendo dona do próprio corpo e podendo optar e opinar dentro do contexto obstétrico dela. E um parto que respeita as vontades da mulher.”

Um parto humanizado pode ser realizado, inclusive, dentro de um ambiente hospitalar, onde a mulher deveria ser respeitada e não precisaria buscar uma praia isolada sem assistência. “O hospital tem regras e essas regras hospitalares são para que a gente tenha uma segurança maior dentro do hospital, e precaver o hospital e os médicos de processos etc. A gente se encaixa com as regras do hospital e a mulher tem que estar ciente, porém ela tem a autonomia de movimento, pode parir na posição que ela deseja, ela tem que ser respeitada, ela tem que ser tratada pelo nome, ela e o marido serem tratados pelo nome. O bebê tem que ser respeitado também. Procedimentos desnecessários não são aceitos. Se o bebê nasceu, chorou e está bem, ele não precisa de aspiração, ser esfregado para tirar o vérnix [substância que cobre a pele dos recém-nascidos]. A humanização do parto é basicamente respeitar os desejos daquela mulher, e integrar a equipe dentro dos cuidados dela.”