Escrito en
MULHER
el
A adolescência é naturalmente uma fase de questionamentos sobre as normas de conduta impostas pela sociedade; para muitas meninas, é também um momento de libertação das amarras que criam um padrão comportamental rígido e opressor, bem diferente do tratamento dispensado aos garotos
Por Maíra Streit
Esta é uma matéria da Fórum Semanal. Confira o conteúdo especial da edição 211 clicando aqui
“É menino ou menina?”. Essa é, talvez, uma das perguntas mais escutadas pelas gestantes até a chegada do bebê. A curiosidade pode até parecer inofensiva a princípio, mas já começa a moldar, pelas diferenciações de gênero, uma vida prestes a chegar ao mundo. À medida que a garota vai crescendo, ela é cercada de panelinhas, fogões, bonecas e toda uma gama de brinquedos que indicam o caminho a ser seguido: o da domesticação imposta pelo machismo.
Se na infância os vestígios de uma criação patriarcal quase sempre passam despercebidos, quando chega a adolescência a situação é um pouco diferente. É nessa fase que as contestações sobre tudo o que nos cerca ficam mais evidentes e as normas de conduta são questionadas. Para muitas meninas, esse é o momento de libertação das amarras que criam um padrão comportamental rígido e opressor, bem diferente do tratamento dispensado aos garotos.
Foi assim com a estudante Ísis Ribeiro, de 17 anos, mais conhecida pelo apelido de “Amora”. Ela conta que, no colégio onde cursa o último ano do Ensino Médio, não foram poucas as vezes em que precisou ouvir piadas machistas e outras manifestações que se referem à mulher de uma forma degradante. E essa atitude surge também dos próprios professores. “Falam coisas absurdas. É bem mais difícil porque ali tem uma relação muito hierárquica”, explica.
Ela aprendeu a lidar melhor com realidades como essa desde que passou a integrar a equipe da Capitolina, uma revista independente voltada ao público adolescente. O veículo, que existe desde o início de 2014, busca dar vez e voz a uma turma de meninas jovens, criativas e cheias de personalidade.
Na opinião de Amora, essa foi também uma oportunidade para trocar experiências, falar sobre os problemas e pensar juntas em soluções para cada um deles. A publicação conta com mais de setenta colaboradoras e traz no nome uma homenagem à personagem Capitu, do romance Dom Casmurro, de Machado de Assis. Entre os temas abordados, estão arte, sexo, tecnologia, educação e muitos outros.
De acordo com Sofia Soter, editora e uma das fundadoras da Capitolina, a ideia surgiu após perceber que as revistas direcionadas às adolescentes não conseguiam atender as demandas delas. A própria Sofia, que hoje tem 24 anos, diz que quando era mais nova não se via representada, mesmo fazendo parte de um padrão considerado “ideal”: branca, magra e com boas condições financeiras. “Ainda vejo as revistas como se elas quisessem passar um mundo impossível de se atingir”, destaca.
A editora lembra que essa faixa etária é a mais afetada pelas pressões comerciais, na tentativa de impor produtos e conceitos que exercem impactos profundos em alguém que ainda está em processo de formação. No entanto, ela percebe alguns avanços em relação às garotas de hoje, que estão mais preparadas e organizadas para reagir a circunstâncias como essa.
Reação
Uma prova disso foi a matéria publicada pela revista Atrevida em abril deste ano. Com o título “Os makes que os garotos não curtem nas meninas”, o texto foi massacrado nas redes sociais. O público não perdoou a tentativa de submeter as leitoras aos gostos e conceitos masculinos do que é considerado certo ou errado.
"De ‘atrevida’ essa revista não tem nada, só vejo ‘submissa’”, escreveu uma internauta. "Não precisamos ter aval de homem para ser feliz, que vergonha", protestou outra. A polêmica em torno da reportagem mostrou que é preciso acompanhar as mudanças defendidas por uma geração de garotas que não estão mais dispostas a se calar diante da discriminação.
Para a professora do Departamento de Sociologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Carla Cristina Garcia, a internet veio para facilitar o acesso à informação e, segundo ela, as redes sociais têm tido um papel importante para mobilizar militantes, fazer campanhas e até mesmo derrubar propagandas machistas veiculadas atualmente. “Com toda essa onda conservadora, sem a internet as meninas não conseguiriam saber metade das coisas importantes sobre o feminismo”, afirma.
No entanto, a socióloga destaca que é preciso aprofundamento em termos de conteúdo, para que elas se percebam dentro de um contexto histórico e de uma luta que vem de várias gerações anteriores. E são muitos os desafios a serem superados. Carla ressalta que a busca por melhores condições de trabalho e a dupla jornada – uma vez que ainda recaem sobre as mulheres as obrigações domésticas – são alguns dos exemplos de obstáculos que as jovens precisarão enfrentar.
Empoderamento
Outra iniciativa que tem reunido garotas de todo o país para fortalecer o protagonismo juvenil é o Girls Rock Camp Brasil, um acampamento de férias em que as meninas aprendem a tocar um instrumento musical, formam uma banda e participam de atividades que estimulam a autonomia, o empoderamento e a quebra de estereótipos.
A criadora do projeto, Flávia Biggs, é uma entusiasta da causa. Ela conta que quando era adolescente e resolveu ter uma banda enfrentou preconceitos, mas também se sentia fortalecida a cada vez que tinha uma guitarra nas mãos. Flávia acredita na solidariedade entre as mulheres como a saída para a superação das dificuldades. No acampamento, as meninas são orientadas a pensarem o nome e o logotipo do grupo de rock que irão formar e escrevem juntas a letra de uma música.
Ela enfatiza que, fazendo um trabalho preventivo, as crianças e as adolescentes de hoje serão adultas muito mais conscientes de seus direitos. “O fortalecimento do protagonismo faz com que essas meninas se reconheçam de uma maneira diferente. Elas não vão aguentar violência dentro de casa ou o assédio no trabalho”, diz. “O empoderamento das meninas é o futuro do feminismo”, conclui.
Foto de capa: Girls Rock Camp Brasil