Caso Mari Ferrer: absolvição de empresário é "aberração jurídica", diz advogada

À Fórum, duas advogadas especializadas em direitos das mulheres criticaram duramente a decisão do TJ que manteve a absolvição do acusado de estuprar influenciadora; "Violência institucional e machismo enraizado"

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O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) manteve, nesta quinta-feira (7), a absolvição do empresário André de Camargo Aranha, de 44 anos, acusado de estupro de vulnerável pela jovem influenciadora Mariana Ferrer. A decisão foi unânime: 3 votos a 0.

Ela acusa o empresário de tê-la dopado e estuprado em uma festa na badalada casa noturna, Café de La Musique, em Florianópolis (SC), em 2018. À época, ela tinha 21 anos e era virgem e o caso ganhou repercussão nacional, gerando protestos em todo o país.

Aranha havia sido absolvido, em primeira instância, em setembro de 2020, em decisão do juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis (SC). A audiência, na ocasião, foi marcada por ataques de Claudio Gastão da Rosa Filho, advogado do suposto abusador. Ele mostrou fotos das redes sociais de Mariana Ferrer, classificando-as como “ginecológicas”, e afirmou que “jamais teria uma filha” do “nível” da vítima. “Também peço a Deus que meu filho não encontre uma mulher que nem você”, atacou.

A defesa de Mariana, após a absolvição de Aranha, então, ingressou com pedido para a revisão da sentença em primeira instância, que foi negada nesta quinta-feira pelo TJ-SC.

À Fórum, a advogada Andrea Costa, especialista em direito penal e palestrante sobre combate à violência contra a mulher, criticou duramente a decisão judicial e afirmou que a manutenção da absolvição de Aranha "nos traz um grave abalo na luta em defesa das mulheres, principalmente nos crimes de ordem sexual".

"Nós sabemos e é nítido, público e notório, que há uma subnotificação neste tipo de crime, por conta da vergonha, por conta de se entender que não haverá justiça. Por entender que você vai expor uma situação dessas e denunciar um crime dessa esfera que ocorrem em situações onde só temos a palavra da vítima e a palavra do autor. A vítima se sente indefesa, insegura e com medo de que, ao se expor, ela que será julgada e condenada diante a sociedade", analisa.

Também ouvida pela Fórum, Mariana Nery, advogada especializada em direito da mulher, afirma que o caso de Mariana Ferrer é "mais um que demonstra duas coisas muito latentes no Brasil: a cultura do estupro e naturalização da violência institucional que nós, mulheres, sofremos no Judiciário, seja como parte, como vítima ou como advogada".

Segundo Mariana Nery, neste caso ocorreu estupro de vulnerável, crime previsto no artigo 217 A do Código Penal, descrito desta maneira: "ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos é crime e incorre nas mesmas penas quem submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato ou que por qualquer outra causa não pode oferecer resistência”.

"O caso da Mariana se enquadra neste tipo penal, pois ela estava embriagada e incapaz dar o consentimento para o ato sexual", atesta a advogada.

Agressões na audiência e "estupro culposo"

Na audiência em que Mariana Ferrer foi constrangida pelo advogado de Aranha, o juiz do caso aceitou a argumentação do Ministério Público, que afirmou que não havia como o empresário saber que a vítima não estava em condições de consentir a relação sexual.

Com isso, se há erro de tipo, o crime deveria ser punido na modalidade culposa. Contudo, estupro não é um crime que pode ser punido nessa modalidade e, nas redes sociais, se espalhou o termo "estupro culposo".

"Nós infelizmente temos uma criação absurda que é um estrupo culposo. Não existente no nosso Código Penal. Nós temos uma desconsideração à palavra da vítima. Nós temos uma vítima que passou por uma série de constrangimentos. Ela foi vilipendiada na sua moral, no seu caráter ao enfrentar e ser submetida a um grave constrangimento, por um crime onde ela era a vítima", afirma a advogada Andrea Costa.

"E a gente tem essa tristeza que são as sentenças e as decisões machistas do judiciário, que ainda sobrepesam com a palavra do autor do fato, do agressor, sobre a palavra da vítima, que é a parte frágil da situação", prossegue.

Mariana Nery vai na mesma linha: "O papel do Ministério Público é de defensor da pela vítima. Porém, no caso da Mariana Ferrer, o promotor produz um parecer tentando afastar a prática criminosa, atuando a favor do agressor. Tentam afastar a conduta criminosa por erro de tipo alegando que o agressor não tinha a intenção, o dolo, a vontade de agir para consumar o crime. O único problema é que não existe estupro na modalidade culposa, ele sempre é um crime doloso, quando o agente tem a intenção, a vontade de praticar o crime".

De acordo com a advogada, o caso, legalmente falando, deveria girar em torno do consentimento da mulher. "Ao invés disso, o MP aparece uma tese estapafúrdia para tentar afastar o crime por erro de tipo. Esse absurdo jurídico pode ser igualado tese da legítima defesa da honra. Ambas se baseiam na ideia de que a sexualidade da mulher é irresistível aos homens e que nós os corrompemos e devemos nos esconder para evitar a violência", critica.

Em março, a Câmara aprovou o Projeto de Lei Mariana Ferrer, que pune ofensa à vítima durante um julgamento.

A especialista em direitos das mulheres avalia a conduta do juiz do caso como "grosseira, machista e insensível" e ainda classifica de absolver Aranha como uma "violência institucional e "aberração jurídica". "É, também, um espelho da nossa sociedade machista, onde vemos o corpo da mulher a serviço do patriarcado", pontua.

Para Andrea Costa, o caso mostra que as vítimas de crimes do tipo não encontram "justiça na Justiça" e que isso vai fazer aumentar ainda mais o silêncio com relação à violência sexual e subnotificações dos casos.

A defesa de Mariana Ferrer, com a decisão judicial, deve agora recorrer à instâncias superiores, como o Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ).