A estudante de Geografia Luisa Cruz, de 25 anos, voltou a receber ameaças por meio de bilhetes e e-mails. No ano passado, ela sofreu uma tentativa de estupro dentro da Cidade Universitária
Por Anna Beatriz Anjos
Há três semanas, a jovem Luisa Cruz, de 25 anos, não vive em paz. Aluna de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), ela vem recebendo ameaças anônimas em forma de bilhetes e e-mails – o agressor, ainda não identificado, chegou a invadir seu endereço eletrônico. Os recados são enviados, normalmente, no interior do campus da universidade, mas o último foi deixado na caixa de correio da casa de uma amiga, onde Luisa esteva hospedada.
Mensagens intimidadoras não são novidade para a estudante. Elas começaram a chegar em abril de 2014, deixadas em sua mochila durante os intervalos entre as aulas. Assustada, começou a levar a bolsa consigo sempre que saía da sala, mas o perseguidor passou a colocar os bilhetes no parabrisas de seu carro, que ficava estacionado dentro da Cidade Universitária. Os pedaços de papel traziam frases como “você é a mulher mais bonita dessa faculdade” ou “você ainda vai ser minha”.
Até maio, os recados continuaram chegando. O último, recebido por um amigo da jovem, alertava: “é melhor você se afastar dela”. Essa foi a gota d’água para que Luisa registrasse um boletim de ocorrência e avisasse o Departamento de Geografia do que vinha ocorrendo. No entanto, no dia 27 daquele mês, a universidade entrou em greve e só retomou as atividades em 19 de setembro.
Em agosto, Luisa esteve na USP para finalizar, junto a colegas, um trabalho que seria entregue após o fim da paralisação dos funcionários. Foi aí que aconteceu o episódio mais grave: a estudante sofreu uma tentativa de estupro. Ela conta que estacionou o carro próximo à FAU (Faculdade da Arquitetura e Urbanismo) e desceu para comprar um caderno numa loja dentro do edifício. Ao perceber que havia esquecido o celular, voltou para buscá-lo. Foi atacada por um homem que a abordou por trás e, segurando-a pelo pescoço, forçou sua entrada no veículo. Enquanto abria sua calça e dizia “eu te avisei”, ela conseguiu pressionar a buzina com um dos joelhos. Antes de fugir, ele bateu sua cabeça na porta do passageiro, o que a impossibilitou de olhar para o rosto do agressor – percebeu somente que sua pele era branca.
Outro boletim de ocorrência foi registrado e Luisa se submeteu a um exame de corpo de delito. Mais uma vez, oficiou o ocorrido ao Departamento de Geografia e à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). De acordo com ela, o responsável pelo primeiro não chegou a respondê-la, já o diretor da FFLCH a chamou para uma reunião, mas afirmou que a faculdade não tinha poder de investigação.
A denúncia chegou também à Superintendência de Prevenção e Proteção Universitária; entretanto, nada de concreto foi feito. Em nota, a USP confirma apenas o último episódio, alegando que, à época, pediu uma cópia do B.O. "para dar encaminhamento ao caso", mas que, depois disso, "não foi mais procurada". Luisa rebate a versão apresentada pela universidade.Preocupada com sua segurança, a aluna decidiu, em setembro, publicar sua história no Facebook. Para ela, a repercussão do caso contribuiu para que as ameaças cessassem por pouco mais de um ano. “Fiquei um ano andando acompanhada, com medo, sem nenhuma solução da universidade. Tranquei as matérias da noite, só fazia aula à tarde”, relata. “Dentro da universidade, [mudei meus hábitos] totalmente”.
O pesadelo parecia um pouco mais distante até que, na terceira semana de outubro, um novo bilhete foi deixado em seu carro, novamente dentro do campus. “Enquanto você estiver aqui, estarei”, informava o perseguidor. Uma semana depois, ela assistia a uma aula quando recebeu, em seu celular, um e-mail do seu próprio endereço eletrônico. “[O agressor] dizia que estava mandando aquele e-mail para eu saber que ele não estava de brincadeira, que sabia meu endereço, minha rotina e que ele não era a mesma pessoa que me atacou antes. Falou que usou apenas o mesmo artifício – o bilhete –, mas que estava fazendo aquilo porque eu gasto muito tempo, segundo ele, acobertando vagabundas”, conta.
Luisa decifra o raciocínio do assediador. “No ano passado, quando divulguei meu caso, comecei a receber diversas histórias de mulheres que foram agredidas, assediadas ou estupradas, muitas vezes na USP. Várias entraram em contato comigo, pediram minha ajuda”, explica. “Virei meio que uma referência para isso [na USP] e passei a receber uma série de casos, e diante disso, ajudei essas mulheres dentro das minhas possibilidades. Entendo porque estou sendo ameaçada: tenho uma certa participação, dentro da USP, no sentido da proteção das mulheres.” Entretanto, ela faz uma ressalva: “Publicizei [o caso] para me proteger, não foi para virar referência. Mas como são poucas as mulheres que divulgam seus casos, acho que sentiram uma confiança em mim.”
A jovem conseguiu rastrear o IP do computador de onde o e-mail foi enviado e descobriu que a máquina ficava no prédio do Departamento de Geografia, na sala chamada Pró-Aluno. Também em nota, a USP informou que “a Superintendência de Tecnologia da Informação está investigando a origem e autoria das mensagens eletrônicas relatadas pela aluna”. Após o episódio, o terceiro boletim de ocorrência foi registrado. “Uma investigação foi aberta, no entanto no último ano nada foi feito para garantir minha segurança ou das outras mulheres que frequentam o campus. Assim, mais uma vez um homem se sente à vontade nesse espaço para perseguir e ameaçar uma mulher”, escreveu Luisa em post no Facebook no qual divulga o recomeço das ameaças – a mensagem já foi compartilhada mais de 7.600 vezes.
No início do mês, o perseguidor se manifestou mais uma vez. “Desde o primeiro bilhete recebido esse ano, temendo por minha segurança, decidi não ficar na minha própria casa, buscando abrigo na casa de pessoas próximas. De alguma forma, o perseguidor soube dessa localização e, sem que nenhum morador da vizinhança visse, depositou um novo bilhete dessa vez na caixa de correio da casa em que eu estava abrigada. O bilhete, encontrado pelos moradores no último domingo (1), procurava deixar claro que o perseguidor sabia da minha nova rotina e do local em que eu vinha me abrigando. Um novo B.O. foi registrado e novas medidas de segurança foram tomadas”, contou Luisa em nova postagem. A Secretaria de Segurança Pública (SSP) de São Paulo comunicou que ela compareceu ao 93º Distrito Policial na semana passada "com cópias de e-mails e outras informações importantes", mas que "as investigações seguem sob sigilo, por envolver tentativa de abuso sexual".
Na última quarta-feira (4), a aluna se reuniu com a Comissão de Direitos Humanos da USP. De acordo com ela, “foram discutidas possíveis medidas para garantir minha permanência na universidade e a intenção de colaboração da USP com a polícia na investigação sobre o caso”. “As medidas propostas podem ser consideradas algum avanço no meu caso, no sentido de, depois de um ano passando por este pesadelo, recebo notícia de que as investigações e uma estratégia de proteção institucional começam a andar”, relata. A universidade informou, por meio de comunicado à imprensa, que "se dispôs a prestar todo o auxílio necessário à estudante, incluindo acompanhamento psicológico".
Enquanto pede ajuda às autoridades, Luisa faz o que pode para seguir com sua rotina, mas convive com o medo. “Não ando mais sozinha nem para passear com o cachorro. Não voltei para a faculdade desde então – estou tentando falar com os professores para garantir meu semestre sem ter que voltar. Mudou tudo. Minha vida mudou completamente.”
(Foto: Marcos Santos/USP Imagens)